POR HELENA GONÇALVES
De acordo com o estudo Employee Views of Ethics at Work: 2012 Continental Europe Survey, na Europa, 77% dos colaboradores consideram que a honestidade é vivida nas suas organizações, mas quase um quarto afirma que se sentiu pressionado para passar por cima de regras e leis. Qual seria a situação em Portugal?
Foi esse o ponto de partida do estudo “Ética no local de trabalho: a percepção dos ex-alunos da Católica Porto Business School”, apresentado, dia 9 de Abril, no campus da Foz da Católica e que, apesar de não pretender ser um reflexo exacto da situação no país, representa, pela diversidade de sectores de actividade e de perfis de locais de trabalho dos alunos respondentes, um bom ponto de partida para a reflexão, o que era, aliás, o nosso grande objectivo.
Assim, e ainda que, em rigor, não se possa fazer uma comparação com os resultados do estudo europeu (um foi efectuado com uma amostra de conveniência e o outro com amostras representativas da população activa dos respectivos países), pensamos que existem alguns dados que valem a pena ser comparados.
Este estudo visa aferir três dimensões distintas das práticas éticas no local de trabalho: a) a percepção do comportamento nas organizações, b) a percepção de cultura organizacional e, ainda, c) o apoio que as organizações prestam aos seus colaboradores em assuntos de ética organizacional.
a) A percepção do comportamento nas organizações
A percepção do comportamento nas organizações é aferida da opinião relativa à honestidade praticada no local de trabalho, a pressão para comprometer os padrões éticos, a observação ou conhecimentos de más práticas e a capacidade de a reportar.
No âmbito da honestidade, os resultados estão muito em linha com os do estudo internacional. Assim, 71% dos respondentes consideraram que a honestidade é praticada no seu local de trabalho mas, quanto às pressões, os resultados são diferentes: apenas 27% dos respondentes afirmam nunca ter sido pressionados para comprometer os princípios e as normas de actuação da organização, um resultado que é quase o oposto do estudo internacional onde, na casa dos 20% (22%), estão os que afirmam ter sido pressionados.
Porquê esta tão elevada percepção relativa à pressão? E como é que este resultado se enquadra na honestidade?
Qual terá sido a reacção dos respondentes quando se sentiram pressionados? Como é “dizer não” em Portugal, ou pelo menos sinalizar, ser capaz de dizer, por exemplo numa reunião em que se discute um projecto: “este projecto vai contra os nossos princípios de actuação”?
Outro aspecto a destacar é a observação de más práticas éticas: quase metade (49%) afirma ter observado, no último ano de trabalho, condutas na sua entidade empregadora, chefias ou colegas que pensam terem violado a lei ou os padrões éticos da organização, valor que compara com 28% do estudo internacional. Mas quem observou em Portugal [estas más práticas],numa percentagem superior em 15% à europeia, foi capaz de as reportar, através de um qualquer mecanismo.
b) A percepção da cultura organizacional
No estudo europeu, a cultura é definida como o modo como as coisas são feitas numa organização, ou seja, independentemente de códigos e de outros elementos de um sistema formal de gestão da ética, “cultura” é a forma como a ética é vivida. E a liderança, em conjunto com o exemplo das chefias, tem aqui especial importância.
- A minha chefia directa é, genericamente, um bom exemplo de condutas éticas;
- A minha chefia directa explica à equipa e aos colegas a importância da honestidade e da ética, no trabalho que fazemos;
- A minha chefia directa recompensa as pessoas que obtêm bons resultados, mesmo que elas usem práticas que sejam questionáveis eticamente.
Este aspecto da recompensa da chefia pareceu-nos especialmente relevante porque, de alguma forma, se refere a um incentivo que pode existir nas organizações para más práticas éticas.
De notar ainda que neste grupo os resultados são muito positivos.
Para todas as afirmações positivas, a maioria refere que “concorda”. Para cinco das afirmações positivas, 60% ou mais concorda (A, B, D, F e G) e mais de metade está de acordo com as afirmações E e H. Ainda assim, regista-se uma elevada proporção de respondentes que também discorda com sete destas afirmações (entre 21% e 38%). Um pouco mais de metade (52%) concorda com H, sugerindo que é relativamente comum que questões éticas sobre o “certo e errado” sejam discutidas nas reuniões de trabalho.
c) Apoio dado aos colaboradores pelas organizações em assuntos de ética organizacional
Quase dois terços (65%) afirmam que a sua organização tem princípios de actuação escritos que fornecem orientação ética/conduta sobre o trabalho, como por exemplo um código de ética/conduta, uma política sobre ética nos negócios ou um guia de condutas mais apropriadas. No entanto, só cerca de um terço (38%) afirma que sabe que a sua organização disponibiliza aos colaboradores meios para reportar más práticas éticas de forma anónima e/ou, não sendo anónima, garante o anonimato de quem denuncia, com apenas 40% dos inquiridos a afirmarem que a sua organização disponibiliza formação sobre princípios de actuação ética em contexto laboral.
Estes resultados levam-nos a pensar que, efectivamente, há ainda muito espaço de melhoria em matéria de implementação de sistemas de gestão e avaliação do desempenho ético das organizações, independentemente da cultura mais ou menos ética que possuam, o que vem reforçar a nossa percepção da pertinência do curso “Ética Organizacional: Implementação e gestão”, que acabámos de lançar, e que tem como objectivo apoiar as empresas no desenvolvimento de sistemas de gestão mais robustos e eficazes.
De notar que tanto este estudo como o novo curso, se enquadram num projecto mais amplo, o qual teve como ponto de partida a vontade da Católica Porto Business School e, em particular, a dos seus docentes, de contribuir mais activamente para o desenvolvimento da ética empresarial e apoiar as organizações na gestão do seu desempenho ético.
Desse projecto faz ainda parte a criação de espaços de reflexão para líderes empresariais e de um fórum de ética que, acreditamos, nos permitirá responder de forma mais assertiva às reais necessidades das empresas e fomentar a discussão e o debate desta temática.
Nota: Estes resultados correspondem à percepção de 73 respondentes, com uma percentagem ligeiramente superior de homens (56%) face à de mulheres, maioritariamente na faixa etária entre os 35 e 54 anos (63%), com três quartos (78%) exercendo a actividade em Portugal, sobretudo na área Financeira (21%), Direcção Geral (15%), Operações (15%) e Marketing (10%). Sobre o local de trabalho destes ex-alunos, de referir que um quarto se insere em micro e pequenas organizações e cerca de metade em organizações com mais de 500 trabalhadores; 37% das organizações respondentes têm um volume de negócios superior a 100 milhões de euros e 18% das empresas estão cotadas em bolsa. São maioritariamente (82%) do sector privado, ainda que 11% pertençam ao sector público e 7% constituam organizações sem fins lucrativos. A Indústria, os Serviços Financeiros e Outros Serviços são os principais sectores de actividade (cada um com 17%), seguindo-se o Comércio e a Construção e Obras Públicas (12%).
Docente e coordenadora do Fórum de Ética da Católica Porto Business School