A gestão por missões coloca o foco na humanização, que resulta do alinhamento entre os objectivos organizacionais e os objectivos pessoais dos colaboradores, mas também da partilha de valores entre estes e a organização, com vista ao desenvolvimento de uma cultura de propósito que, cada vez mais, o mercado valoriza. Em entrevista, o partner da DPMC Portugal, que apresentou recentemente o estudo de mercado “Direcção por Missões – Uma Nova Forma de Gestão”, defende que embora emane do topo, a missão tem de ser solidificada a partir da base
POR GABRIELA COSTA

“O propósito dos negócios e a sua missão estão tão frequentemente desalinhados que acabam por ser, na maioria dos casos, o motivo da frustração e falência dos negócios” – Peter Drucker

A direcção por missões é um modelo de liderança que desenvolve uma cultura de propósito nas organizações a partir da missão – esta constitui o fundamento da estratégia empresarial e da afirmação dos seus objectivos junto dos stakeholders, promovendo um sistema de mudança inovador que coloca o foco na dimensão humana da gestão, com vista à criação de valor colaborativo.

O alinhamento da missão com o propósito do negócio tem vindo a ser adoptado, com sucesso, por grandes corporações como a Google, a Amazon e a Apple. Em Portugal, a grande maioria dos gestores já incorporam a missão na estratégia da empresa, mas existem ainda muitas lacunas no que respeita à motivação dos colaboradores em função da mesma, o que condiciona a prática efectiva dos valores da organização como um todo, retirando sentido à unidade do propósito.

José António Porfírio, Partner da DPMC – Direcção por Missões Consulting Portugal – © DPMC Portugal

De acordo com o estudo de mercado “Direcção por Missões – Uma Nova Forma de Gestão”, apresentado pela DPMC Portugal a 15 de Fevereiro na AESE, em Lisboa, num universo de 377 CEO, cargos de chefia e outros colaboradores, 82% das organizações têm uma missão definida, e 2/3 dos inquiridos (73%) ligam-na à estratégia e quase metade à actividade (47%) e aos valores (46%). Mas 48% não se identificam com a missão, e 33% não se sentem motivados pela mesma e não a consideram importante para a execução das tarefas.

No inquérito realizado em Outubro e Novembro de 2017 a empresas maioritariamente de grande dimensão (45,9% com mais de 250 trabalhadores) e na área dos Serviços (80%), 43% dos respondentes afirmam que há coerência entre os valores da missão e as práticas dos gestores, mas 50% não encontram coerência entre a missão e as práticas dos colaboradores, e quase metade (46%) discorda que a missão reforce o sentido do trabalho dos colaboradores. Em 75% dos casos as missões não são desenvolvidas por departamentos ou divisões.

O documento foi apresentado no âmbito do ciclo People & Management, e na presença de José António Porfírio, partner da DPMC – Direcção por Missões Consulting Portugal, e Carlos Rey, sócio e fundador da DPMC Espanha. No encontro com directores de Recursos Humanos e gestores de talento foram avaliados casos de sucesso de empresas que adoptaram a direcção por missões, bem como os principais desafios e vantagens deste modelo de negócio.

Presente em 15 países, a DPMC Global é uma consultora especializada, há mais de 10 anos, no desenvolvimento de uma cultura de propósito nas organizações, a partir do “poder transformador da missão”. Realizando projectos de investigação e análise que suportam a sua proposta de valor, assente no princípio da humanização da gestão, a DPMC colabora internacionalmente com instituições reconhecidas nos sectores académico e empresarial, como a Universidade de Harvard e o IESE Business School.

Em entrevista ao VER, José António Porfírio explica como, segundo a metodologia de implementação da gestão por missões, o maior nível de unidade é alcançado quando a organização é capaz de desenvolver a capacidade de alinhamento entre as missões pessoais e a da organização, promovendo “a motivação transcendental dos colaboradores”. O que, defende, é o primeiro factor para o sucesso das empresas, cuja existência deve “ser norteada por um propósito que consiga ir para além do ‘simples’ resultado”.

Quais são os valores distintivos para as organizações ao adoptarem um modelo de liderança por missões, desenvolvendo uma cultura de propósito?

A gestão por missões é uma evolução da gestão por objectivos, em que as organizações são orientadas para obterem resultados, muitas vezes sem que os colaboradores lhes atribuam um real sentido, quer para as próprias organizações, quer para si próprios.

A gestão por objectivos tende a promover a competitividade dentro e fora das organizações. Acontece que na própria gestão estratégica já se percebeu que o conceito de competitividade, sendo importante, não deve ser central na vida das organizações. O propósito da criação de valor, que hoje ganha força, altera em certa medida este sentido e, tal como na biologia, assenta na ideia de que é mais importante inovar e criar mercados do que competir. Aqui, a associação e a parceria, mais que a competição, parecem ser aquilo que permite a efectiva perenidade das organizações. E isto é tão verdade na relação da empresa no mercado, com os seus concorrentes, como na relação desta com os outros stakeholders, a começar pelos colaboradores.

[quote_center]O propósito da criação de valor, que hoje ganha força, assenta na ideia de que é mais importante inovar e criar mercados do que competir[/quote_center]

Com a gestão por missões as organizações não deixam de se preocupar com os resultados, mas estes deixam de ser um fim em si mesmos, constituindo outrossim um meio para que as organizações, e os seus colaboradores, alcancem o propósito mais amplo da existência de ambos. Este propósito pode radicar nos mais diversos valores que fundamentam a verdadeira essência, em primeiro lugar das organizações, mas também dos seus colaboradores e até dos seus vários stakeholders, na medida em que na gestão por missões os valores que derivam da missão da organização, e dos seus departamentos, resultam dos valores partilhados por esta com os seus colaboradores, ou seja, promovem a actuação dos colaboradores no sentido de alinharem a sua missão pessoal com a da organização, dela tirando o máximo partido para a própria organização.

Mais que o “porquê”, a gestão por missões radica no “para quê”, ou seja, na essência da existência da organização, e isso promove a motivação e alinhamento dos colaboradores com o propósito da organização.

Se olharmos às missões existentes em quase todas as organizações, verificamos rapidamente que as mesmas estão pejadas de valores considerados ideais pelas mesmas. A gestão por missões não muda os valores existentes, mas torna-os mais efectivos e partilhados nas organizações.

Assim, respondendo directamente à questão colocada, diríamos que os valores que as organizações praticam com a gestão por missões serão sempre aqueles que, sendo comummente aceites por todos, a começar pelos seus sócios/accionistas e gestores e, claro, pelos seus colaboradores, serão também aqueles que a sociedade aceitará e privilegiará como os que dão sentido à existência da própria organização, justificando o seu espaço próprio e o seu progresso futuro. Mais que mudar os valores existentes, há que fazer com que eles sejam aceites e, sobretudo, praticados por todos, dando coerência às organizações.

Em que medida este modelo coloca o foco na dimensão humana da gestão?

As empresas são, na sua essência, organizações humanas, que representam sistemas de cariz económico e social, com fins específicos. Que maior humanização de uma organização pode existir que aquela que radica a sua existência na existência dos seus membros?

Tal como referido, a atribuição de um propósito para a organização, mas também para o trabalho desenvolvido pelos seus colaboradores, representa um dos objectivos essenciais da gestão por missões. Só que, ao invés de se centrar nos resultados, ou na consecução de objectivos de cariz material, essencialmente derivados da competitividade entre os colaboradores, a gestão por missões preocupa-se primeiro em dar sentido ao trabalho dentro da organização, criando um ambiente são de desenvolvimento e unidade.

[quote_center]Mais que mudar os valores existentes, há que fazer com que eles sejam praticados por todos, dando coerência às organizações[/quote_center]

Só assim devem ser verdadeiramente alinhados os objectivos dos colaboradores com o das organizações. Deste modo, contribuir para os resultados das organizações é, em primeiro lugar, ajudar à realização das missões pessoais de cada um dos seus colaboradores. Tal como nos diz aquele provérbio africano: “se quiseres chegar mais rápido, vai sozinho; mas se quiseres chegar mais longe, vai bem acompanhado”, a filosofia da gestão por missões, ao promover este sentido, tem um impacto muito significativo na humanização da gestão.

Também é importante perceber que, embora emane do topo, a missão tem de ser solidificada a partir da base, ou seja, daquilo que cada colaborador entende que dá sentido ao trabalho que realiza, à existência da organização e à realização da missão desta. A missão deve ser depois ajustada em função do trabalho específico desenvolvido por cada área de negócio e/ou departamento, traduzindo o sentido que a existência dessa área ou departamento aporta para a organização como um todo. Isto deve ser feito tendo subjacente os valores partilhados pelos respectivos líderes e colaboradores, e tendo sempre presente os próprios interesses dos stakeholders que são envolvidos no negócio dessa área ou departamento.

Desta conjugação de interesses deve resultar uma coerência que alinha todos os elementos da organização em torno de propósitos comuns e da sustentabilidade da própria organização, como forma de ajudar os colaboradores a realizarem-se e, desta forma, a levarem a bom porto a sua missão.

Ora a verdadeira humanização da gestão resulta, em primeiro lugar, desta capacidade de alinhamento entre os objectivos organizacionais e os objectivos pessoais dos colaboradores, mas é igualmente consequência da coerência que é promovida, e da partilha de valores entre a organização e os seus colaboradores. Assim consegue-se o verdadeiro alinhamento estratégico que o mercado valoriza, dando sentido à organização como um todo, e promovendo o seu progresso.

Que características da gestão integra o conceito de unidade, dentro da direcção por missões? Qual a relação da unidade com o benefício para todos os stakeholders?

Estudos recentes apontam dois aspectos essenciais das organizações bem-sucedidas: o primeiro é a sua capacidade de gerar resultados (mas isto já sabíamos); o segundo, e aquele que é mais inovador, dita a importância de a sua existência ser norteada por um propósito que consiga ir para além do “simples” resultado. Os nossos estudos, confirmados por trabalhos desenvolvidos quer por Harvard, quer por investigações recentes de outras consultoras internacionais, confirmam, claramente, que as organizações onde a unidade é maior são também aquelas onde o benefício gerado é superior.

Isto é conseguido se os colaboradores estiverem motivados para o seu trabalho, o que só é verdadeiramente viável, a médio e longo prazo, se as organizações forem capazes de promover neles a motivação transcendental, aquela que vai para além da sua motivação intrínseca ou da extrínseca, levando a que se transcendam regularmente na busca dos interesses da organização. Nenhum colaborador consegue alcançar este nível por si só. Tal apenas é possível se o mesmo fizer parte de uma organização que consiga alinhar – dando coerência – os interesses individuais dos seus colaboradores com os seus próprios interesses.

[quote_center]As empresas mais felizes são também as organizações mais produtivas e rentáveis[/quote_center]

O maior nível de unidade, de acordo com o que preconiza a filosofia da gestão por missões, e a metodologia de implementação desta desenvolvida pela DPMC, é alcançado quando a organização é capaz de desenvolver esta capacidade de alinhamento entre as missões pessoais e a da organização, promotoras da verdadeira motivação transcendental dos colaboradores. É esta motivação transcendental que os faz irem para além daquilo que a própria organização poderia almejar com o simples estabelecimento dos seus objectivos.

O verdadeiro sentido de missão é aquilo que promove a realização dos trabalhadores e a que podemos chamar “felicidade da organização”, que será sempre muito mais que a felicidade individual de cada um dos seus colaboradores. E, se por um lado não é possível estabelecer uma relação directa entre felicidade dos colaboradores e resultados das organizações, com a gestão por missões conseguimos perceber que as empresas mais felizes são também as organizações mais produtivas e rentáveis. Ou seja, a felicidade colectiva traduz-se inevitavelmente em melhores resultados, e estes aportam trabalhadores mais motivados e também mais felizes.

Como comenta as principais conclusões do estudo de mercado realizado pela DPMC Portugal a 377 CEO, cargos de chefia e outros colaboradores?

Os resultados do estudo desenvolvido em Portugal, apresentado na passada semana, evidenciam que a missão é um instrumento de gestão efectivamente usado pelas empresas em Portugal, à semelhança do recurso a esta ferramenta noutros países do mundo.

[quote_center]A missão é um instrumento de gestão usado pelas empresas em Portugal, mas existem ainda lacunas formais, operacionais e ao nível da coerência[/quote_center]

No entanto, ainda que este recurso seja inequívoco como catalisador do desempenho das organizações em Portugal, verifica-se que existem um conjunto de lacunas que, quer do ponto de vista formal (por exemplo, a sua divulgação geral ou a sua revisão periódica), quer do ponto de vista operacional (o alinhamento desta com a estratégia da organização ou com as tarefas e o sentido do trabalho dos colaboradores), quer ainda em termos da coerência no uso desta ferramenta (por exemplo, em termos dos valores anunciados e os praticados), importa resolver nas empresas que operam em Portugal, para potenciar a utilização da missão como instrumento efectivo de melhoria de performance e de promoção do alinhamento estratégico e da unidade das empresas em Portugal.

Neste sentido, acreditamos que quer os resultados da investigação que temos vindo a desenvolver, quer a metodologia de desenvolvimento e aplicação da gestão por missões que a DPMC oferece, e que são constantemente reforçados com os aportes da própria investigação, podem constituir uma importante mais-valia para as empresas portuguesas.

Jornalista