Acreditando piamente que a austeridade é o único caminho possível para se sair da crise económica, os líderes europeus, em menor ou maior escala, têm vindo a ignorar as vozes que, de forma crescente, têm gritado nas ruas de diversas cidades do Velho Continente. De forma não violenta, multiplicam-se os movimentos civis e apartidários que, em comum, partilham um estado de saturação. Mas que pode dar origem a confrontos sociais preocupantes
POR HELENA OLIVEIRA

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Desde 15 de Maio último que residentes de inúmeras cidades espanholas se têm manifestado contra a crise financeira crescente no país, os seus políticos e os banqueiros. Estes protestos espontâneos são os mais expressivos desde que a Espanha mergulhou na recessão em 2008 e os seus actores são, na maioria, jovens que acamparam em muitas praças espalhadas pelo país, sendo que destas, a famosa Puerta del Sol, em Madrid, é a que mais atenção mediática tem recebido. Fruto do movimento “Democracia Real Ya”, o agora conhecido Movimento 15 de Maio ou M-15 tem similaridades com o português Movimento 12 de Março (M12M), descendente do famoso grupo Geração à Rasca. Mas não só. Atenas, Dublin, Londres, Bruxelas são apenas algumas das cidades europeias que se estão a habituar a ter nas suas ruas milhares de manifestantes contra as políticas de austeridade que grassam no Velho Continente.

Apesar de ignorados pelos partidos políticos e prontamente relegados para segundo plano pela imprensa quando valores (ou notícias) mais altos se erguem, talvez valesse a pena tomar um pouco mais de atenção ao significado destes levantamentos populares. É que, numa leitura superficial, não é possível não ver algumas semelhanças com a chamada Primavera Árabe, apesar de os seus manifestantes viverem em regimes democráticos. Mas, com a escalada de medidas de austeridade, não é de todo impossível que um “Verão Europeu” esteja a caminho. Ou um Inverno rigoroso.

Os “indignados” espanhóis – como se auto-intitulam – têm em comum muitos aspectos com os seus congéneres europeus. Na sua maioria são jovens, contam com o inegável apoio das redes sociais para se mobilizarem, sentem-se frustrados com as medidas de austeridade impostas aos seus países – bem como ao seu futuro -, queixam-se da indiferença dos políticos que os governam e partilham problemas demasiado sérios no que respeita à falta de emprego. Se em Portugal, de acordo com as últimas estatísticas do INE, o desemprego jovem atingiu os 27,8 por cento, em Espanha ronda os 43%. Mais ainda, sublinham não estarem reféns de qualquer ideologia política e manifestam-se pacificamente. Este pacifismo – que deixou de o ser em Atenas e Londres, por exemplo – serve para descansar as autoridades que, habituados a povos passivos e pouco dados a violência, esperam que assim continuem.

O problema é que ninguém pode adivinhar o futuro e ignorar estes sinais pode constituir uma estratégia perigosa. Mas os líderes europeus continuam preocupados com as dívidas soberanas, com a possível reestruturação do acordo de Schengen, com a viabilidade do euro, com as declarações da senhora Merkel ou com o sucessor do agora acusado Strauss-Kahn e não colocam sequer em consideração que os europeus possam estar fartos. Afinal, parecemos estar a viver nos “Estados Desunidos da Europa”. Mas unidos no essencial. É que se a revolta que começou na Tunísia se alastrou rapidamente para vários países árabes, esta “chamada às armas” na Europa poderá ser falada em outras línguas, mas as causas que lhe são subjacentes não são assim tão diferentes.

Protestos contra tudo?
Apesar de este tipo de movimentos se estar a multiplicar um pouco por toda a Europa, a verdade é que ninguém os leva muito a sério. Generalizadamente acusados de nem sequer saberem o que querem, também há quem defenda que, pelo menos, sabem o que não querem. Um dos gritos de guerra mais ouvidos nos últimos dias nas ruas de Espanha foi “Não somos mercadoria nas mãos de banqueiros e políticos”. E, tal como o português M12M teve como mote a precariedade laboral, os temas que se lhe seguiram incluem o resgate financeiro, a exigência de uma auditoria às contas públicas (reforçada no passado Domingo quando, no Rossio, levaram a cabo uma acção de rua com o objectivo de explicar às pessoas o que provocou a crise económica, quem são os seus responsáveis e que papel tiveram nesta as agências de rating), passando pelo combate à corrupção e até pela promoção de um debate sobre um referendo ao pagamento da dívida soberana – parecido ao que se passou na Islândia e na sua famosa “revolução das frigideiras”. Para os jovens “indignados” espanhóis, as reivindicações são similares.

Como se pode ler no seu manifesto, “(…) a política, tal como a conhecemos hoje e tal como é aplicada pelos partidos políticos (quem paga a crise são os sectores mais débeis da sociedade) levou à indignação de uma parte crescente da sociedade. Nos últimos anos temos assistido, atónitos, ao resgate multimilionário de grandes bancos ao mesmo tempo que se foram produzindo constantes cortes sociais e agressões aos direitos fundamentais (…)”.

Se estes jovens são, muitas vezes, vistos apenas como meros agitadores sociais que, depois das manifestações, voltam sossegadamente para as suas casas e vidas, a verdade é que conseguem catalisar os descontentamentos de vários sectores da sociedade. E se não se apresentam como militantes de nenhum partido – unindo, até, sensibilidades políticas distintas – constituem prova de uma “vitalidade da sociedade civil não organizada”, como defendeu, a 13 de Março último e no jornal Público, a socióloga Maria da Paz Lima.

Uma revolução silenciosa está a ter origem em várias partes da Europa. Uma revolução não violenta que procura uma nova democracia através de meios democráticos. O desafio que se segue será manter este espírito colectivo pacífico nos tempos (ainda mais) difíceis que se aproximam. É que, na verdade, esta Europa não é para jovens, mas também não é para menos jovens. E com as políticas de austeridade ainda no seu início, os movimentos populares poder-se-ão intensificar e os resultados são imprevisíveis. É que se os líderes europeus continuam a apostar que a sua Europa continuará muda e amorfa, poderão ter algumas surpresas.

E os europeus sairão à rua?
Um projecto europeu falhado (pelo menos para os eurocépticos), um possível colapso do euro e os exemplos – para já – da Grécia, Irlanda e Portugal como países intervencionados servem de “lembrete” para os demais europeus descontentes. A ajudar à tragédia, aumentam as desigualdades sociais, os impostos, a perda de benefícios, o desemprego, o endividamento das famílias e o sentimento generalizado de que “não há futuro”. E, para os 100 milhões de jovens europeus que vivem dentro destas fronteiras, o protesto não pode apenas ser via Facebook ou Twitter. Daí que estejam a invadir as ruas.

A juventude europeia está a navegar por águas muito perigosas e, se há muitos que preferem nadar de costas, outros há que não se submetem a mergulhos forçados. Nascidos na era digital, habituados à globalização, percebem também a necessidade de lutar por causas mais amplas como a pobreza, a exploração, os poderes instalados, a protecção do planeta, entre outras.

Muitas vezes acusados de não terem interesse em qualquer processo de tomada de decisão, seja ele nacional ou europeu, nem no processo democrático, os jovens estão a perceber que não precisam de ter ideologia partidária para se organizarem. Todavia, esta despolitização pode ser perigosa. Como afirma, em entrevista à Youth Opinion Magazine, Stéphane Hessel, que aos 93 anos continua a ser um acérrimo defensor dos direitos humanos, “os mais novos não se devem convencer por argumentos que defendem que a política é inútil”, acrescentando ainda que a juventude actual “tem de resistir a ser parte daqueles que apenas pensam nos seus interesses materiais imediatos e que desistem das suas aspirações de serem activos para o futuro da sua sociedade”.

Mas, ao que parece, contagiados pelos seus pares em várias partes do mundo, estes jovens parecem estar a aprender a revoltarem-se contra coisas que consideram inaceitáveis. E ao organizarem a sua resistência, aprenderão algo que parece estar esquecido nas últimas décadas: a diferença entre o que é legal e o que é legítimo.

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