POR GABRIELA COSTA
Cada vez mais as cidades são valorizadas pela sua capacidade de construírem modelos sustentáveis e de progresso económico e social. Mas sem uma gestão inteligente da sua governação, economia, mobilidade e rede de transportes, eficiência energética, conservação do património, inclusão social, ou de tantos outros desafios que habitam no quotidiano das urbes, o seu futuro está comprometido. Quer no plano competitivo, quer no da sustentabilidade.
Desafios em análise na conferência Cidades do Futuro, realizada esta terça-feira em Lisboa, pela IBM e pelo Expresso, e que reuniu personalidades da política e do meio económico, num debate moderado pelo director-executivo do semanário, Pedro Santos Guerreiro.
Nesta 2ª edição da conferência, que coincidiu com o 76º aniversário da IBM em Portugal, foi ainda anunciada, para breve, a versão em português do supercomputador Watson, a plataforma da IBM de reconhecimento da linguagem natural (ver Caixa).
A equação cidades-cidadãos
Na abertura da conferência, o presidente da IBM Portugal desafiou a plateia, repleta, a imaginar “uma cidade pensada intuitivamente para cada cidadão e capaz de reagir em tempo real”. Explorando esta ideia, o presidente da IBM Europe garantiu a quem ouvia que, num futuro que é já presente, “o que quer que façamos será mais fácil, visto que “tudo será mais automático”, graças à tecnologia.
Sublinhando que a mobilização global pelas smart cities é já uma realidade reconhecida que “não precisamos continuar a reafirmar”, Harry Van Dorenmalen sugeriu que ao “poder das cidades” se soma “o poder das pessoas”, com destaque para os jovens. É que se as cidades – sistemas complexos “rígidos, que devem criar plataformas flexíveis para quem lá vive” – “são verdadeiramente as novas armas de poder”, os cidadãos “têm de ser parceiros na vida das cidades”, Uma equação de mudança, na qual Van Dorenmalen exorta os líderes mundiais “a pensar”.
A nível local, o grande desafio para os autarcas, “que começam a reagir”, segundo Van Dorenmalen, é “utilizar o manancial de informação que têm ao seu dispor para tornar mais flexíveis” as suas cidades, em áreas como o ambiente, a eficiência energética ou o desenvolvimento sustentável”.
A questão já nem se coloca a nível da urbe, mas das regiões: elas são “os novos centros decisivos no mundo moderno”, defende, e para funcionarem de forma inteligente devem considerar três factores “críticos para o sucesso”: agenda; tecnologia; talento. Por outras palavras: hoje as regiões inteligentes integram uma agenda das suas cidades e países e uma gestão de stakeholders ao nível de parcerias nacionais e globais. Reforçam a sua mobilidade, por via da tecnologia, dos jovens e das redes colaborativas, e apostam naquilo em que são melhores, isto é, identificam os seus potenciais e exploram-nos de uma forma mais efectiva.
Liderar numa lógica win-win deverá ser um dos próximos passos na abordagem às ‘smater cities for a smarter planet’, conclui o dirigente da IBM Europe, congratulando-se com os crescentes exemplos de projectos europeus de sucesso, em questões como envelhecimento activo, segurança pública, monitorização de tráfego ou smart grids, entre tantas outras. Portugal – com um elogio para a autarquia de Lisboa, pelo seu plano de mobilidade implementado na última década – inclui-se nos países com forte interesse e mobilização pela gestão inteligente das suas cidades, acrescenta ainda o presidente da IBM Europe.
Trabalhar numa lógica colaborativa
A explosão demográfica mundial esperada no futuro próximo é outro grande desafio para as cidades, como lançou o moderador, o qual obriga a “uma governação inteligente”, capaz de minorar os efeitos do crescimento populacional sobre o aumento do desemprego, a escassez de recursos ou a perda de qualidade de vida.
Neste contexto o presidente da Câmara Municipal de Lisboa sintetizou a estratégia para o futuro de Lisboa enquanto cidade inteligente numa só expressão: “mais pessoas, mais empregos, melhor cidade”.
Três objectivos que António Costa espera atingir para a capital portuguesa através do reconhecimento da cidade como “o habitat natural da economia do conhecimento”. E também através do recurso a ferramentas tecnológicas, as quais “representam oportunidades para criarmos as cidades que ambicionamos”, como é o caso da plataforma colaborativa da IBM testada no simulacro realizado em Agosto de 2013, aquando da evocação do grande incêndio do Chiado, 25 anos antes. Para o autarca, “todos os dias devíamos trabalhar neste registo colaborativo”.
Reiterando a ideia lançada pelo presidente da IBM Europe, Costa defende que é preciso “incorporar os cidadãos, uma vez que eles são parceiros na gestão da cidade”. E, paralelamente, colocar diversas entidades a colaborar em conjunto e a partilhar informação. Mas para tanto, “é necessário romper com alguns entraves culturais. “Convivemos todos com a cultura de minifúndio, mas devíamos estabelecer uma cultura de cooperativa”, concluiu.
A propósito, o autarca explicitou a sua visão para o desenvolvimento urbano com recurso ao quadro comunitário 2014/2020, e aproveitou para lançar um aviso: para que não se olhe, “daqui a sete anos, com frustração para os fundos que hoje temos”. A polémica já estava instalada desde a semana anterior, aquando da troca de recados entre o Ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional, que tutela os fundos, e António Costa, relativamente às divergências de interpretação sobre a execução e o destino dos fundos comunitários para 2015.
Inteligência na gestão dos fundos
O presidente da Câmara de Lisboa reafirmou os seus receios de que Portugal esteja a desaproveitar a oportunidade única que tem de dar o impulso certo ao seu crescimento, através da correcta utilização destes fundos, explicando que os mesmos representam, no actual contexto de descapitalização pública e privada, “as verbas que podemos ter por seguras, capazes de sustentar um investimento relevante”. E quer “inteligência” na gestão dos fundos, especificamente no que respeita à sua utilização para intervir no edificado urbano, em eficiência energética e prevenção de riscos naturais.
[pull_quote_left]Costa reafirmou o receio de que a oportunidade de utilizar bem os fundos comunitários seja “desaproveitada”. O Ministro respondeu com o anúncio de um “programa ambicioso”, com instrumentos de capacitação na gestão autárquica[/pull_quote_left]
Adiantando que os programas comunitários não são desenhados de forma ingénua, mas antes a pensar no retorno que trarão aos principais países contribuintes, rematou: “nós não podemos continuar a desenhar a utilização dos fundos de forma ingénua.”
Miguel Poiares Maduro, que encerrou a sessão, ainda ouviu estas palavras no final da intervenção de António Costa, e respondeu a algumas dúvidas, mas Costa já não as ouviu, pois enquanto o ministro subia ao palco por um lado, o presidente da Câmara descia pelo outro para abandonar a sala.
Não sem antes ter sublinhado a importância da criação de projectos integrados, para uma gestão eficiente das verbas comunitárias. O ministro ripostou, anunciando que todas as comunidades intermunicipais vão ter uma estratégia territorial integrada, precisamente para colmatar a fragmentação verificada nos anteriores quadros de apoio. Poiares Maduro adiantou mesmo que, nas próximas semanas, será anunciado um novo programa “muito ambicioso com instrumentos de capacitação dos actores locais, em particular na gestão autárquica, para que os fundos sejam melhor utilizados”.
Sobre o novo ciclo de programação dos fundos estruturais europeus, Portugal 2020, o governante disse que a grande novidade é uma lógica de “orientação para resultados”: “não vamos financiar projectos, vamos contratualizar resultados” (isto é, os projectos serão financiados em função do cumprimento dos objectivos, incluindo, por exemplo, a empregabilidade).
Para além de uma “aposta central clara” na competitividade, o novo ciclo irá dedicar financiamento à sustentabilidade, enquanto área transversal e de prazo, com destaque, no que às cidades diz respeito, para a “eficiência energética dos edifícios, a mobilidade sustentável, e a revitalização e reabilitação urbana”. O anúncio de Poiares Maduro veio ao encontro do que, pouco antes, Costa exigira.
Sem inteligência, as cidades derrotam-se
“Sendo a cidade o sistema dos sistemas, temos que passar de projectos-piloto desintegrados para iniciativas mais ousadas, tirando partido dos fundos comunitários”, comentou António Raposo de Lima. Lamentando que ainda haja “bloqueios de mentalidades, inércias e questões regulamentares”, o presidente da gigante tecnológica em Portugal acusa a falta de liderança e visão estratégica do País, mas defende que “temos todas as condições para dar um salto qualitativo”. A IBM tem projectos de cidades do futuro em mais de 800 locais e já está a investir nesta área em cidades portuguesas como Lisboa, Porto, Tomar, Faro e Ponta Delgada.
Confirmando que a parceria entre a Vodafone e a IBM para um serviço de gestão do tráfego automóvel através de telemóvel está em fase de finalização, Mário Vaz, presidente da Vodafone Portugal sustentou que “perante os minifúndios, estamos bem servidos de tecnologia”.
Já para a presidente da Experimenta Design, Guta Moura Guedes, é precisamente por serem “grandes sistemas operativos tridimensionais onde vivemos todos os dias”, que o grande desafio das cidades “é fazer as estruturas rígidas evoluírem de forma orgânica”. Na sua opinião, o vasto património cultural do País, a sua capacidade secular de estabelecer redes e o enorme potencial do Mar são os grandes activos em que Portugal deve apostar.
Mas sejam quais forem as suas apostas, “as cidades derrotam-se a si próprias se não forem inteligentes na governação, e assim perderem pessoas e empregos”, conclui Augusto Mateus. Sugerindo que o País precisa de “mais inovação e reorganização”, e “de pessoas e organizações mais eficientes”, o economista lembrou que “as redes e dispositivos inteligentes só funcionam com pessoas inteligentes”. Neste contexto, o conceito de “smart” deve ser entendido por “inteligência pragmática útil”. E Portugal tem de ter “organizações inteligentes”. Porque “a tecnologia é o instrumento que empurra, mas o que é preciso é liderança”, sentencia.
O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Pedro Santana Lopes, também insistiu numa reorganização, criticando a “multiplicação de estruturas” e o “desperdício dos recursos”.
Sentado ao lado de António Costa, o ex-autarca da capital admitiu ser “muito difícil vencer essa cultura de minifúndio” de que falara Costa, e acrescentou com humor: “É preciso uma reforma agrária”.
Explicando que nas sociedades do futuro vai haver um recuo do papel do Estado, Santana Lopes insistiu na ideia de que a reorganização de tarefas (e não só a sua descentralização) é essencial para as cidades funcionarem com inteligência.
Para o provedor, na estratégia para as Cidades do Futuro há também que incluir questões de protecção social, a pensar no inevitável envelhecimento da população. Afinal, nas cidades habitarão sempre as pessoas, e inteligentes serão sempre as pessoas, não a tecnologia.
Supercomputador humano vai falar português
A IBM vai lançar uma versão em português do Watson, um supercomputador que, através de tecnologia cognitiva, consegue ler e compreender linguagem natural, responder a questões com base na geração e avaliação de hipóteses e aprender com os seus utilizadores.
A tecnologia Watson representa uma nova era da computação baseada na sua capacidade de processar os dados e interagir mais como um humano do que como um computador, e já é utilizada em vários países do mundo, em indústrias como a saúde e a educação.
Desconhece-se ainda quando é que a versão portuguesa estará disponível (e se será em português do Brasil) mas, segundo Raposo de Lima, o roadmap para este serviço em língua portuguesa já está definido, e existem interessados no nosso país em usar o supercomputador.
À margem da conferência Cidades do Futuro, o presidente da IBM Portugal prometeu novidades para os próximos meses.
Jornalista