Em retrospectiva, os testemunhos asseguram que Monty Hall foi sempre uma pessoa humilde e compreensiva e que mereceu o seu sucesso. Dedicou-se à filantropia e reuniu milhões de dólares para causas nobres. A sua forma de estar na vida e o espírito generoso foram contagiantes – de alguma forma, com a partilha do seu trabalho e do sucesso subsequente, inspirou outros a fazerem boas acções
POR PEDRO COTRIM
Winnipeg fica bem no centro da América do Norte. É varrida pelos ventos canadianos, por massas de ar boreal, pelos Alberta Clipper e outras movimentações semelhadas. É uma cidade grande, com quase um milhão de habitantes, mas doidamente fria; tão fria que em Dezembro e Janeiro estão habitualmente menos quinze ou vinte graus que em Moscovo. Mesmo para os padrões canadianos, a fama da cidade é tal que lhe chamam Winterpeg. Se espreitarmos as normais climatológicas ficamos com uma ideia. Ah, e ainda: as temperaturas profundamente negativas são batidas a vento.
Não é uma cidade enterrada no Árctico: está mais ou menos à mesma distância do Pólo Norte que Paris. Já sabemos que a rudeza do clima na América do Norte pouco tem a ver com a doçura meteorológica europeia e já o abordámos no VER.
Monty Hall viveu uma infância pobre neste burgo de invernos de plasma gelado. O pai era comerciante de carne por conta própria e o pequeno Monty tinha 8 anos no crash de 1929. «Mas o crash foi nos EUA», pensamos. Efectivamente, mas teve repercussões mundiais; e muito particularmente no Canadá, onde a economia tinha estado em expansão na década de vinte, em grande parte devido ao aumento do comércio com os Estados Unidos. Contudo, quando a economia do gigante colapsou em 1929, sucedeu um efeito de contágio sobre a economia canadiana. O desemprego disparou para quase 30% e muitas empresas foram à falência. A vida não era fácil no grande norte.
Houve um declínio acentuado no comércio entre os dois países. À medida que a economia dos EUA agonizava, a procura de bens e serviços canadianos diminuía, conduzindo praticamente ao desaparecimento das exportações canadianas. O impacto foi muito significativo no país, fortemente dependente das exportações para os Estados Unidos.
O crash da bolsa de valores também levou muitos bancos do Canadá à falência, fortemente investidos no anteriormente dinâmico e muito especulativo mercado de acções dos EUA; quando o mercado caiu, sofreram perdas significativas, o que agravou ainda mais a situação económica.
A família de Monty vivia abaixo do limiar de pobreza, mudando-se de casa barata para casa ainda mais barata à medida que o dinheiro continuava a diminuir. O rapaz nunca teria ido para a universidade se não fosse Max Freed, um benfeitor da zona e cliente do seu pai. Comovido com o bom carácter do miúdo, na altura com 15 anos, propôs-se a ajudá-lo nos estudos. Impôs-lhe no entanto cinco regras:
– No mínimo, teria de ser aluno de ‘Bons’
– Teriam de se encontrar todos os meses com os relatórios escolares para os discutirem
– O rapaz nunca poderia dizer a ninguém onde conseguira o dinheiro
– Teria de prometer que faria o mesmo por outra pessoa no futuro
– E um dia teria de restituir o dinheiro a Max…
Monty nunca se esquivou ao trabalho árduo nem às decisões arriscadas. Enquanto estudava na universidade, trabalhava à noite numa rádio local. Quando se formou, foi para Toronto, o centro económico e cultural do Canadá, trabalhando em anúncios na rádio. As suas ambições acabaram por levá-lo a Nova Iorque, onde bateu a algumas portas à procura da sua grande oportunidade: nenhuma se abriu. Nas poucas vezes em que tal sucedia, por trás da secretária dizia-se alguma coisa do género: «Mas há alguma rádio lá para cima, lá no norte?» Genericamente, na cabeça dos nova-iorquinos, apenas haveria pelo Canadá a Polícia Montada e jogadores de hóquei.
Monty não teve oportunidades, mas continuou a tentar. Acabou por encontrá-la em 1955, quando um director de programas da NBC reparou nele. Monty tinha enviado, a quem trabalhava na indústria televisiva, uma página preenchida com histórias sobre as suas peripécias recentes em Nova Iorque e uma ou outra situação engraçada. Aparentemente, o director de programas tinha-as apreciado e ficara com vontade de falar com Monty.
Monty começou a trabalhar na emissora em 1963 com o seu parceiro Stefan Hatos. Juntos criaram o maior concurso da história da televisão – Let´s Make a Deal. O programa consistia em Monty a apresentar uma série de acordos a elementos do público que se vestiam para se fazerem notar e serem escolhidos. Se algum concorrente acertasse na resposta, ganhava uma viagem e outros prémios interessantes, mas uma resposta errada premiava-o com algo pateta, como, por exemplo, um burro. A esse prémio chamaram ‘zonk’.
O programa foi um êxito instantâneo, mas o acordo de Monty com a ABC permitiu à estação ficar com a maior parte dos lucros. Perante esta situação injusta, Monty decidiu-se pela compra da estação. Talvez seja tentador apelidar este gesto como ‘o grande negócio de Monty Hall’. De certa forma, é isso mesmo. Será desnecessário mencionar que foi o momento mais decisivo da sua carreira empresarial.
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Em retrospectiva, os testemunhos asseguram que Monty foi sempre uma pessoa humilde e compreensiva e que mereceu o seu sucesso. Dedicou-se à filantropia e reuniu milhões de dólares para causas nobres. A sua forma de estar na vida e espírito generoso foram contagiantes – de alguma forma, com a partilha do seu trabalho e do sucesso subsequente, inspirou outros a fazerem boas acções.
Nas suas palavras:
«Formei-me na universidade de Winnipeg em 1944 e decidi-me a estudar mais um ano. Ia para as aulas durante o dia e trabalhava numa estação de rádio à noite, das 18h às 23h. Ia para casa, dormia um pouco e na manhã seguinte ia para as aulas. Após terminar os estudos, passei a trabalhar para a estação a tempo inteiro. Um dia o director chamou-me e disse:
– Tens aqui um mapa de Toronto. Repara que assinalei alguns pontos, que é onde estão as estações de rádio. Agora põe-te a andar.
– O que quer dizer com isso? Tenho trabalho em Toronto?
– Não, não tens trabalho; tens de o procurar por ti próprio.
– Está a dizer-me que estou despedido?
– Não, não te estou a despedir. Estou a dizer-te que tens imenso talento e que acho que não deves ficar em Winnipeg. Deves tentar Toronto.»
Toronto era realmente o sítio mais fervilhante do Canadá. Monty tinha 24 anos e pertencia a uma irmandade universitária. Os membros juntaram-se para ajudar Monty com dinheiro e ele assim conseguiu comprar uma mala de viagem. Também ficou com dinheiro suficiente para o comboio, mas apenas isso.
Viajou para Toronto e teve ofertas de 3 estações de rádio como anunciante. Fez emissões em 1946, 1947, 1948, 1949, 1950 e 1951; ganhava o suficiente para viver. Entretanto, a emissão regular de televisão canadiana iniciava-se em 1952; Monty conseguiu um programa. Tinha um programa de rádio e um programa de televisão – tudo parecia correr bem. Subitamente, o programa de televisão foi cancelado e Monty esteve mais de um ano à procura de trabalho na televisão. Debalde.
Ganhava o suficiente no programa de rádio para poder sustentar a família, mas estava muito desapontado porque a televisão era o meio em que se sentia bem. Ali estava ele, a fazer o programa e prestes a começar outro. De repente, acabou tudo. Era assim que as coisas funcionavam na CBC, Canadian Broadcasting Corporation. Não queriam produzir grandes estrelas. Se fossem demasiado brilhantes, iriam exigir mais e mais dinheiro. A estação limitava-se a «cancelar» pessoas a torto e a direito e a começar com caras novas, para de seguida as cancelarem também e recomeçar com outras, reciclando-se através da renovação das pessoas. Eram palavras duras de Monty, e, segundo ele, era esta a razão para tantos canadianos irem para os Estados Unidos à procura da sua sorte. Fez efectivamente o mesmo.
A mulher, Marylin, encorajou-o. Disse-lhe: «Vai, eu serei a mãe e o pai dos nossos dois filhos. Tens de ver se consegues». Em Nova Iorque andou à procura de oportunidades e não conseguia realmente que o recebessem. Felizmente, ainda tinha um pequeno programa de rádio em Toronto, o que lhes permitia ganhar a vida. Regressava a Toronto, gravava o programa, de seguida regressava a Nova Iorque para continuar a procurar trabalho.
Finalmente, Steve Krantz, director de programas da estação local da NBC, deu-lhe a primeira oportunidade. Acabou por conseguir um trabalho como comentador num programa de fim-de-semana na NBC chamado Monitor. Ali permaneceu durante quatro anos. Também iniciou um programa na televisão local no Channel 5, fazendo a cobertura de encontros de boxe e de wrestling e de jogos de hóquei dos New York City Rangers. O seu primeiro programa na estação chamou-se Keep Talking e durou quatro semanas.
Em 1960 recebeu uma chamada dos responsáveis que faziam um programa chamado Video Village na CBS. Pelo telefone, o produtor disse-lhe: «Escuta, o apresentador do programa tem um grande problema familiar em Los Angeles. Vai-se embora imediatamente. É um programa em directo e vai para o ar todos os dias. Preciso que aprendas como se faz pelo programa de hoje e que faças o programa amanhã de manhã em directo». Aprendeu nessa noite. Na manhã seguinte fez a apresentação e foi um sucesso tremendo.
Em 1961 o programa foi transferido para a costa oeste dos Estados Unidos; Monty mudou-se com a família. Começou a elaborar conteúdos de programas para televisão juntamente com Stefan Hatos. Em 1963 trabalharam durante meses no desenvolvimento de um programa chamado Let’s Make a Deal. Experimentavam o conteúdo sempre que conseguiam juntar um grupo de pessoas; tiveram reacções muito boas. Primeiro mostraram-no à ABC, que o recusou. De seguida apresentaram-no à NBC: as audiências adoraram o formato, mas a resposta inicial da estação foi de reserva. O responsável não quis o programa, mas o seu assistente disse-lhe que tinha gostado muito e que deveriam fazer um programa piloto.
Fizeram-no em Abril de 1963, mas não tiveram notícias até Outubro, quando receberam uma chamada da NBC. Na estação confessava-se que o programa das 12:30 não tinha tido sucesso em três anos. Perguntaram a Monty e a Stef se estavam preparados para ficar com o horário e se podiam começar no dia 2 de Janeiro. Nenhum programa anterior tinha durado mais de 13 semanas; porém, Let’s Make a Deal foi um sucesso.
Em termos criativos, Monty assegura que foi a experiencia mais satisfatória que jamais teve. Quando decorria o último ano de um contrato de cinco com a NBC, ele e Hatos pediram um aumento, mas a NBC recusou. A ABC entrou na luta e ofereceu-lhes uma proposta. Assinaram pela ABC e o resto é história.
O programa teve imenso sucesso, com audiências diurnas da ordem dos 12 milhões de espectadores. No Verão foi emitido em prime-time e os números foram ainda maiores, mas no Outono não os deixaram prosseguir. Segundo a ABC, destinava-se apenas ao Verão porque os concursos televisivos nunca seriam um sucesso à noite. Não é preciso ser um adivinho para perceber o que aconteceu depois, uma vez que desde então são transmitidos imensos concursos em horário nocturno.
No entanto, Monty e Stef tiveram uma oferta de interessados para iniciar um processo de venda dos direitos de transmissão. Disseram ao agente que iriam ficar na ABC durante o dia, mas que queriam ficar com o direito de vender os direitos de transmissão para o período nocturno. A resposta da ABC foi prontamente negativa.
Recordou Monty em 2002:
«O que sucedeu depois foi o momento chave da minha carreira. O meu sócio e eu estávamos no escritório do meu agente e eu disse:
– Se não nos derem permissão para vender os direitos de transmissão do programa, não vamos fazer a versão para horário diurno com eles.
O meu agente respondeu:
– Estás maluco? Tens de fazer o programa diurno!
– Não, não tenho. Temos algum poder. Somos o programa com maior sucesso que eles têm e eu quero liberdade para vender o programa para o horário nocturno»
(Quando se submete um programa em processo de venda de direitos de transmissão nos EUA, pode ser vendido a qualquer estação em qualquer nicho que se queira. E é através deste processo que se fazem as fortunas na televisão)
«O meu agente abanou a cabeça:
– Estás maluco, arriscas toda a tua carreira.
Avançou Stef Hatos:
– O Monty tem razão e vamos fazer como diz.
Ligámos à ABC e a conversa foi a seguinte:
“Se não nos deixarem iniciar o processo de venda de direitos de transmissão do programa, não vamos estar no estúdio hoje à noite para gravar. Têm até às 17h de Nova Iorque para nos dizer se podemos avançar como queremos ou não”.
Quando desliguei o telefone, a cara do meu agente estava lívida. Nunca ninguém tinha falado daquela forma com o responsável de uma estação televisiva, nunca! O meu sócio e eu fomos para a minha casa de Los Angeles e esperámos que o telefone tocasse. Às duas da tarde de Los Angeles, cinco da tarde em Nova Iorque, nada sucedia. O telefone permanecia mudo.
A minha mulher entrou no quarto. Olhou para nós e disse-nos:
– Bem, vocês desafiaram-nos e perderam.
Às 14:20 o telefone tocou. Era o responsável pela ABC que ligava de Nova Iorque.
– Muito bem, ganharam. Mas com uma condição. Têm de deixar a ABC adquirir os direitos de transmissão.
– Ok. Não me interessa quem o faz. Tivemos outras ofertas, mas preferimos fechar o negócio convosco.
Nessa noite fomos para o estúdio e gravámos o programa para o horário diurno. Às vezes é preciso bluff real e a mentira exigida: era óbvio que mais nenhuma estação nos contactara. Eu arriscara a minha carreira nesta decisão.
O meu sócio disse: “Monty, tens muita coragem”.
Ele até foi meigo. Arrisquei todo o seu trabalho anterior nesse dia. Mas acabou por resultar. O nosso programa veio a tornar-se num dos concursos mais bem sucedidos da história da televisão. Em horário diurno durou 27 anos – a versão nocturna durou apenas alguns anos.
Mas tenho que dizer, para crédito do meu sócio Stef Hatos, que ele correu o risco comigo. Fomos sócios durante trinta anos até à sua morte. A sua viúva é ainda minha sócia e vendemos o programa a outros países e para as estações televisivas norte-americanas para reposições».
Monty nunca foi uma estrela de Hollywood. Foi uma estrela da rádio e da tevê com o maior coração do mundo. No youtube há obviamente vídeos do Let’s Make a Deal e percebe-se a sua graça, a sua generosidade e a sua autenticidade. Cresceu pobre num meio gelado contrário aos climas quentes que habitualmente associamos à pobreza.
Viveu setenta anos felizes com Marylin; morreu em 2017 com 96 anos. A costela filantrópica foi manifesta durante toda a sua vida e a herança de Max Freed, o seu benfeitor de Winnipeg, multiplicou-se por muitas pessoas. Em termos de decisões empresariais, fui duro e mentiu quando teve de ser.
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Eis a linda história de Monty Hall. Ah, faltam as cabras e o carro.
Numa das situações de Let’s Make a Deal, apresentavam-se três portas a um concorrente. Atrás de uma havia um carro e atrás das outras duas uma cabra. Monty perguntava ao concorrente qual era a porta que queria abrir. Perante a resposta, abria uma das outras portas e mostrava que atrás estava uma cabra. Perguntava de seguida ao concorrente se queria trocar a sua opção inicial pela outra porta ainda fechada. O conselho da matemática, por paradoxal que possa parecer, é de que o concorrente deveria realmente efectuar a troca.
Este puzzle matemático originou debates acesos de especialistas; aparentemente, a pergunta nada mais fazia do que manter as hipóteses finais. Mas explicamos rapidamente porque se devia então mudar a opção inicial.
Imaginemos que em vez de 3 portas, no concurso havia 100 portas. Uma com o prémio de um automóvel, as outras 99 a fazerem béééééééé. Ah, ainda uma nota: os concorrentes eram obrigados a ficar com a cabra.
Neste caso das 100 portas, a hipótese de acerto do concorrente era de uma em cem. Imagine-agora que Monty abria 98 portas, deixando fechada a do concorrente e uma outra. Perguntava-lhe se queria mudar ou não.
Neste caso, entende-se facilmente que deveria, pois era pouco provável um acerto de 1/100. O carro estaria muito provavelmente atrás da outra porta não aberta por Monty.
No caso das três portas, as hipóteses não são de um para cem; são de um para três. Ainda assim, inferiores aos 50/50 de uma moeda ao ar. Em cem concursos, se os concorrentes aceitassem a sugestão da mudança da porta, cerca de 66 sairiam com o carro. Com esta brincadeira, Monty conseguiu dar muito mais prémios do que talvez se supusesse.
É também uma história bonita. Na adversidade somos ainda mais humanos; quando estamos bem na vida, também. Quando os outros precisam de nós, temos de estar presentes.
Não é um mantra budista, é realmente uma lei de Newton. Se quem pode ajudar os outros não ajuda, não serão os que não podem a conseguir fazê-lo. Que quem seja um dia Monty Hall ou Max Freed seja sempre como Monty Hall ou Max Freed; é que não actuar assim contraria todos os preceitos da humanidade.
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