Perante a primazia do sucesso económico face ao desenvolvimento da pessoa e do Bem Comum, o documento da CNJP é um convite a “uma liderança servidora” que equilibra as necessidades do mundo dos negócios com os princípios sociais éticos, defende o presidente da UNIAPAC. Para José Maria Simone “a ética é uma ‘bússola’ que indica a direcção certa”, quando a fonte de energia “são os nossos valores, formação e preparação pessoal”
POR GABRIELA COSTA

O presidente da UNIAPAC, José Maria Simone foi um dos oradores convidados no Encontro com líderes empresariais e associados da ACEGE, promovido a 6 de Maio pela Associação Cristã de Empresários e Gestores, no âmbito do evento “A Vocação do Líder Empresarial”, que reflectiu sobre o tema a partir do documento com o mesmo nome, publicado pelo Conselho Pontifício Justiça e Paz (CPJP).

Para além do Encontro com Líderes, que reuniu as intervenções do Cardeal Peter Turkson, presidente do CPJP, e de José Maria Simone e o testemunho de vários gestores dos Grupos Cristo na Empresa, a iniciativa realizada em Lisboa integrou ainda um almoço-debate, com foco no discurso do Cardeal sobre o documento lançado no Congresso Mundial da UNIAPAC, em Março de 2012, em Lyon (França).

Para José Maria Simone, a publicação do CNJP “convida-nos a repensar a forma como somos líderes empresariais e dá-nos uma direcção para as nossas acções, guiando-as para que estejam em sintonia com o pensamento da Doutrina Social da Igreja, promovendo a dignidade humana e o Bem Comum”.

Sublinhando tratar-se de “um documento que segue o ensinamento da Igreja”, o presidente da UNIAPAC recordou que o mesmo está expresso em documentos essenciais como a Encíclica “Caritas in Veritate” do Papa Bento XVI (2009) ou a Encíclica “Rerum Novarum” de Leão XIII (1981), os quais “têm sido fonte de enorme inspiração para muitos gestores e onde são reforçados conceitos em que podemos basear a nossa acção em prol do desenvolvimento social da economia e dos negócios”.

A questão que se coloca, diz, é perceber porque tem a Igreja necessidade de reforçar esses conceitos de forma continuada. A razão que aponta, “infelizmente”, é o facto de “ao longo dos anos” não ter sido capaz “de pô-los em prática num grande número de empresas e situações”. Defendendo que não tem sido feito tudo o que é possível para incorporar esses conceitos “na pessoa do líder empresarial e nas condições dos negócios existentes”, Simone apela a que se repensem e ajustem estes critérios na gestão, “especialmente nas circunstâncias actuais”, como reflecte o ‘manual’ da CNJP, apelidado de “espécie de Vade-mécum” pelo Cardeal Turkson, no Prefácio.

© Arlindo Homem

Vocação para “uma liderança servidora”
No âmbito da sua actuação enquanto rede mundial de associações de líderes cristãos, a UNIAPAC preconiza um conjunto de características básicas que devem fazer parte do comportamento dos gestores cristãos, que José Maria Simone sumarizou, contextualizando a proposta contida no documento da Comissão Pontifício Justiça e Paz, também ele orientado para uma gestão ética à luz da Doutrina Social da Igreja:

. A economia, construída sobre as relações com os outros, deve ser baseada em princípios morais e éticos que culminam no respeito pela pessoa humana.

. A economia, estando focada na produção, comércio e criação de riqueza, está sempre baseada em tomadas de decisões que envolvem pessoas. Portanto, uma visão ética é necessária e essencial para conjugar os objectivos do Homem e os meios necessários para atingir esses objectivos.

. A actividade económica, entendida como um conjunto de acções que se destinam a satisfazer as necessidades humanas com o uso de recursos limitados, é uma actividade realizada por pessoas, que devem dirigir os seus esforços para servir o Homem.

. Em resumo, o Homem é a fonte, o foco e o fim da vida socioeconómica. Como líderes, reconhecemos o papel fundamental da liderança na condução dos negócios. Quaisquer que sejam as leis e regulamentos existentes, os líderes empresariais cristãos devem proteger os mais fracos.

Para o presidente da UNIAPAC, o comportamento ético só pode, assim, existir “em empresas onde haja uma liderança durável e activa”, o que é fundamental porquanto os líderes de negócios são quem pode “orientar as empresas em direcção a valores e princípios éticos específicos, exercendo a sua influência e ajudando as organizações a manter um comportamento ético no tempo”.

“O melhor sistema é uma economia socialmente responsável, com base na liberdade dos actores, na sua responsabilidade e no seu vínculo com os stakeholders

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Na sua opinião, “a ética é uma ‘bússola’ que indica a direcção certa. Mas a força que orienta a bússola requer, também ela, uma fonte de energia. Essa fonte de energia são os nossos valores, a nossa formação, a nossa preparação pessoal”.

Tendo por base o princípio fundamental do Pensamento Social Cristão, “o melhor sistema económico é uma economia socialmente responsável, com base na liberdade dos actores, na sua responsabilidade e no seu vínculo com os diversos grupos humanos que compõem a empresa, os stakeholders”, conclui.

O documento “A vocação do Líder Empresarial” vem mostrar que, embora já existam directrizes para os líderes cristãos realizarem negócios éticos, “não temos sido muitos bem-sucedidos nesse objectivo”, reconhece José Maria Simone: “existem diferentes razões que não nos permitiram aplicar os nossos ideais em busca do Bem Comum (falta de regulamentação, corrupção, cobiça, má gestão dos recursos)”. Mas uma das causas principais, muitas vezes esquecida, diz, foi “a separação entre a fé e as acções diárias, que levou a desequilíbrios internos em muitos líderes, difíceis de sarar e que causaram impacto nas empresas”.

Perante a primazia do sucesso económico face ao desenvolvimento da pessoa e do Bem Comum, este documento “propõe uma visão inovadora, ‘uma liderança servidora’ que fornece aos líderes uma perspectiva que equilibra as necessidades do mundo dos negócios com os princípios sociais éticos que são mencionados no Evangelho”, sublinha o presidente da UNIAPAC.

Considerando que as três etapas sobre as quais a publicação analisa as acções do líder empresarial – Ver, Julgar e Agir – “estão profundamente relacionadas”, Simone acredita que “quando o líder combina harmoniosamente a sua vida espiritual, os seus princípios e virtudes e a ética no trabalho, torna una a sua vida e desenvolve negócios de forma abrangente”. Isto é, com todos os stakeholders.

Em conclusão, o presidente da UNIAPAC sublinha a relevância deste documento que é um convite “a mudar a nossa gestão, alcançando os nossos objectivos económicos, num compromisso com o desenvolvimento sustentável da empresa e da sociedade, com respeito pela dignidade das pessoas, das comunidades e do meio ambiente, e contribuindo sempre para a construção do Bem Comum e da justiça social”.

Questionando se terão os gestores cristãos “a força, o compromisso e a vocação de serviço” para implementar tal mudança, José Maria Simone está certo que “com base nestes critérios fundamentais estaremos a melhorar a cultura das nossas empresas e a sociedade onde vivemos”.

“Os empresários devem ser defensores do desenvolvimento humano”
Constituindo uma rede de associações de líderes empresariais cristãos presente em quase todo o mundo através de cerca de 16 mil membros, a UNIAPAC visa unir, guiar e motivar os gestores seus associados para o exercício de uma liderança ética e responsável, assente nos princípios da Doutrina Social da Igreja.Presente em 35 países espalhados pela Europa, América Latina, Ásia e África, esta União Internacional que defende uma economia livre baseada no respeito pela dignidade humana e na construção do Bem Comum tem no continente africano a sua mais recente expansão. Em Fevereiro de 2010, e na sequência do Congresso Mundial de UNIAPAC realizado no México em Outubro de 2009, com a participação de 25 líderes de vários países africanos, a UNIAPAC África era oficialmente lançada em Ouagadougou, no Burkina Faso, numa conferência dedicada à Responsabilidade Social Corporativa.Actualmente com representação em dez países – Angola, Benin, Burkina Faso, Camarões, Chade, Costa do Marfim, Gabão, República Democrática do Congo, Senegal e Togo – a UNIAPAC África assinalou recentemente a tomada de posse do seu novo corpo directivo, presidido por Zeferino Estevão Juliana, também presidente do Conselho de Administração da ACGD – Associação Cristã de Gestores e Dirigentes, congénere da ACEGE em Angola.Os novos Órgãos da UNIAPAC ÁFRICA foram anunciados a 16 de Fevereiro, em Luanda, precisamente no âmbito da conferência comemorativa do 5º aniversário da ACGD, promovida sob a temática “Verdade e Ética, Desafios para os Líderes Africanos“.O presidente da UNIAPAC, José Maria Simone, foi um dos intervenientes em destaque no evento que integrou quatro painéis de reflexão dedicados às dimensões da ética e da transparência em África, face aos desafios da construção de uma economia sustentável no continente.

Na sequência desta intervenção, o VER entrevistou o presidente da UNIAPAC a respeito dos grandes desafios em matéria de desenvolvimento sustentável que se colocam, em geral, a todo um continente e, em particular, a uma organização que tem previsto no seu plano de acção 2014/2016 a afirmação em África, a expansão para outros países do continente e o reconhecimento junto de organizações continentais, nomeadamente através da associação a figuras públicas de destaque, segundo anunciou, na tomada de posse da UNIAPAC África, o porta-voz da ACGD, Constantino José.

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© Arlindo Homem
José Maria Simone, presidente da
UNIAPAC
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Na qualidade de presidente da UNIAPAC INTERNACIONAL, que tópicos em reflexão destaca na agenda do Encontro realizado entre a UNIAPAC e a ACGD, em Luanda?
Todos os temas discutidos na conferência “Verdade e Ética, Desafios para os Líderes Africanos” são muito importantes, mas devo enfatizar que os mais oportunos para o desenvolvimento das pessoas através do esforço empresarial estão relacionados com as dimensões ética e de Responsabilidade Social inerentes à construção de uma economia sustentável. Acredito que estas questões são fundamentais e são a base para o desenvolvimento sustentado e para o crescimento económico dos países.

Partindo da sua experiência à frente de uma organização internacional de líderes empresariais cristãos, quais são os grandes desafios para os empresários africanos, nas áreas da ética e transparência e da RSC?

Os líderes empresariais cristãos têm pela frente um grande desafio para o seu desenvolvimento em África já que, a partir do ponto de vista da UNIAPAC, os empresários são chamados a serem defensores do desenvolvimento económico e humano nos negócios e na sociedade.

Esta exigência implica uma abordagem conjunta entre todos os que constituem a empresa, atendendo às expectativas de todas as partes envolvidas na sociedade, utilizando-se valores como uma forma de gestão responsável. Mas os valores só são reconhecidos se forem exercidos de forma ética. O que contribui para o reforço da independência de todas as partes envolvidas, o qual vai além de uma mera conveniência económica.

Na sua opinião, que contributo pode a UNIAPAC África dar ao desenvolvimento sustentável da economia e da sociedade africana?
A contribuição que a UNIAPAC África pode dar ao desenvolvimento sustentável da economia, dos gestores e empreendedores, e da própria sociedade africana é muito importante.

Como líderes, e tendo por base a nossa experiência, acreditamos que uma economia e uma sociedade inspiradas e motivadas para servir a humanidade se constroem a partir de uma perspectiva social, para além de económica. E acreditamos que esta perspectiva é mais eficiente para gerar valor do que aquela em que os negócios só são movidos pelos interesses financeiros de alguns, que consideram o Homem como um instrumento para servir os seus interesses individuais.

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Como comenta o trabalho desenvolvido nos últimos cinco anos pela ACGD difundindo a Doutrina Social da Igreja e aprofundando princípios ético-morais que humanizam as práticas políticas, económicas e empresariais em África?
O desenvolvimento da ACGD nos últimos 5 anos tem sido extraordinário. A Associação participou da incorporação dos princípios da Doutrina Social da Igreja na comunidade, promovendo uma gestão ética e social entre os gestores e os políticos da sociedade angolana. Além disso, alcançou uma relação com a hierarquia da Igreja nas dioceses do país, para garantir a difusão dos princípios éticos e valores pessoais, as práticas e a experiência que  geram um impacto significativo sobre a maneira como a actividade económica e social em África será desenvolvida, com vista a um futuro muito brilhante para os países.

Jornalista