POR HELENA OLIVEIRA
Em 1992, com 32 anos e enquanto estava de férias com o marido na Costa Rica, um “mero” acidente de bicicleta iria mudar a vida de Amina para sempre. Presa a uma cadeira de rodas, depois do choque e de um período de recuperação, Amina voltou a Marrocos, onde vivia, e vendo a realidade de muitos através dos seus próprios olhos, resolveu comprometer-se a criar não só melhores condições para os que sofriam de alguma incapacidade, como a combater o preconceito e as barreiras impostas pela própria sociedade aos “cidadãos de 2ª classe”. Em 1992, o Grupo AMH (Amicale Marocaine des Handicapés) foi formalmente criado, empregando hoje 240 pessoas em cinco sectores de actividade (v. Caixa).
Em entrevista, Amina Laraki- Slaoui, que desde 2001 preside ao AMH, partilha a sua história de choque, coragem e determinação.
Pode partilhar os seus sentimentos e medos quando tomou consciência que a sua vida nunca mais seria a mesma?
Quando tive o meu acidente, soube imediatamente que as minhas pernas iriam deixar de funcionar. E tive consciência também de que tudo iria mudar, tendo sido obrigada a aprender a viver com o meu novo corpo, o qual não era, de todo, aquele com o qual tinha vivido desde sempre. Era um outro corpo, a reagir de uma forma completamente diferente. Naturalmente que tudo isto me levou a uma fase de questionamento e negação.
Todavia, a recuperação acabou por ser o meu objectivo principal. Ou passava simplesmente a ter pena de mim ou aceitava a realidade e daria o meu melhor para recuperar e voltar a viver plenamente.
Seria possível sumarizar os passos que mediaram o acidente que a deixou paraplégica e o desenvolvimento da sua organização sem fins lucrativos especializada em promover os direitos de pessoas com incapacidades?
Em primeiro lugar, estabeleci como prioridade tentar recuperar a minha mobilidade, as minhas capacidades motoras, sendo que no nosso coração mantemos sempre a esperança de um dia ser possível voltarmos a andar. Os seis meses de reabilitação física que tive nos Estados Unidos e em França permitiram-me aprender a viver com a minha incapacidade, com o meu novo corpo.
E o principal obstáculo com que me deparei foi exactamente o de me erguer contra o preconceito e os estereótipos. Ser incapacitado não significa ser inactivo. As pessoas pensam que os incapacitados não podem trabalhar, não podem ter filhos, que não devem viver de forma independente, como se fossem cidadãos de segunda classe. A percepção que se tem da incapacidade (e não só em Marrocos) está errada e tem de mudar.
Por outro lado, a acessibilidade em Marrocos foi outro enorme desafio. As pessoas acabam por ser incapacitadas pelas barreiras existentes na sociedade e no ambiente que as envolve, e não propriamente pela sua imparidade ou diferença.
O que a levou, em maior escala, a mudar a vida dos outros ao mesmo tempo que a sua vida se alterava também? Pode afirmar que foi uma espécie de “chamamento” que sentiu para essa transformação?
O acidente que tive foi um ponto de viragem na minha vida pessoal e profissional e a necessidade de “incorporar” significado nas minhas acções tornou-se óbvio. Sentia que precisava de um grande desafio. E que para seguir em frente necessitava de conhecer pessoas como eu. É um mundo novo onde nos encontramos a nós mesmos, onde tudo está por descobrir e onde conheci pessoas absolutamente extraordinárias. Por outro lado, precisava de me afastar da minha própria “condição”, não pensar apenas em mim mesma e fazer algo que fosse útil.
Esta mudança foi também um verdadeiro abrir de olhos no que respeita à situação de pessoas com incapacidade no meu país. Tive a oportunidade de encontrar excelentes cuidados e fisioterapia de qualidade no estrangeiro, mas quando voltei para Marrocos fiquei desolada pela ausência de auxílio para os marroquinos em circunstâncias similares à minha. Marrocos tem muito pouco apoio ou assistência por parte do governo para as pessoas que vivem com necessidades especiais. Quase 10% da população têm deficiências físicas, sendo que 78% destes que estão em idade activa são desempregados. Adicionalmente, e até à criação do Noor Centre em 2001 (v. Caixa), não existia qualquer local em Marrocos onde as pessoas com deficiência ou com lesões físicas se pudessem dirigir para procurar tratamento.
E foi também por isso que eu senti a necessidade extrema de sensibilizar a opinião pública para as condições em que viviam estas pessoas no nosso país e “despoletar” a intervenção do Estado numa área em que tudo tem de ser construído: desde a assistência social a estruturas médicas. E, nesse caso, foi realmente um chamamento para a transformação.
O que significa para si “encontrar coragem na vulnerabilidade”, o título de um painel em que participou no Fórum Económico Mundial?
Se pretendemos viver uma vida gratificante, temos de aceitar as nossas vulnerabilidades e transformar essas mesmas fraquezas em forças. Este acidente deu-me coragem para lutar contra a incapacidade e as desigualdades e esta é uma das minhas grandes vitórias.
E ser vulnerável deu-me também um amor grandioso pela vida que me faz ser mais determinada. Recuso ser chamada de “mulher extraordinária”. Sou uma mulher como as outras, sendo que a minha força consiste em ter-me adaptado a uma nova situação.
Acredita que as circunstâncias particulares que rodearam a sua vida contribuíram para “servir os outros” de uma forma diferente (comparativamente a outros líderes)?
Sim, penso que sim. Estar numa cadeira de rodas permitiu-me compreender melhor os obstáculos que outras pessoas com incapacidades podem encontrar e os principais desafios sociais que existem em Marrocos. Mas também me deu a oportunidade de ultrapassar várias dificuldades e relacionar-me com os outros.
Percebi igualmente que para aumentar a inclusão social de pessoas vulneráveis e com incapacidade, precisamos de soluções inovadoras. No AMH Groupe criámos um conjunto de serviços que produzem um forte impacto social. Operamos nas áreas da saúde, educação, formação e autonomia. A nossa missão consiste em melhorar a saúde e proporcionar auxílio a pessoas em situação de vulnerabilidade no que respeita à inclusão social.
Dado que o tema deste Congresso está relacionado com a “transformação” dos negócios em actividades mais nobres, que têm como missão não só o lucro mas também o “servir os outros”, considera ser difícil um líder empresarial ter uma maior abertura para questões mais ligadas com o impacto social ou ambiental e que, para tal, precisa primeiro de se transformar a si mesmo?
Não necessariamente. Os empreendedores sociais são definidos como aqueles que colocam o impacto social ou ambiental acima da performance económica. Identificam uma necessidade social que não está a ser bem satisfeita e tentam proporcionar uma resposta adaptada, na maioria das vezes local. A empresa social integra a lógica do ajustamento às condições de mercado e da procura. E os empreendedores sociais acreditam na força da inovação social como uma alavanca para o emprego e para uma vida melhor. O que os líderes de negócios têm de fazer é acreditar que a empresa social tem o poder de transformar o mundo da economia.
O empreendedorismo social significa melhorar a vida das pessoas. Não tem a ver connosco. Mas também não podemos esquecer que o sistema global é o mesmo oceano onde todos nadamos.
Posso afirmar e de acordo com a minha experiência que no momento em que nos comprometemos a fazer alguma coisa, a providência segue-se. Tudo parece mais fácil e exequível se estivermos determinados a isso. Independentemente do que se faça, existirá sempre alguém que nos irá criticar ou afirmar que somos loucos.
Eu escolho ignorar essas vozes e fazer o que quero como quero. E nunca irei desistir.
[su_youtube url=”https://youtu.be/-8Z70saEj88″ width=”700″ height=”220″]
Groupe AMH: agir, criar e acreditar
Com uma gama variada de serviços dirigidos não só a pessoas com necessidades especiais, mas também a crianças e idosos, a missão do Groupe AMH é ajudar os excluídos da sociedade, num país onde 10% da população tem algum tipo de deficiência, sendo que destes, 78% em idade activa estão desempregados.
Nos cuidados de saúde, o AMH Groupe gere vários centros de reabilitação física e funcional, sendo o mais conhecido o Noor Centre, um projecto-piloto – já replicado em outras regiões marroquinas – que serve mais de 1500 pessoas por ano. Com um modelo de negócio social, 30% dos seus pacientes são de baixo rendimento usufruindo de descontos entre os 20% e os 80% nos tratamentos, sendo que os restantes 70% permitem ao centro manter o seu break-even e, desta forma, garantir a sustentabilidade financeira. Quaisquer que sejam os lucros “em sobra”, os mesmos são utilizados pelo AMH no desenvolvimento de novos projectos. Estes centros de reabilitação oferecem o acesso a fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional, psicoterapia, bem como a próteses e a cadeiras de rodas.
Na área da assistência social, o AMH ajuda os mais vulneráveis a atingir o seu potencial, oferecendo programas de reinserção social, centros de formação vocacional ou simplesmente acompanhando os seus utentes nos inúmeros procedimentos burocráticos para quem procura ajuda estatal.
Na área da educação, o AMH é representado pela Institution Tahar Sebtiâ, a qual oferece um programa educativo desde o pré-escolar até ao final do ensino primário a 480 crianças, focando-se no seu desenvolvimento pessoal independentemente do seu estatuto socioeconómico ou incapacidade. O Groupe AMH faz igualmente “lobby” de forma a estimular mais acção por parte do governo marroquino nesta área e para sensibilizar a opinião pública para os direitos das pessoas com incapacidade.
Em média, o AMH ajuda mais de 2600 pessoas anualmente.
Editora Executiva