POR GABRIELA COSTA
“Capacitar as organizações da economia social para a mobilização de capital privado é o desafio”
A propósito do lançamento da 2ª edição do “Manual para Transformar o Mundo” (cujos conteúdos foram desenvolvidos pelo IES-Social Business School e pelo INSEAD a partir dos módulos de formação da iniciativa FAZ – Ideias de Origem Portuguesa, em parceria com o Programa Gulbenkian Desenvolvimento Humano), e do inovador Laboratório de Investimento Social (LIS), o director académico do IES-SBS, Carlos Azevedo, e o director do LIS, António Miguel, traçam o estado-da-arte da nova economia de impacto.
Hoje, um empreendedor social “é motivado pela criação de valor e não pela captura de valor na sociedade”, e age de forma resiliente “a partir de problemas que a sociedade enfrenta”, sublinham, em entrevista ao VER.
E, se falta ainda “dimensão e massa crítica” a Portugal, o país está a seguir “uma estratégia de incubação e experimentação” que permitirá “replicação e escala a nível europeu”. Os próximos anos irão, pois, “ditar as aprendizagens para uma adopção mais generalizada por parte de investidores, sector público e organizações da economia social”.
O Manual para Transformar o Mundo visa constituir um guia para empreendedores sociais. Face à actual tendência, nas áreas do empreendedorismo e inovação social, da economia de impacto, quais são as grandes ideias emergentes para resolver problemas sociais, contidas nesta 2ª edição?
O Manual para Transformar o Mundo é um guia prático para todos os agentes que pretendem criar uma iniciativa de impacto. Entendemos que uma iniciativa de impacto é levada a cabo por um empreendedor ou um intra-empreendedor social cujo objectivo é maximizar a criação líquida de valor para a sociedade, independentemente da sua natureza jurídica (empresa, entidade pública ou organização social). Este empreendedor é motivado e está comprometido com a resolução de um problema que é importante, está negligenciado e tem efeitos negativos para toda a sociedade.
A partir daqui o guia propõe dez etapas que materializam um processo que começa com o estudo aprofundado do problema, passa pela estruturação da solução, do seu modelo de sustentabilidade e de impacto e acaba com a respectiva comunicação aos diversos stakeholders da solução, as quais permitirão que esta seja efectivamente implementada.
No fundo, o manual propõe uma abordagem em três fases – visão, desenho e acção. Pretendemos que a abordagem proposta tenha influência no funcionamento das iniciativas de impacto, sobretudo no que diz respeito ao trabalho em rede, à sua sustentabilidade e ao impacto gerado.
De que modo essas etapas, sistematizadas nos dez capítulos deste Manual, garantem a construção sustentável de projectos e negócios empreendedores?
As etapas têm uma sequência lógica que começa com um estudo aprofundado do problema e das suas principais causas e efeitos. De seguida propõe-se a criação da proposta de valor e a arquitectura da solução para a resolução do problema identificado, tendo como base a necessidade de foco, as principais causas do problema que devem ser atacadas, as paixões e a experiência do empreendedor social.
[pull_quote_center]Uma iniciativa de impacto é levada a cabo com o objectivo de maximizar a criação líquida de valor para a sociedade – Carlos Azevedo, director académico do IES-SBS[/pull_quote_center]
Na fase seguinte, é apresentada uma metodologia para a construção do modelo de sustentabilidade e de impacto da solução. Finalmente, o Manual apoia a estruturação da fase que distingue verdadeiramente um empreendedor social – o teste da solução através do piloto, do respectivo processo de aprendizagem e viabilização.
Este Guia “propõe uma metodologia que desafia a repensar a forma como se constroem soluções para problemas negligenciados da sociedade”, com vista à criação de “causas maiores”. Quais são as premissas e ferramentas essenciais dessa metodologia?
As principais premissas do Manual para Transformar o Mundo assentam nas seguintes ideias base: um empreendedor social é motivado pela criação de valor e não pela captura de valor na sociedade, detecta oportunidades a partir de problemas que a sociedade enfrenta; e é resiliente e está comprometido com a acção. Esta é a razão pela qual age e monta um modelo de negócios capaz de garantir que a solução persiste o tempo suficiente, até à resolução do problema identificado.
As ferramentas propostas apoiam toda esta aventura. A árvore do problema, na sua análise, e os vários modelos de negócios propostos para a sustentabilidade são bons exemplos. O Manual recorre a muitos exemplos e ilustrações para que seja fácil perceber a implementação das várias ferramentas e instrumentos propostos.
Que desafios enfrentam, no actual contexto socioeconómico, os empreendedores sociais – quer em fase de arranque, quer de consolidação do projecto -, com vista à geração de valor com impacto?
Os empreendedores sociais enfrentam vários desafios actualmente. Destacaria os seguintes: dificuldade em montar soluções intrinsecamente sustentáveis; necessidade de uma rede de pares que garanta apoio e o encurtamento do espaço de aprendizagem; dificuldade em arrancar com as iniciativas, fruto da burocracia existente; e dificuldade em aceder a financiamento para a fase de lançamento da ideia e para a fase de crescimento, dada a existência incipiente de ferramentas e produtos financeiros adequados às suas necessidades.
Como sucede com todos os modelos de negócio, e como traduzem as duas edições deste Manual, o movimento do empreendedorismo social evoluiu, nas últimas três décadas, mantendo a sua base de actuação na ‘aventura’ de inovar a partir de ideias inspiradoras, mas adequando-se hoje às necessidades emergentes de aliança dinâmica entre os três sectores da economia (empresarial, público e social) – a nova economia de impacto. Qual é o actual estado-da-arte do empreendedorismo social?
Hoje o empreendedorismo social deixou de ser uma moda para entrar na fase de institucionalização, isto é, hoje todos os agentes económicos percebem a necessidade de criar soluções sustentáveis para os principais problemas da sociedade. Mais, hoje em dia estes agentes percebem que para resolverem problemas em escala, garantirem a sustentabilidade das suas organizações e transformarem a sociedade em que vivemos têm de o fazer em rede. Essa é cada vez mais uma realidade incontornável.
O IES-Social Business School tem contribuído para a agenda da economia de impacto através dos seus programas de formação, dos seus laboratórios, do conhecimento que produz e dissemina e da comunidade que foi construindo e vai facilitando.
A nível nacional, e considerando o recente enquadramento legal e regulamentar desta nova visão orientada para a avaliação e para os resultados das iniciativas com missão social, e a consolidação dos modelos de negócios sociais e investimento social, expressa em projectos como o LIS, como se está a estruturar a economia social de impacto, comparativamente às práticas internacionais nesta matéria?
Em matéria de investimento social, Portugal pode e deve orgulhar-se de estar na linha da frente e alinhado com as principais práticas internacionais.
Desde 2013, tem sido desenvolvida uma série de projectos que atraem atenção internacional para Portugal nesta área: a criação do Grupo de Trabalho Português para o Investimento Social, que foi convidado a juntar-se aos países do G8 numa reflexão global, a constituição da iniciativa Portugal Inovação Social (somos o segundo país do mundo a ter uma instituição grossista exclusivamente dedicada ao investimento social) e o lançamento do primeiro Título de Impacto Social na área da educação, com o projecto piloto Academia de Código Júnior (Portugal foi o quarto país da Europa a implementar um mecanismo deste tipo).
Pensando no cruzamento dos três sectores – público, privado e social –, tem existido uma grande abertura em Portugal por parte do sector público para a temática do investimento social. Entre outros, o principal desafio está na capacitação das organizações da economia social para poderem receber investimento porque será esse um factor preponderante para a mobilização de capital privado.
Comparativamente a mercados como o Reino Unido ou os Estados Unidos da América, temos uma dimensão e massa crítica muito menor. Contudo, acreditamos que Portugal pode seguir uma estratégia de incubação e experimentação – por sermos flexíveis e adeptos de inovação – que sirva de base para replicação e escala a nível europeu.
Como vêm evoluindo os conceitos e práticas relativos a investimento social – capital de risco, mecanismos de financiamento e avaliação de activos de fundos e sociedades no sector do empreendedorismo e inovação social?
A evolução tem sido feita por aproximação. Se pensarmos num espectro em que num dos extremos temos impacto social e no outro temos retorno financeiro, aquilo que verificamos é que alguns instrumentos partem do impacto social e tendem para o centro – como a filantropia de impacto (ou venture philanthropy, no termo original inglês); e outros instrumentos partem do retorno financeiro e tendem para o centro, como fundos de investimento social que integram o impacto na sua decisão de investimento. Existem ainda os Títulos de Impacto Social, que se apresentam como uma solução de financiamento para intervenções inovadoras que respondem a desafios sociais prioritários para política pública.
[pull_quote_center]No investimento social os instrumentos financeiros são um meio para atingir um fim: criação de valor e resolução de problemas sociais – António Miguel, director do LIS[/pull_quote_center]
Todos estes mecanismos carecem de experimentação e os próximos anos em Portugal irão ditar as aprendizagens para uma adopção mais generalizada por parte de investidores, sector público e organizações da economia social.
Por fim, é importante considerar que os diversos instrumentos financeiros servem propósitos e tipos de entidades e projectos diferentes. O ponto de partida deverá ser inequivocamente o seguinte: de que forma consigo resolver um determinado problema social de forma eficiente? Consequentemente, o modelo de negócio será desenvolvido, assim como a respectiva fonte de geração de receitas – esse será o principal condutor que identifica o instrumento financeiro mais adequado.
No investimento social os instrumentos financeiros são um meio para atingir um fim: criação de valor e resolução de problemas sociais.
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Jornalista