Henry Ford II dirigia a Ford. Era uma espécie de «imperador», e todos os que trabalhavam para ele na Ford Motor Company, bem como todos os que trabalhavam para ele fora da empresa, o tratavam como tal. Hal Sperlich, um sub-director, foi despedido por pressioná-lo para que construísse carros mais pequenos. Pretendia construir um veículo mais ágil para competir com os japoneses que começavam a desbravar caminho na Califórnia. Henry Ford fez uma declaração histórica: «Carros pequenos dão lucros pequenos – bullshit!».
POR PEDRO COTRIM

Em 1979, a Chrysler Corporation esteve à beira do colapso. A empresa apenas permaneceu viável pelo suporte inédito de garantias bancárias efectuadas pelo governo federal. Gerald Greenwald desempenhou um papel crucial na salvaguarda destas garantias e ao cuidar da empresa até ficar novamente saudável.

Greenwald estava disposto e a lidar com a situação porque se havia decidido aceitar a proposta de Lee Iacocca, lendário executivo da indústria automóvel, para se juntar a ele na Chrysler. As circunstâncias que conduziram à situação são uma lição engraçada e instrutiva sobre os «como» de uma oferta de trabalho. Os dois anos que se seguiram à atribuição das garantias bancárias revelaram ser os mais excitantes e memoráveis da carreira de Greenwald, uma vez que ele e a sua equipa, sob a alçada de Lee Iacocca, fizeram renascer a Chrysler.

As opiniões de Greenwald sobre a queda e recuperação da indústria automóvel em 1979 são fascinantes à luz dos problemas que a mesma indústria enfrenta hoje em dia com a emergência dos carros eléctricos. O gestor estivera na Ford Motor Company durante vinte e dois anos, sendo que em três períodos diferentes trabalhou fora dos EUA, administrando subsidiárias. Trabalhou no Reino Unido, em França, no Brasil, na Argentina e na Venezuela.

Foi uma altura em que a indústria norte-americana se expandia para o resto do mundo. Nos EUA, todos se sentiam fortes e sabiam o que estavam a fazer. Em retrospectiva, a concorrência não era muito forte nem desafiadora. Em tempos fáceis, e, conforme sucede em muitas empresas e outros ramos, surgiu acomodação.

Na altura, Henry Ford II dirigia a Ford. Era uma espécie de «imperador», e todos os que trabalhavam para ele na Ford Motor Company, bem como todos os que trabalhavam para ele fora da empresa, o tratavam como tal. Hal Sperlich, um sub-director, foi despedido por pressioná-lo para que construísse carros mais pequenos. Pretendia construir um veículo mais ágil para competir com os japoneses que começavam a desbravar caminho na Califórnia. Henry Ford fez uma declaração histórica: «Carros pequenos dão lucros pequenos – bullshit!».

Se alguém tivesse uma ideia, teria de fazer com que Ford pensasse que a ideia era sua ou teria grandes problemas. Se alguém dentro da empresa tentasse competir com Henry, seria despedido. Era a pior faceta de Henry Ford II. A sua melhor faceta era de que realmente se preocupava com a sua empresa. Trabalhava com afinco. Uma vez, numa recepção de concessionários na Venezuela, cumprimentou as pessoas todas durante duas horas.

Greenwald estava a ter sucesso. Adorava o que fazia na Ford. Quando chegou à Venezuela para gerir a empresa subsidiária, descobriu que o governo venezuelano, repleto de rendimentos provenientes do petróleo, se aprestava para aprovar decretos que alterariam a indústria automóvel para torná-la mais ao seu gosto. Pensou: «Se estes regulamentos forem implementados, a indústria será destruída e, de uma forma ou de outra, não terão lugar para a sua implementação». Acontece que tinha razão. E, enquanto a concorrência nada fez, ficando à espera de que estes regulamentos fossem aplicados, ele não ficou à espera de qualquer mudança que pudesse restringir a sua actuação. Dirigiu o negócio como devia sem se preocupar com o que o governo pudesse ou não fazer. E foi uma excelente decisão. O emprego na empresa triplicou, os lucros aumentaram dez vezes e a quota de mercado duplicou.

Um dia recebeu uma mensagem para contactar Lee Iacocca. Tinha dirigido a Ford e tornado a empresa um sucesso tremendo, mas ao longo do percurso tinha chocado com Henry Ford. E Ford despediu-o, tendo Iacocca ido trabalhar para a Chrysler. Começara a trabalhar na Chrysler seis meses antes de ligar a Greenwald. Este presumiu que o contactava para saber a sua opinião sobre o negócio da Chrysler na América Latina.

Iacocca queria falar com Greenwald para lhe propor que fosse trabalhar para a Chrysler. A resposta foi: «Não quero voltar a ser o responsável financeiro. Adoraria gerir uma empresa ou uma subsidiária». Iacocca prometeu-lhe que ao fim de um ano ou dois iria pô-lo na direcção da divisão das carrinhas, mas tal nunca se concretizou.

Aceitou porque encarou a situação desta forma: trabalhar numa pequena subsidiária da Ford é ser o avançado-centro numa equipa da segunda divisão. De repente, surge um convite de uma equipa da champions. Segundo Greenwald, foi exactamente o que sentiu quando chegou à Chrysler.

Analisando numa outra perspectiva, a proposta da Chrysler foi uma oportunidade gigantesca para Greenwald e um desafio para fazer parte de uma empresa que passava por dificuldades e onde poderia fazer a diferença. Era 1979. Ingressou na Chrysler como vice-presidente e director financeiro. Ao fim de três semanas, depois de ter começado a trabalhar, teve de admitir que fora a decisão mais absurda da sua vida.

Não tinha feito uma abordagem analítica à proposta da Iacocca antes de a aceitar. E ainda bem que não a fizera. O que encontrara era de tal forma pantanoso, que se tivesse percebido antes, se teria assustado e recuado. Nunca teria aceitado a proposta – e nunca teria tido as extraordinárias experiencias que acabou por ter.

A Chrysler estava mal. Era horrível. Estava a ser gerida por «engenheiros financeiros». Eram pessoas que não entendiam o cerne do negócio – operações, distribuição, concessionários, produto. Sabiam como lidar com as questões financeiras, mas não sabiam como gerir um negócio automóvel e estavam a dar cabo dele.

Estando a Chrysler com problemas e em perigo de sobrevivência, Greenwald acabou por negociar as actualmente famosas garantias de empréstimos governamentais que trouxeram alguma tranquilidade à empresa e a possibilidade de a salvar.

Afirma ter aprendido muito sobre a forma de actuar em Washington, ter testemunhado a democracia liberal na sua forma mais pura. Defendeu as suas ideias argumentando que o país estava perto de uma recessão e que inúmeros postos de trabalho seriam perdidos se a Chrysler fechasse portas. Foram feitas análises estatísticas sobre o número de colaboradores que a Chrysler, os seus fornecedores e concessionários tinham em cada distrito de e teria de se votar a favor das garantias de empréstimos para poderem salvar esses postos de trabalho. Eram 500 mil pessoas.

O voto da Câmara dos Deputados foi fácil – faltava o Senado. Os senadores de estados como o Utah e dos Dakotas diriam coisas como: «Expliquem-me novamente porque haveria de arriscar o dinheiro dos meus constituintes para dar garantias de empréstimo quando o salário médio no meu estado é de sete dólares por hora e estas garantias estão a proteger empregos onde se ganha vinte dólares à hora? O que se passa aqui?»

Trabalhou esforçadamente com a equipa e até ao último momento não tiveram a certeza de que a proposta fosse aprovada. Percebeu que os comités do congresso tenderão a adiar decisões controversas enquanto puderem. Greenwald afirma que nunca percebeu onde encontrou a coragem para o fazer, mas durante o testemunho de Iacocca em Dezembro de 1979, disseram que pretendiam adiar o voto para Fevereiro, altura em que se voltariam a reunir. Pediu para ser ouvido e em poucas palavras disse: «Os senhores já decidiram. Se adiarem para Fevereiro estaremos fora do caminho. A Chrysler desaparecerá».

A declaração chegou à imprensa e em Detroit. Ouvia-se: «Estás louco? A anunciar a nossa morte dessa maneira?». Mas no espaço de uma semana o Congresso recuou. Estava-se perto do Natal e o Congresso e o Senado estavam prontos a votar a matéria.

Surgiu uma obstrução. O Senador Tom Eagleton saiu das salas do Senado, com a fraldas de fora, e diz o seguinte: «Eis o que vai acontecer, e terão de me dizer se pretendem fazer isto ou não: digam-me o que pretendem das garantias. Irei reunir um grupo de pessoas chave de ambos os partidos. Depois volto a falar convosco sobre com o que podem contar. E terão de decidir se é isso que querem – terão de responder sim ou não. Se disserem que sim terão a aprovação do Senado. Se disserem que não, é o fim».

Greenwald disse: «Está bem, que raio mais posso eu fazer?» O senador regressa cinco horas mais tarde e diz: «A proposta é esta: conseguem tudo o que pretendem excepto o financiamento provisório».

Resposta de Greenwald: «Só conseguimos sobreviver mais dois meses e querem que nesse tempo nós renegociemos os 400 empréstimos que temos, consigamos novos empréstimos de cinco estados, consigamos que os canadianos concordem com as garantias de empréstimo e que renegociemos os termos com os nossos fornecedores e parceiros. Conseguimos isso tudo, mas não em dois meses».

«Bem, tenho pena, mas não vão conseguir um financiamento provisório porque estes senadores acreditam que assim que o conseguirem terão o governo nas mãos, podendo negociar tudo o que precisam».

«Isso é simplesmente absurdo».

«Lembre-se: é sim ou não?»

Greenwald retorquiu: «Bem… se digo não, morremos; se digo sim, é arriscado, mas podemos tentar». Então disse que sim. As garantias de empréstimo foram aprovadas e no início de Janeiro, no final da administração de Jimmy Carter, foi assinada a lei numa cerimónia da Casa Branca onde a equipa estava presente.

Foi apenas o começo. Quando se utiliza a expressão «está em fase», habitualmente refere-se a eventos desportivos. Mas Greenwald teve essa sensação na Chrysler durante os dois anos que se seguiram – trabalhou imenso, dormiu pouco e comeu pouco. Estava sempre em movimento – todos os dias durante dois anos. Todas as manhãs acordava e pensava, «não sei o que vai acontecer hoje, mas vai surgir pelo menos uma, senão mesmo duas, situações ameaçadoras para a Chrysler. Mas vou conseguir resolvê-las – não só eu como toda a equipa». E lá partíamos nós e, sem surpresas, as situações ameaçadoras surgiam.

A sua mensagem é esta: «estava em fase». Nesses dois anos nunca adoeceu. Não esteve constipado. Não esteve engripado. Não se sentiu cansado. Estes dois anos representaram a experiência mais recompensadora da sua vida.