POR MÁRIA POMBO
Sabemos que o modo como as pessoas comunicam e vêem notícias é, actualmente, bastante diferente do que era há alguns anos. As plataformas digitais já fazem parte do dia-a-dia da maioria e a verdade é que facilitam o acesso a todo o tipo de informação, ao mesmo tempo que permitem comunicar com pessoas de qualquer parte do mundo. A internet é, talvez, o “local” mais popular do mundoe aquele ao qual a maioria recorre, tanto para ver notícias, como para se informar acerca de determinado assunto, ou para tirar dúvidas sobre as mais variadas temáticas. Talvez não seja exagerado dizer que tudo cabe na internet e que isso não tem que ser necessariamente mau.
Todavia, também sabemos que nem tudo é bom. Em conjunto com as inúmeras vantagens que o mundo digital oferece existem variados problemas, os quais passam desde logo pela informação enganosa e não verificada que chega a milhares de utilizadores. Quantas vezes não vemos a mesma notícia, dada da mesma forma, em vários órgãos, sem que nenhum deles tenha confirmado, junto da fonte oficial, se a informação está correcta?
Outro problema óbvio, e que não poderíamos deixar de referir, surge pela mão do Facebook e da Cambridge Analytica e está relacionado com as revelações acerca da manipulação e utilização indevida de dados pessoais dos utilizadores da rede social.
De acordo com o mais recente Eurobarómetro, apresentado recentemente pela Comissão Europeia (CE), a maioria dos cidadãos confia na informação que lhes é transmitida pelos meios tradicionais – rádio (70%), televisão (66%) e imprensa escrita (63%) – mas menos de metade (47%) tem confiança em jornais e revistas online. Complementarmente, mais de um terço (37%) revela encontrar notícias falsas quase diariamente, sendo que 71% assumem sentir-se confiantes no que respeita às suas capacidades para distinguir uma notícia verdadeira de uma falsa. Para além de tudo isto, 85% dos inquiridos consideram que as denominadas fake newssão um problema para o seu país e 83% pensam que estas se assumem mesmo como uma ameaça para a democracia.
Neste sentido, com base nos resultados apurados no Eurobarómetro e nos mais recentes acontecimentos relacionados com a utilização indevida de dados, e ainda tendo em conta todas as notícias falsas que inundam a internet, a Comissão Europeia lançou recentemente um conjunto de medidas e propostas para combater a desinformação nos meios digitais. Estas estão presentes no relatório “Uma abordagem multi-dimensional para a desinformação”, publicado em Março último pelo Grupo de Peritos de Alto Nível sobre Notícias Falsas e Desinformação Online (HLEG, na sigla em inglês). “Lutar contra a desinformação e assegurar a protecção da segurança e dos valores” do Velho Continente é o seu principal objectivo.
No documento, a Comissão Europeia define desinformação como “informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que é susceptível de causar um prejuízo público”.
No mesmo relatório, explica-se que “embora não seja necessariamente ilegal, a desinformação pode ser prejudicial para os cidadãos e para a sociedade em geral”, já que “os seus riscos incluem ameaças aos processos políticos e democráticos, incluindo a integridade das eleições, e os variados valores que formam as políticas públicas nos seus diversos sectores, tais como a saúde, a ciência e as finanças”.
Adicionalmente, e rejeitando “soluções simplistas”, o HLEG (que é composto por 39 elementos com diferentes backgrounds, contando, por exemplo, com académicos, jornalistas, escritores, representantes de várias organizações e gestores de plataformas digitais) sublinha que os problemas associados à desinformação – que põem em causa direitos como a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e o pluralismo – “podem ser mais facilmente resolvidos se todos os stakeholders colaborarem”, sendo certo que “a investigação contínua, o aumento da transparência e o acesso a informação importante devem ser permanentemente assegurados”.
Combater a desinformação na UE
Tal como o próprio título do relatório indica, a Comissão Europeia pretende que seja posto em prática um conjunto multi-dimensional de medidas e estratégias que combatam a desinformação. O aumento da transparência das notícias online, a promoção da literacia mediática, a capacitação dos utilizadores e dos jornalistas com ferramentas de combate à desinformação, a salvaguarda da diversidade e sustentabilidade do ecossistema dos meios de comunicação social europeus, e a promoção de uma investigação continuada e permanente acerca da desinformação na Europa (com o intuito de analisar as medidas tomadas, adaptando-as às respostas necessárias) são os cinco pilares sobre os quais deve assentar toda a acção.
Neste sentido, a criação de um código de conduta sobre desinformação, extensível a toda a União Europeia até Julho do presente ano, é a primeira proposta presente no relatório “Uma abordagem multi-dimensional para a desinformação”. Este código será um dos resultados de um fórum multilateral que irá ser realizado brevemente.
[quote_center]Desinformação é “informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que é susceptível de causar um prejuízo público”[/quote_center]
Garantir a transparência sobre os conteúdos patrocinados, nomeadamente a publicação de propaganda política, restringir as suas opções, e reduzir as receitas dos transmissores de desinformação são os seus principais objectivos. Complementarmente, e através deste instrumento, a Comissão Europeia também pretende “assegurar uma maior clareza sobre o funcionamento dos algoritmos e permitir a verificação por terceiros, tornar mais fácil, para os utilizadores, o acesso a diferentes fontes noticiosas que representem pontos de vista alternativos, introduzir medidas que permitam identificar e fechar contas falsas e lutar contra o fenómeno dos robôs digitais, e permitir que os verificadores de factos, os investigadores e as autoridades públicas possam controlar permanentemente a desinformação online”.
Complementarmente, a CE propõe a criação de uma “rede europeia independente de verificadores de factos que estabelecerá métodos de trabalho comuns, procederá ao intercâmbio de boas práticas e trabalhará com vista a alcançar a maior cobertura possível de correcções de factos em toda a UE”. Importa referir que, em Setembro de 2015, foi criada uma Rede Internacional de Verificação de Factos e é a partir desta que os verificadores europeus vão ser escolhidos. A CE sugere ainda que seja criada uma plataforma digital sobre desinformação, a qual disponibilizará todas as informações úteis e dados relativos à União Europeia.
Promover a literacia digital nas escolas e na sociedade
Para além das estratégias acima apresentadas, a CE considera que os verificadores de factos e as organizações da sociedade civil devem fornecer material didáctico às escolas e aos educadores, e revela que irá organizar uma Semana Europeia da Literacia Mediática (ainda sem data marcada). Esta medida vem no seguimento de um dos pilares referidos, e reforça a necessidade de se promover a literacia mediática, considerando que esta ajudará os cidadãos não só a identificar informação falsa, como também a “adoptar uma atitude crítica face aos conteúdos disponíveis”.
Um maior apoio ao jornalismo de qualidade, por parte dos Estados-membros da UE, é outra medida proposta, a qual pretende “assegurar um ambiente mediático pluralista, diversificado e sustentável”. Complementarmente, é sugerida a criação de uma “política de comunicação estratégica coordenada, elaborada pelos serviços da Comissão”, a qual deve combinar as diversas iniciativas da UE com as dos Estados-membros, em matéria de desinformação, sensibilizando os cidadãos para este problema e combatendo discursos falsos sobre a Europa.
Por fim, mas de todo não menos importante, a Comissão Europeia pretende promover sistemas de rastreabilidade e identificação dos fornecedores de informação, evitando ciber-ataques e aumentando a confiança dos cidadãos em termos de utilização da internet e acesso a informação.
Até Dezembro deste ano, a Comissão irá apresentar um relatório onde fará uma análise dos progressos alcançados em matéria de combate à desinformação, dando também conta de algumas alterações ou novas medidas que possam ser tomadas a este nível.
Importa salientar que este é um trabalho que deve ser feito por todos, desde os órgãos políticos e de comunicação social, passando pelo sector da publicidade e não esquecendo as próprias plataformas e redes sociais. É especialmente a estas últimas que Mariya Gabriel, comissária responsável pela Economia e Sociedade Digitais, apela, já que as mesmas “têm uma responsabilidade clara de agir”, capacitando os cidadãos e protegendo-os “efectivamente contra a desinformação”.
Mais firme nas palavras é o comissário responsável pela União da Segurança, para quem “a ‘arsenalização’ das notícias falsas online e da desinformação representa uma séria ameaça à segurança nas nossas sociedades”. Neste sentido, Sir Julian King reforça que “a subversão de canais fiáveis para propagar conteúdos perniciosos e divisionistas requer uma resposta lúcida assente numa maior transparência, rastreabilidade e responsabilidade”, sublinhando que “as plataformas digitais têm um papel fundamental a desempenhar na luta contra o abuso das suas infra-estruturas por agentes hostis e na manutenção da segurança para os seus utilizadores e para a sociedade”.
Jornalista