POR GABRIELA COSTA
“A solidariedade europeia teve de se manifestar. Está na hora de mostrar coragem colectiva – Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia
Os ministros da Administração Interna e da Justiça da Europa tentaram, mas não conseguiram. À procura de uma resposta europeia concertada para a crise humanitária que a Europa vive, a reunião extraordinária realizada esta 2ª feira em Bruxelas, pelo Conselho da União Europeia Justiça e Assuntos Internos, fracassou na obtenção de um acordo sobre a distribuição dos mais de 120 mil refugiados que chegaram em massa, nos últimos meses, à Itália, à Grécia e à Hungria, com necessidade extrema de protecção internacional, e que Jean-Claude Juncker quer recolocar em outros Estados-membros da União Europeia, para aliviar a pressão sobre estes que são os três países da UE mais afectados. Hoje mesmo, o Parlamento Europeu (PE) votou a favor do mecanismo de recolocação de emergência proposto pela Comissão Europeia.
A CE já propusera, em Maio, recolocar fora da Grécia e da Itália 40 mil sírios e eritreus (entre as muitas pessoas que entraram na Europa pelo Mediterrâneo), ao abrigo do mecanismo de resposta de emergência previsto no Tratado de funcionamento da UE, activado pela primeira vez, na história da União, e no âmbito da Agenda Europeia da Migração, aprovada também em Maio, e cujas medidas têm já um segundo pacote de implementação, definido este mês.
[pull_quote_right]A situação é dramática e não temos tempo a perder – Jean Asselbron, ministro da Imigração luxemburguês[/pull_quote_right]
Três horas depois do início deste Conselho extraordinário, foi aprovado o pacote de medidas para o realojamento, nos próximos dois anos, destes 40 mil refugiados, numa decisão anunciada em comunicado pelo Conselho Europeu, e que mereceu de imediato a felicitação do ministro luxemburguês da Imigração, que liderou o encontro no âmbito da actual presidência rotativa da UE, a cargo do Luxemburgo: Jean Asselbron defendeu que a adopção desta decisão pelo Conselho é “uma importante mensagem política”, porquanto permite que os primeiros realojamentos de pessoas que necessitam de protecção internacional possam começar rapidamente.”
Mas, na verdade, já antes da reunião dos ministros do Interior, o Parlamento Europeu havia dado luz verde a este primeiro mecanismo de relocalização de emergência, pelo que a reunião serviu apenas para o acelerar. E, se a adopção deste pacote de medidas vem permitir uma actuação imediata, a realidade é que este plano de acolhimento poderá entrar em vigor até Setembro de 2017. De sublinhar que, entre os 28, apenas a Dinamarca e o Reino Unido ficaram de fora deste acordo.
O Conselho Extraordinário iniciado às 14h00 prolongou-se, ainda, até ao início da noite, mas este foi o único progresso alcançado para minorar o drama humanitário instalado na Europa, tendo qualquer solução relativa à distribuição de mais 120 mil refugiados que estão na Hungria (54 mil), na Grécia (50 400) e em Itália (15 600) por vários Estados-membros – em função de critérios como população, PIB, taxa de desemprego ou número médio de anteriores pedidos de asilo – ficado adiada para nova reunião a realizar no próximo Conselho de Assuntos Gerais, a 8 de Outubro.
Acordo para resposta de emergência adiado para Outubro
O acordo foi travado pela Hungria, República Checa e Eslováquia, com a ajuda da Polónia e da Roménia, que discordaram de algumas propostas, segundo fontes europeias citadas na imprensa internacional.
Na agenda inicial do Encontro estava a definição de quotas obrigatórias para o acolhimento de requerentes de asilo pelos Estados-membros, já anteriormente recusadas por estes países (dos quais Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia constituem o grupo de Visegrado), e por outros como o Reino Unido, a Dinamarca, a Irlanda e a Finlândia.
[pull_quote_left]Alguns países estão a pensar de uma forma mais nacional do que europeia – Dimitris Avramopoulos, Comissário para as Migrações do Conselho Europeu[/pull_quote_left]
O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, já havia avisado que, a manterem-se as divisões entre nações, o passo seguinte seria uma cimeira extraordinária de urgência e, numa tentativa de conseguir obter um acordo de princípio entre os países sobre uma resposta concertada a nível europeu, o Conselho da UE Justiça e Assuntos Internos ainda anunciou que todas as questões técnicas – incluindo a definição de quotas de acolhimento – ficariam adiadas para outra ocasião. Mas nem assim foi possível definir qualquer estratégia de ajuda humanitária a estas centenas de milhares de refugiados. No comunicado de imprensa sobre a reunião, a Comissão Europeia admite que foi dado “um primeiro passo como uma União”, face à crise dos refugiados, mas que “é preciso fazer mais para lidar com os enormes desafios que a Europa enfrenta”.
Em reacção ao fracasso do encontro, várias vozes se levantaram: o Comissário para as Migrações do Conselho Europeu, Dimitris Avramopoulos, sublinhou no Parlamento Europeu que “esperava mais apoio por parte de todos os Estados-membros” à proposta de distribuição de um total de 160 mil refugiados, entre os 28, lamentando ter visto “alguns países a pensar de uma forma mais nacional do que europeia”.
“A situação é dramática e não temos tempo a perder. Um problema comum requer uma resposta conjunta”, afirmou o ministro da Imigração luxemburguês, concluindo, em declarações aos jornalistas, em Bruxelas, que a União Europeia deve aumentar a cooperação com a Turquia para o controlo da entrada de emigrantes.
Para a Alemanha, “a Europa envergonhou-se a si mesma mais uma vez “. O vice-chanceler alemão Sigmar Gabriel endureceu o discurso face à falta de entendimento na reunião dos ministros do Interior da EU, considerando que estamos perante uma ameaça muito maior que a crise grega, e recordando que o seu país (que se prepara para receber cerca de um milhão de pedidos de asilo este ano, ao invés dos previstos 800 mil) não pode resolver sozinho os problemas de tantos refugiados. Também o ministro do Interior de França, Bernard Cazeneuve, defendeu que “cinco países não podem receber todos os emigrantes” ironizando que “não há uma Europa a la carte, porque “a solidariedade não é divisível”.
Já António Guterres manifestou-se “chocado com a falta de união europeia na questão de acolhimento de refugiados”, apelando de imediato a um plano B, focado em “avançar com o que pode ser feito imediatamente”, na ausência de um acordo definitivo. Numa audição no Parlamento Europeu (PE), no dia seguinte ao Conselho extraordinário, o Alto-Comissário da ONU para os Refugiados pediu aos países que estão dispostos a acolher refugiados que comecem a antecipar procedimentos, mesmo sem acordo a 28, considerando “inaceitável” o adiamento de um compromisso sobre a proposta da Comissão para reuniões futuras, no actual contexto “de emergência”.
[pull_quote_right]A Europa envergonhou-se a si mesma mais uma vez – Sigmar Gabriel, vice-chanceler alemão[/pull_quote_right]
Guterres recordou a primeira grande crise de refugiados europeia depois da II Guerra Mundial, na Hungria, país que tem vindo a repudiar um sistema europeu de acolhimento de refugiados, tendo já ordenado a construção de um muro com arame farpado ao longo dos 175 quilómetros da fronteira sérvia, e preparando-se para erguer outro muro na fronteira com a Roménia. A Hungria fez ainda entrar em vigor, na passada 3ª feira, uma nova legislação destinada a criminalizar a entrada de migrantes no país, ao abrigo da qual, e até ao fecho desta edição, foram detidas quase 400 pessoas (tantas quantas as que cruzaram a fronteira com a Sérvia). Como concluiu o responsável das Nações Unidas, com atitudes destas, o velho continente da integração europeia “já não está unido, está dividido”, e compromete a defesa dos seus valores.
Já em declarações à imprensa pouco antes da reunião dos ministros do Interior, António Guterres insistiu na ideia de que o mecanismo de repartição dos centenas de milhar de refugiados através de um sistema de quotas, proposto pela CE, deveria ser de carácter vinculativo, afirmando que “é mais do que tempo” de a Europa acordar uma estratégia e “pôr a casa em ordem”. Para o Alto-Comissário, “as divisões que têm existido na Europa nesta matéria estão largamente na base da situação de caos e de confusão” que se vive actualmente, numa Europa “impreparada” para os fluxos migratórios crescentes dos últimos meses.
“O drama da situação actual é que cada país toma as suas medidas”, disse ainda, alertando que, com políticas ‘avulso’, “corre-se o risco de ter refugiados a andar de um lado para o outro e a cair num limbo de natureza legal”, pelo que “é indispensável que existam centros de recepção eficazes nos países de entrada e depois haja uma distribuição justa por todos os Estados europeus”.
Mais de meio milhão já atravessou fronteiras
Em 2015, mais de meio milhão de refugiados foram registados nas fronteiras da UE, quase o dobro dos 280 mil contabilizados em 2014, segundo dados da Frontex, agência europeia que gere as fronteiras da União. A escalada de deslocados em trânsito para a Europa intensificou-se nos últimos cinco meses, com 156 mil pessoas a atravessarem as fronteiras da UE só em Agosto.
[pull_quote_left]A solidariedade não é divisível – Bernard Cazeneuve, ministro do Interior de França[/pull_quote_left]
A 9 de Setembro, a Comissão Europeia apresentou um vasto conjunto de propostas para solucionar a crise dos refugiados que os Estados-membros e países vizinhos vivem, incluindo as medidas de emergência para o acolhimento de um total de 160 mil requerentes de asilo, chumbadas no Conselho extraordinário do dia 14; mas também uma proposta para a criação de um mecanismo permanente de acolhimento para futuras situações de crise, que permita acelerar e tornar mais seguros os pedidos de asilo, com recurso a uma lista comum europeia de países de origem seguros; e um plano de acção externa, que abranja a “resolução dos problemas de raiz que levam as pessoas a procurar refúgio na Europa”, e torne mais eficaz a política de regresso (no âmbito do qual a CE propôs a criação de um fundo fiduciário de 1,8 mil milhões de euros, para “ajudar a combater as causas profundas das migrações em África”). Outra das medidas incluídas neste pacote é a criação de campos de refugiados em Itália e na Grécia para o acolhimento temporário de imigrantes ilegais. Para tanto, os países da UE terão de contribuir financeiramente para a construção das várias infra-estruturas, o que não deverá encontrar acordo fácil.
Já no que concerne a definição de um acordo para uma intervenção de combate aos traficantes de refugiados “mais agressiva”, o entendimento não suscitou divergências: a UE vai recorrer à força militar para combater o tráfico de pessoas no mar Mediterrâneo. A decisão, tomada também a 14 de Setembro, pelo Conselho de Ministros dos Assuntos Gerais da União Europeia, deverá ser implementada no início de Outubro, no âmbito da operação naval EUNAVFOR-Med (missão da segurança europeia contra os traficantes de seres humanos), possibilitando aos navios de guerra europeus fazerem buscas, apreensões e desviar embarcações suspeitas. Até ao momento a operação lançada no final de Junho apenas monitoriza, em águas internacionais, as redes de contrabando criminosas que operam a partir da costa da Líbia para transportar migrantes para Itália.
Infelizmente, o cerco não aperta apenas para estes traficantes, mas também para os milhares de refugiados agora impedidos de entrar na Alemanha, que restabeleceu os controlos de fronteiras, suspendendo o acordo de Schengen, alegadamente por ter atingido a sua capacidade de acolhê-los em segurança, e depois de ter recebido o maior número de pedidos de asilo – quase cem mil.
[pull_quote_right]Há uma falta de união europeia na questão de acolhimento de refugiados – António Guterres, Alto-Comissário da ONU para os Refugiados[/pull_quote_right]
O encerramento da fronteira alemã com a Áustria para conter o afluxo de refugiados gerou o esperado efeito dominó, com este país a impor também, temporariamente, controlos fronteiriços com outros Estados-membros, em particular na fronteira com a Hungria, mas também nas fronteiras com a Itália, Eslováquia e Eslovénia. Seguiram-se a Eslováquia, a Holanda, com controlos pontuais, e claro, a Hungria.
A Comissão Europeia já veio dizer que a suspensão de Schengen, que permite a muitos países europeus manterem uma fronteira externa comum e dispensarem a utilização de passaportes entre as suas fronteiras internas, deverá durar dois meses. Mas o regulamento nº1051/2013, que altera as regras comuns sobre a reintrodução temporária do controlo nas fronteiras internas prevê que os países o possam fazer até seis meses (prazo que pode, em circunstâncias excepcionais, ser estendido até aos dois anos).
A respeito da decisão de fechar fronteiras como resposta à crise humanitária na Europa, a Comissão defende que a UE só pode funcionar se todos “jogarem de acordo com as regras”, defendendo que a preservação do espaço Schengen depende de “os Estados-Membros da UE trabalharem juntos rapidamente, com responsabilidade e solidariedade”, na gestão desta crise.
António Guterres já fez saber que “se a fronteira húngara se mantiver fechada”, deve ser dada “uma resposta de emergência centrada na Sérvia”, ao nível de acolhimento e assistência, para, a partir daí, se iniciar “imediatamente, o programa de recolocação de refugiados”. Até porque, se o clima já é tenso, “aproxima-se o inverno”.
Jornalista