Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum Económico Mundial, tem vindo a apresentar o seu (novo) conceito de “A Era da Inteligência”, a qual representa uma visão profunda do futuro – uma visão em que a inteligência artificial (IA), a automação e as tecnologias digitais avançadas se integram profundamente em todos os aspectos da sociedade humana. Mas a sua noção sobre esta nova era não é meramente tecnológica, mas também filosófica, ética e humanista, abordando não só as promessas da tecnologia, mas também as responsabilidades sociais que lhe estão associadas
POR HELENA OLIVEIRA
Há muito que Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum Económico Mundial (FEM), é uma voz na vanguarda dos debates sobre o futuro da tecnologia e da sociedade. Nos seus escritos e discursos, Schwab centra-se frequentemente no poder transformador das tecnologias emergentes e na forma como estas estão a remodelar as economias globais, as estruturas de governação e as vidas humanas. Há quase uma década, em 2016, cunhou o termo “Quarta Revolução Industrial”, na qual antevia um mundo onde a fusão das realidades física, digital e biológica transformaria as indústrias e as sociedades e teria o potencial de mudar fundamentalmente todos os aspetos das nossas vidas.
Oito anos passados, Schwab – e ao testemunharmos a aceleração exponencial das mudanças tecnológicas – “é evidente que já não estamos apenas a assistir a uma mudança industrial. Estamos a entrar na Era Inteligente, uma era que vai muito além da tecnologia. Trata-se de uma revolução social, que tem o poder de elevar a humanidade – ou mesmo de a fraturar”, afirma num artigo recentemente publicado no site do FEM.
O que é “A Era da Inteligência” e como vai mudar a sociedade
O termo “A Era da Inteligência” refere-se a uma nova época na história da humanidade caracterizada pela aplicação generalizada de sistemas inteligentes – principalmente IA, aprendizagem automática, robótica e análise de dados – em todos os sectores da vida. De acordo com Schwab, esta era distingue-se pela convergência de sistemas físicos, digitais e biológicos, transformando tudo, desde a forma como trabalhamos e governamos até à forma como nos compreendemos a nós próprios e ao mundo que nos rodeia.
Na opinião de Schwab e como já enunciado anteriormente, a Era da Inteligência é uma extensão do que ele cunhou como a Quarta Revolução Industrial, que enfatiza a fusão de tecnologias emergentes de forma a esbater as linhas entre os mundos físico, digital e biológico. Enquanto as fases anteriores das revoluções industriais foram impulsionadas pela mecanização, electricidade e tecnologias da informação, esta nova era é impulsionada pelo surgimento de sistemas autónomos capazes de processar e tomar decisões mais rapidamente e com maior precisão do que os seres humanos. Schwab defende que estamos a entrar numa era em que a inteligência – tanto humana como artificial – irá moldar o futuro das indústrias, da governação e das sociedades de formas sem precedentes.
As principais caraterísticas da Era da Inteligência
- Inteligência Artificial e Automação
No centro da ideia de Schwab sobre a Era da Inteligência está a IA, que ele vê como a tecnologia mais transformadora do nosso tempo. A IA tem o potencial de revolucionar sectores que vão desde os cuidados de saúde e finanças até à produção e logística. Com a capacidade de processar grandes quantidades de dados e aprender com eles, os sistemas de IA podem realizar tarefas que anteriormente exigiam inteligência humana. Para o fundador do FEM, a IA não se limita a aumentar as capacidades humanas, alterando fundamentalmente a forma como as empresas e as sociedades funcionam.
A automação, enquanto subconjunto da IA, irá perturbar os mercados de trabalho ao substituir certos tipos de empregos, nomeadamente os que envolvem tarefas repetitivas. Schwab reconhece o risco de deslocação de postos de trabalho, mas também salienta o potencial de criação de novos empregos em sectores que exigem competências técnicas avançadas ou criatividade. O futuro, sugere, assistirá à colaboração entre humanos e máquinas a uma escala sem precedentes, criando novas eficiências e oportunidades.
- Os dados como a nova moeda
Na visão da Schwab sobre a Era da Inteligência, os dados tornam-se um activo central – muitas vezes descritos como “o novo petróleo”. A explosão de dados de milhares de milhões de dispositivos, sensores e sistemas interligados irá alimentar sistemas inteligentes que dependem desses mesmos dados para aprendizagem e optimização. A capacidade de recolher, analisar e aplicar dados definirá o sucesso das empresas, dos governos e até dos indivíduos.
Mas e por seu turno, as implicações éticas da utilização de dados, da privacidade e da segurança são preocupações centrais nesta era. Schwab apela a uma regulamentação e governação cuidadosas para garantir que os dados são utilizados de forma responsável e equitativa. A utilização incorrecta dos dados, quer por empresas quer por governos, pode conduzir à vigilância, à manipulação e à desigualdade. Assim, Schwab salienta que as considerações éticas devem orientar o desenvolvimento de sistemas inteligentes.
- “Melhoria” humana e biotecnologia
Outra caraterística que define a Era da Inteligência é a integração das tecnologias digitais com os sistemas biológicos. Schwab destaca o potencial da biotecnologia para melhorar a vida humana, desde as tecnologias de edição de genes, como a CRISPR, até às próteses avançadas e às interfaces cérebro-computador. Estas tecnologias podem levar ao reforço das capacidades humanas, prolongando o tempo de vida, melhorando os resultados em termos de saúde e até aumentando as capacidades cognitivas.
No entanto, Schwab também reconhece os profundos dilemas éticos que acompanham estes avanços. A fronteira entre o ser humano e a máquina pode tornar-se cada vez mais ténue, levantando questões sobre a identidade, a equidade e o acesso às tecnologias de “melhoramento”. Schwab apela a um quadro ético sólido para garantir que estes avanços sejam acessíveis a todos e não exacerbem as desigualdades existentes.
- Novas estruturas de governação
A Era da Inteligência vista por Schwab também prevê uma transformação na governação. À medida que os sistemas inteligentes se tornam mais prevalecentes, os governos terão de repensar os modelos tradicionais de regulamentação e controlo. Os processos de automação e de tomada de decisões baseados na IA poderão melhorar a governação, tornando os sistemas mais eficientes e orientados para os dados. No entanto, Schwab também alerta para os perigos do autoritarismo se estas tecnologias não forem geridas de forma democrática.
O desafio para os governos será criar quadros regulamentares que equilibrem a inovação com a responsabilidade. Schwab defende uma abordagem global da governação, dada a natureza interligada das tecnologias envolvidas. A cooperação internacional será essencial para abordar questões como as ciber-ameaças, a ética da IA e a distribuição equitativa dos benefícios da tecnologia.
- Reimaginar o trabalho e a sociedade
O futuro do trabalho é um tema recorrente no pensamento de Schwab (e de tantos outros) sobre a Era da Inteligência. A automação, a IA e a robótica eliminarão alguns empregos e criarão outros novos. O percurso profissional tradicional, com o seu foco no emprego a longo prazo numa única área, pode tornar-se obsoleto. Em seu lugar, poderemos assistir a trajectórias de carreira mais fluidas e dinâmicas, com os trabalhadores a requalificarem-se continuamente e a adaptarem-se a novas funções.
Schwab sublinha a necessidade de aprendizagem ao longo da vida para preparar os indivíduos para esta nova realidade. Os governos, as instituições de ensino e as empresas terão de investir na requalificação dos trabalhadores, em especial dos que foram deslocados pela automatização. Schwab observa ainda que o futuro do trabalho exigirá não só competências técnicas, mas também competências “soft”, como a criatividade, a inteligência emocional e a resolução de problemas.
- Implicações éticas e sociais
No centro da visão do presidente executivo do FEM está o foco nas implicações éticas da Era da Inteligência. Embora os avanços tecnológicos ofereçam enormes oportunidades, também apresentam riscos significativos. Schwab está particularmente preocupado com a crescente desigualdade, uma vez que aqueles que controlam e beneficiam das tecnologias avançadas podem tornar-se cada vez mais poderosos, enquanto os que não têm acesso podem ser deixados para trás. A concentração da riqueza e do poder nas mãos dos gigantes da tecnologia pode exacerbar ainda mais as divisões sociais existentes.
Schwab apela a que se dê ênfase à inclusão na Era da Inteligência, assegurando que os benefícios das novas tecnologias sejam partilhados de forma equitativa. Isto requer um esforço de colaboração entre governos, empresas e sociedade civil para criar políticas que promovam a justiça e reduzam o risco de aprofundar a desigualdade. Além disso, defende o desenvolvimento ético da IA, garantindo que os sistemas inteligentes são transparentes, responsáveis e concebidos para melhorar o bem-estar humano em vez de o prejudicar.
Oportunidades e desafios da Era da Inteligência
A Era da Inteligência, tal como imaginada por Klaus Schwab, traz enormes oportunidades, mas também desafios significativos. Por um lado, a IA e a automação podem conduzir a ganhos de produtividade sem precedentes, a melhores resultados nos cuidados de saúde e a soluções para alguns dos problemas mais prementes do mundo, como as alterações climáticas e a escassez de recursos. Os sistemas de IA, por exemplo, podem optimizar a utilização de energia, reduzir os resíduos e acelerar o desenvolvimento de novos materiais e medicamentos.
Por outro lado, o carácter disruptivo destas tecnologias representa uma ameaça à estabilidade social e ao bem-estar humano. A deslocação de empregos, a desigualdade e a potencial má utilização da IA são preocupações fundamentais. A visão de Schwab é a de que a humanidade deve estar à altura destes desafios, criando quadros éticos, promovendo a inclusão e assegurando que os sistemas inteligentes servem um bem maior.
O conceito de Era da Inteligência de Klaus Schwab não é apenas uma previsão tecnológica, mas um apelo à acção. Prevê um futuro em que os sistemas inteligentes remodelam fundamentalmente a vida humana, exigindo mudanças profundas na governação, na ética e nas estruturas sociais. Schwab exorta-nos a abordar esta nova era com optimismo e cautela, reconhecendo o vasto potencial das tecnologias inteligentes e, ao mesmo tempo, tendo em conta os desafios éticos e sociais que estas colocam.
A Era da Inteligência, tal como Schwab a vê, oferece uma oportunidade de melhorar a condição humana, desde que consigamos navegar pelas suas complexidades de forma responsável. O desafio para os líderes, decisores políticos e cidadãos comuns é garantir que esta nova era conduza a um mundo mais inclusivo, equitativo e sustentável, em vez de um mundo dominado por elites tecnológicas e uma desigualdade crescente. No final, o sucesso da Era Inteligente dependerá não só das capacidades das nossas máquinas, mas também da sabedoria e da previsão com que governamos o seu desenvolvimento.
Leia também: The Intelligent Age: A time for cooperation
Imagem: © Bhautik Patel/Unsplash.com
Editora Executiva