Chama-se mielina, é uma substância neural microscópica que adiciona vastas quantidades de velocidade e precisão aos nossos movimentos e pensamentos e é considerada como o novo “cálice sagrado” da neurociência no que respeita a atingir a excelência. A boa notícia é que não é geneticamente predestinada mas, ao invés, pode ser desenvolvida. E está nas nossas mãos saber cultivá-la e fazê-la crescer
POR HELENA OLIVEIRA

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Seguindo a linha do autor Malcolm Gladwell e do seu livro Outliers, a nova obra do jornalista Daniel Coyle, The Talent Code: Genius Isn’t Born. It’s Grown. Here’s How, comprova a ideia, defendida por muitos outros autores, de variados áreas de conhecimento, de que a liderança – ou o talento – não é um traço de carácter com o qual nascemos, mas uma competência que pode ser construída, através de uma série de decisões que vamos tomando à medida que a vida nos apresenta desafios específicos que temos de ultrapassar. Assim e não sendo o tema inovador, o que este livro apresenta é a base científica deste conceito.

Ao longo dos dois últimos anos, Daniel Coyle resolveu fazer uma experiência a qual foi apelidada pela sua família como “A Grande Expedição”. A filha mais nova chamou-lhe antes uma “caça ao tesouro” e, em termos gerais, foi mais ou menos isso que o jornalista andou à procura. Através da exploração das selvas brasileiras, das estepes da Rússia, das ruas de Venice, na Califórnia, de bairros em Nova Iorque e dos campos de baseball em Curaçau, o tesouro que Cole procurava era a excelência. O autor explorou igualmente a História, identificando momentos de feitos humanos monumentais, tais como a civilização grega ou o Renascimento italiano. A sua questão principal: Por que motivo é que algumas são excelentes a jogar futebol ou ténis, a andar de skate ou a tocar música? E quais os motivos que levaram a que, em certos momentos particulares da história, a arte, a ciência ou a literatura tenham tido uma produção fora de série?

Antes de escrever este livro, Coyle já tinha desenvolvido, em Hardball, os motivos que levam crianças desfavorecidas a alcançarem feitos extraordinários ou quão longe é que atletas absolutamente determinados conseguem ir, sendo que o tema principal deste se referia à forma como se treina uma equipa de jovens jogadores de basebol, em Chicago. Contudo, foi com Lance Armstrong’s War” que o autor chegou ao seu nível de excelência, ao ter escrito sobre a vida do popular ciclista que lhe valeu um lugar nos bestsellers. Em resumo, Coyle tem uma preferência nítida por escrever sobre pessoas que estão no pico da sua actividade, quer física, quer intelectual.

Contudo, a sua ideia para este livro foi desmistificar o estereótipo comum de que certas pessoas têm um dom para fazer isto ou aquilo. Como afirmou numa entrevista recente, “a forma como pensamos no talento está errada”. Para o autor, o talento não é inato e tem similaridades com “um músculo”. Tal como os músculos podem ser fortalecidos através do exercício, também o talento pode ser criado através da prática – mais uma vez, seguindo a linha de Gladwell e da famosa regra das 10 mil horas: este princípio afirma que em qualquer campo cognitivo complexo, seja jogar xadrez ou praticar neurocirurgia, são necessárias 10 mil horas de trabalho até que se consiga ser mesmo bom. Isso equivale a 10 anos, se estivermos a falar de quatro horas de prática por dia.

Contudo e como já foi referido anteriormente, a novidade de Talent Code ´reside na forma de se compreender como é que esse talento “acontece” no cérebro humano. Em particular a forma como este é “embrulhado” em mielina, a substância que envolve a maioria das fibras nervosas, um tecido gordo que isola os nervos. E é esta mesma mielina que é responsável por aumentar a força, a velocidade e a precisão dos sinais eléctricos estimulados através dos nervos e que está a ser considerada pelos neurocientistas como o “cálice sagrado” da aquisição de competências. O que Coyle afirma é que a capacidade humana, seja para jogar futebol, tocar uma composição de Bach ou liderar uma equipa, se desenvolve quando as correntes destas fibras nervosas transportam, repetidamente, impulsos eléctricos mínimos. Ou seja, quando praticamos algo da forma correcta, o nosso sistema de mielina responde, através do envolvimento por camadas de isolamento em torno dos circuitos neurais mais relevantes, sendo que cada camada adiciona um pouco de mais competência, velocidade e memória ao cérebro.
Esta descoberta da neurociência tem um impacto profundo na forma como vemos e “cuidamos” do talento. Em primeiro lugar, a mielina é universal. Toda a gente é capaz de a fazer crescer, de uma forma mais potente durante a infância, mas também ao longo do ciclo da vida. Em segundo, é indiscriminada. O seu crescimento permite o acesso a qualquer tipo de competência, seja física ou mental. E, em terceiro, oferece-nos um modelo inovador para percebermos a aquisição de competências. O autor defende ainda o seu argumento com o seguinte exemplo: os elefantes diferem significativamente das amebas, mas ambos usam os mesmos mecanismos celulares para converter a comida em energia. Da mesma forma pintores, jogadores de futebol ou cantores que, em princípio não têm nada em comum, obedecem às mesmas regras do código do talento, basta que saibam “fazer crescer” a mielina. Que obedece, como seria de esperar, a níveis específicos de desenvolvimento.

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Saber cultivar a mielina
Se ainda não está convencido com este novo código do talento que se chama mielina, saiba que o cérebro de Einstein possuía uma quantidade muito superior desta substância, comparativamente a outros cérebros, apesar de ter a mesma quantidade de neurónios. E é a “força” que se faz para compreender ou fazer algo que é responsável pela sua criação. O livro de Coyle está dividido em três partes, que correspondem ao que é possível fazer para aprender a criar mais mielina no nosso cérebro. E o talento é constituído por uma mistura das três acções que se seguem.

A prática profunda
Apesar de todos sabermos que a prática é meio caminho andado para fazermos algo bem feito, Coyle sublinha a importância de praticarmos algo de forma “profunda”. Com base em exemplos variados retirados dos skateboarders, das irmãs Bronte ou dos artistas do Renascimento, o termo “deep practice” utilizado pelo autor aconselha a dividir as “coisas em pedaços” para que seja mais fácil fazê-las ou pensar sobre elas. Esta prática não significa apenas insistir numa actividade, mas sim tentar superar os limites que impomos a nós próprios, trabalharmos, de preferência, fora da nossa zona de controlo, cometer erros e aprender a corrigi-los e sentirmo-nos confortáveis com essa dinâmica de melhorarmos depois de fracassarmos. Na divisão acima mencionada, a ideia é vermos o todo em primeiro lugar, dividirmo-lo de seguida e analisar, vagarosamente, cada uma das partes que o compõem. A repetição é importante, mas tem de ser feita com sentido e, por último, aprender a sentir essa prática, o que não é nada fácil. Por outras palavras, há que a interiorizar até ao ponto de a tornar parte integrante do inconsciente e das nossas emoções, em vez de depender do nosso pensamento racional consciente. De acordo com os neurocientistas, a nossa mente consciente é demasiado lenta, daí termos que transportar etas práticas até ao inconsciente.

A ignição
É um sinónimo de motivação, com um pouco de inspiração à mistura, o que é algo que todos sabemos ser imprescindível para qualquer tarefa que pretendamos executar com mestria. Para o autor, a ignição é absolutamente imprescindível para que cada um de nós consiga suportar as horas intermináveis despendidas na “prática profunda”. A partir de inúmeros exemplos retirados do mundo do desporto – e da noção “se os outros conseguem, por que motivo não serei eu capaz de fazer o mesmo?” – está intimamente relacionada com as atitudes que se tem antes de se iniciar uma determinada tarefa. Por outro lado, esta paixão pode igualmente ser estimulada por um sentimento de pertença forte, daí Coyle citar inúmeros exemplos de miúdos que jogam em clubes e que sentem essa “chama” que os faz investir o tempo necessário para aumentar as suas capacidades e irem cada vez mais longe.

O poder do coaching
Professores, formadores, mentores e inspiradores e a importância extrema que podem ter nas nossas vidas é a última peça do puzzle do código do talento. A forma como nos motivam, nos desafiam, nos premeiam e fazem “crescer” o nosso talento é fundamental para irmos cada vez mais longe. Coyle sublinha e correctamente, que esta tarefa é uma competência em si mesma e que nem toda a gente a consegue atingir. Demora imenso tempo a ser criada e desenvolvida e pode fazer toda a diferença entre atingirmos ou não os nossos objectivos. Coyle oferece igualmente exemplos absolutamente fantásticos de coaches, mestres de música e académicos que se suplantaram a si mesmos através de milhares de horas de “prática profunda” enquanto professores mas, sobretudo, enquanto inspiradores apaixonados pelo que fazem.

Para aprender a explorar os seus talentos, visite o site do livro

© 2010 – Todos os direitos reservados. Publicado em 13 de Maio de 2010

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