Para se tornarem agentes competitivos, as organizações sociais devem encarar a economia social como “uma economia de partilha, sem capelinhas” e onde o conhecimento e boas práticas das organizações são reconhecidos ao nível da economia nacional. Esta foi uma das muitas ideias veiculadas no seminário dedicado à Economia Social, recentemente promovido pela Associação Alumni ECONÓMICAS e pela TESE. No evento, todos os oradores reconheceram a importância crescente do sector para a geração de emprego e coesão social, num momento tão difícil para o País
POR GABRIELA COSTA

© DR

A importância da Economia Social e das Organizações sem Fins Lucrativos no Portugal de 2012” foi a temática em debate no seminário realizado, no passado dia 12 de Abril, no âmbito do “Ciclo de Conferências, Seminários e Colóquios – 2012” da ALUMNI ECONÓMICAS – Associação dos Antigos Alunos, ISEG/UTL, em parceria com a TESE – Associação para o Desenvolvimento.

A iniciativa reuniu mais de 250 participantes, entre quadros das Organizações sem Fins Lucrativos (OSFL), quadros dos organismos públicos com intervenção nesta área, quadros de empresas privadas responsáveis por parcerias com o Terceiro Sector, docentes das Faculdades de Economia e Gestão, alunos e ex-alunos universitários, voluntários das OSFL e público em geral interessado pelas actividades do Terceiro Sector.

O evento teve por objectivo identificar e debater “pistas” para a construção de novos instrumentos que permitam um melhor impacto e eficiência das OSFL, tendo em conta os desafios com que estas organizações se defrontam nos próximos anos. Como sublinha Rafael Drummond, membro da Direcção da TESE e da ALUMNI ECONÓMICAS, entre estes desafios destacam-se “as crescentes solicitações para a satisfação das necessidades de cada vez mais estratos da população”, bem como a sustentabilidade das organizações a médio prazo, face às alterações em curso no seu modelo de financiamento”.

Neste contexto, o ISEG, “como escola mais antiga de Economia e Gestão do País, aceitou o
repto para se envolver ainda mais nos temas da Economia Social e da Gestão das OSFL,
tendo a ALUMNI ECONÓMICAS contado com a colaboração e experiência da TESE para, em parceria, organizar o seminário” realizado no auditório principal CGD, no ISEG, em Lisboa.

Terceiro Sector gera 6% do PIB
Na sessão de abertura, o vice-presidente do Instituto da Segurança Social, Miguel Coelho, começou por lembrar que as Organizações sem Fins Lucrativos representam cerca de 6% do PIB e empregam mais de 270 mil pessoas. Na opinião de Miguel Coelho, que interveio a título pessoal, a importância destas organizações na sociedade portuguesa “exige mais profissionalismo e uma eficiência acrescida na sua gestão interna, pois 40% destas organizações evidenciam contas desequilibradas”.

A diversificação das fontes de financiamento das OSFL imporá o aumento da sua transparência e a avaliação permanente do impacto social das suas actividades, concluiu Miguel Colho, defendendo a intervenção conjunta dos Ministérios das Finanças e da Segurança Social na atribuição dos dinheiros públicos, pelo Terceiro Sector.

Defendendo também a relevância da economia social para Portugal, Isabel Jonet sublinhou que esta se “distingue por combinar perfeitamente a eficiência económica e o empreendedorismo social”, oferecendo “um enorme potencial”.

As crescentes solicitações de cada vez mais estratos da população e a sustentabilidade das organizações a médio prazo, face às alterações em curso no seu modelo de financiamento, são dois dos maiores desafios da Economia Social .
.

No âmbito do 1º Painel, intitulado ”A Economia Social, as suas múltiplas actividades (e famílias) e a sua importância na Sociedade Portuguesa”, a presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome considerou que as instituições que integram o Terceiro Sector “promovem a coesão social, a igualdade de oportunidades e são consideradas pela Comissão Europeia como um dos instrumentos para lutar contra a exclusão social e, naquilo que é certamente mais importante actualmente, para conciliar a qualidade do emprego e a criação de empregos para todos, incluindo os mais vulneráveis”.

A economia social representa hoje, a nível europeu, cerca de 8% das empresas e instituições e também cerca de 10% de todo o emprego, calculando-se que cerca de 25% dos cidadãos europeus estejam a ela ligados, nos mais variados aspectos.

Para Jonet, “a diversidade, a força e o conhecimento” das várias organizações que integram a Economia Social – cooperativas, fundações, IPSS, misericórdias, associações mutualistas, ONGD e associações culturais entre tantas outras – “são indispensáveis para melhorar e preservar a vida dos cidadãos, nomeadamente dos mais carenciados.

É o caso dos 19 Bancos Alimentares em actividade, que apoiam com alimentos mais de 2100 instituições, que os levam a cerca de 320 mil pessoas com carências alimentares comprovadas. Só no ano passado foram entregues 36 milhões de quilos de alimentos, numa média diária superior a cem toneladas.

Também a UDIPSS – Porto tem 350 organizações associadas nos serviços à população, que apoiam 90 mil pessoas na sua área de influência. Carlos Azevedo, coordenador-geral desta União Distrital sublinhou a necessária capacitação profissional dos seus quadros e dirigentes, bem como a procura de meios de financiamento alternativos a uma histórica dependência do Estado e uma abordagem na sua gestão diferente da tradicional, traduzida nas afirmações “o lucro não é pecado” e “é necessário construirmos marcas”.

No seu entender, a criação de negócios sociais “deverá ser a próxima etapa para a autonomização e sustentabilidade das organizações, cujo maior activo é a proximidade das pessoas e a confiança que geram nelas”.

Trabalhar sem desperdício nem “capelinhas”
Perante “uma realidade em mutação acelerada”, Manuela Silva, professora catedrática Jubilada do ISEG, reforçou a necessidade de a Academia acompanhar e estudar novos conceitos, designadamente as experiências mais recentes de Economia Solidária. Na sua opinião, a economia social “começou a sair da obscuridade em que tem vivido no currículo académico”, o que é fundamental, já que “o ensino e a investigação têm um papel muito importante na conceptualização e na identificação dos princípios de gestão que asseguram a eficiência dentro do próprio sector”, disse ainda ao VER Manuela Azevedo. Para a autora de diversos estudos dedicados à Pobreza em Portugal, é essencial “evitar que a economia social acompanhe os princípios de gestão do sector capitalista”.

Crítico, Pedro Krupenski defendeu que “à semelhança de outros, o princípio da subsidiariedade é letra morta”, considerando que se princípios como este fossem cumpridos, “as ONGD teriam um papel muito mais preponderante”.

Referindo-se à necessidade de diálogo no âmbito da concertação social, o Presidente da Direcção da Plataforma Portuguesa das ONGD e Director de Desenvolvimento da OIKOS – Cooperação e Desenvolvimento, questionou quem está, afinal, mais capacitado para resolver os problemas sociais. A retórica da experiência no terreno e conhecimento de causa das organizações merece, parte de Krupenski, a resposta óbvia a uma questão que provavelmente já não se deveria colocar: “as ONGD também têm o direito de poder cumprir o que entendem ser útil e necessário, com o apoio do Estado”.

Na sua opinião, as organizações sociais “devem tornar-se agentes competitivos na economia social (o que será “uma pista de fora para dentro”, comenta), mas só poderão fazê-lo encarando-a como “uma economia de partilha, sem “capelinhas” e onde o conhecimento e boas práticas das organizações são reconhecidos ao nível da economia nacional.

Os contributos para uma economia social eficiente passam por “uma revolução cultural em quatro frentes”, defende ainda Pedro Krupenski. São elas a afirmação de uma identidade do Terceiro Sector; a eliminação do tabu associado ao conceito de “não lucrativo”, reforçando a aposta na eficiência e na autonomia das escolhas (“talvez o desafio mais problemático”, diz); a revisão do âmbito das acções de voluntariado, “porque não chega a boa vontade ou fazer qualquer coisinha pelos outros, é preciso fazar muito mais do que isso”; e, por último, o reforço das parcerias, alianças e fusões, evitando o desperdício de recursos que “são maiore do que os benefícios, quando se trabalha sozinho”.

© DR

“Crescimento dos negócios sociais depende do regime jurídico”
No 2º painel, dedicado ao PADES, à Lei de Bases da Economia Social e aos negócios Sociais, Eduardo Graça, presidente da Direção da CASES, anunciou que a construção da “Conta Satélite da Economia Social” está em fase de finalização, prevendo-se a sua disponibilização para Setembro de 2012. O trabalho realizado conjuntamente pelo INE e pela CASES envolveu cerca de cinquenta mil entidades e “permitirá conhecer em detalhe a realidade de um sector para o qual apenas se conheciam, até agora, estimativas”.

Já Frederico Pinho de Almeida, vereador da Ação Social do Município de Cascais, apresentou o dinamismo da autarquia na construção de parcerias entre os três sectores que promovem o empreendedorismo social, destacando exemplos como a loja social da Câmara, em Carcavelos,
e a atividade da CERCICASCAIS. Estas iniciativas vieram introduzir, na gestão dos projetos de intervenção, o conceito de lucro social em benefício do seu público-alvo, concluiu.

Também Suzete Frias, presidente da Direção da CRESAÇOR – Cooperativa Regional de Economia Solidária – Ponta Delgada apresentou no evento o testemunho sobre o modelo de estruturação e gestão das múltiplas atividades desta cooperativa, desde o Projecto de Luta contra a Pobreza em 1999 até ao desenvolvimento de empresas de inserção sócio-profissional
nos Açores.

Em suma, e como sublinha, em declarações ao VER, Rafael Drummond, relator das várias sessões do seminário promovido pela Associação Alumni ECONÓMICAS e pela TESE, “o crescimento dos negócios sociais dependerá, no futuro, da criação do regime jurídico das empresas sociais, ou seja, entidades que desenvolvem uma actividade de produção, comércio ou serviços com fins primordialmente sociais, e cujos excedentes são, no essencial, mobilizados para essas finalidades ou reinvestidos em benefício da comunidade”.

A este propósito, Margarida Couto, sócia da Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de
Advogados, explicou que este regime jurídico se encontra-se previsto na nova Lei de Bases, em
discussão na especialidade na Assembleia da República, cuja aprovação prevê também uma
reforma geral da legislação ordinária, aplicável às organizações enquadradas na definição legal
de Economia Social e Solidária.

Observatório da Pobreza fará evolução sistémica do fenómeno
No âmbito do seminário “A importância da Economia Social e das Organizações sem Fins Lucrativos no Portugal de 2012”, Isabel Jonet apresentou os resultados mais significativos de um estudo baseado nas instituições apoiadas pelos Bancos Alimentares e Entrajuda e nos seus beneficiários directos, realizado em parceria com o CESOP , Centro de Estudos de Serviço Social e Sociologia, da Universidade Católica da Universidade Católica.O estudo, realizado em 2011 parte de questionários estruturados, com questões abertas, dirigidos às famílias e às instituições, distribuídos através da rede dos Bancos Alimentares e da ENTRAJUDA e das Conferências de S. Vicente de Paulo.

Com o grande objectivo de estudar as instituições de solidariedade social que lutam contra a pobreza no terreno e avaliar o próprio fenómeno em Portugal, procurou-se neste estudo “detectar as suas causas para as poder corrigir e, talvez não menos importante, caracterizar as pessoas carenciadas e os respectivos agregados familiares: quem são, como vivem, quais são os seus níveis de rendimento, que acesso têm a subsídios, quais são as suas necessidades alimentares ou outras, explica Jonet. Ao mesmo tempo, esta investigação permite que estapopulação descreva “o que representa para elas o fenómeno da pobreza e da exclusão”, adianta.

Construir um perfil, a nível nacional e regional, das instituições de solidariedade social que desenvolvem um trabalho no terreno junto das famílias carenciadas; estimar o número de pessoas apoiadas pelas instituições de solidariedade social, a nível regional e nacional: e construir uma base de dados “que permita no futuro estabelecer tendências e comparar a evolução das necessidades de ajuda, da rede de instituições de apoio e das pessoas apoiadas” são os desafios que a Entrajuda e os Bancos Alimentares querem resolver, a partir deste estudo.

A amostra dos dois questionários, muito vasta, recebeu um elevado número de respostas que a tornam bastante representativa: ao todo 3.279 instituições de solidariedade inquiridas em Abril, em Portugal Continental e nas Regiões Autónomas Madeira e Açores e mais de 15 mil pessoas carenciadas inquiridas entre Junho a Outubro, através das instituições que as apoiam. Este estudo “de características inéditas, com recolha dos dados através de uma rede muito capilar, envolvimento das instituições na recolha da informação e trabalho em rede, permitirá ter um ponto de partida para algo que se pretende acompanhar e estudar ao longo de vários anos”, comenta Jonet, revelando que será constituída uma amostra significativa destas instituições e pessoas necessitadas, “para ver como evolui a sua situação de uma forma sistemática”, o que dará origem à criação de um Observatório da Pobreza.

A caracterização das organizações e o perfil da população apoiada estão já disponíveis na Federação dos Bancos Alimentares e na ENTRAJUDA. O VER analisa em breve, com os comentários de Isabel Jonet, os resultados deste estudo de extrema importância para o combate à pobreza e apoio à população carenciada, em número inevitavelmente crescente, como se sabe.

Jornalista