POR HELENA OLIVEIRA
“Adoro o cheiro das emissões”, Sarah Palin, ex-governadora do Alasca, 31 Maio de 2011
“O nosso sistema económico e o nosso sistema planetário estão em guerra. Ou, mais precisamente, a nossa economia encontra-se em guerra com as muitas formas de vida existentes na Terra, incluindo a vida humana”.O extracto acima referido é retirado do novo livro de Naomi Klein, intitulado “This Changes Everything: Capitalism vs The Climate” e oficialmente lançado bem a tempo da Grande Marcha pelo Clima que teve lugar a 20 e 21 de Setembro, em Nova Iorque (e, simultaneamente, em 156 países), nas vésperas da Cimeira da ONU para as alterações climáticas e que reuniu cerca de 300 mil pessoas. A autora dos livros “No Logo” e “The Shock Doctrine:The Rise of Disaster Capitalism”, este último considerado como um dos mais influentes dos últimos 50 anos, define a sua mais recente incursão na escrita como uma “sucessora natural” do seu êxito anterior, na medida em que aprofunda as críticas e os apelos já formulados de que é absolutamente urgente que se repense a abordagem às questões climáticas, bem como a “lógica perversa do capitalismo”. Em The Shock Doctrine, Klein gerou uma enorme polémica ao escrever sobre a devastação social e ambiental provocada pelas políticas neoliberais, interpretando a marginalização das alterações climáticas nos processos políticos como “o resultado das maquinações das elites corporativas”, como escreve o The Guardian. Estas elites “compreendem melhor o verdadeiro significado das alterações climáticas do que a maioria dos ‘warmists` [os que alertam para o aquecimento global] do centro político, aqueles que insistem ainda que a resposta pode ser gradual e isenta de dor (…). São muitos os detalhes que os ‘negacionistas’ não percebem (…), mas no que respeita ao âmbito e à profundidade da mudança necessária para se evitar uma catástrofe, ou seja, no que respeita ao dinheiro, estão completamente certos”.
A verdade inconveniente sobre o aquecimento global, defendida pela premiada e reconhecida jornalista canadiana do The New York Times, é a de que o problema não reside [nas emissões] no carbono, mas sim no capitalismo. Klein argumenta que o modelo económico actual está a travar uma guerra com o planeta e que, caso o capitalismo não sofra alterações dramáticas, todos nós estaremos condenados. Apesar desta mensagem pessimista, que acompanha largamente a primeira parte do livro, a escrita vai adquirindo um tom mais esperançoso através da narrativa de histórias de justiça social e de movimentos organizados pró-clima que estão a ser bem-sucedidos. Todavia e aproveitando o pessimismo inicial, não é só o actual modelo económico que está na mira da jornalista e escritora, mas também os grupos ambientalistas “mainstream”, os quais, acusa, não só se limitam a proferir retóricas vazias e sem significados, como, em casos mais graves, permitem a extracção petrolífera e, consequentemente, lucram com “ofertas de terras” por parte de grandes empresas, como a Mobil Oil Company [o movimento em causa é norte-americano e chama-se Nature Conservancy].
A economia deve cuidar e não negligenciar
Todavia, o argumento mais forte utilizado por Naomi Klein está directamente relacionado com o neoliberalismo – a ideologia capitalista dominante ao longo das últimas quatro décadas – que privilegia as privatizações, a desregulamentação e os cortes nas despesas públicas, reforçando o papel do sector privado na economia. Para a autora, este sistema económico “não tem a linguagem certa para descrever a redução necessária do consumo desenfreado, ‘tagarelando’ apenas sobre o denominado consumo ‘verde’”, o qual tem como base o pressuposto ingénuo de que é possível solucionar o problema do clima através da compra de gadgets cada vez mais eficientes”. Na medida em que as emissões de carbono continuam a aumentar a um ritmo estável, este tipo de abordagens estilo “amigas do mercado” são becos sem saída, o que leva Klein a defender um “de-crescimento” selectivo da economia, algo que define como “fazer crescer a economia que ‘cuida’ e encolher a que é negligente” [caring economy vs careless economy].
[quote_right]“Se nada se fizer, o planeta vai ser ‘esfolado vivo’”[/quote_right]
Acreditando que as pessoas, no geral, aceitarão reduzir os seus hábitos consumistas e habitar um mundo “menos energético”, Klein adverte, no entanto, que esta aceitação só será uma realidade se os cortes forem equitativos. Para que tal aconteça, os investimentos necessários exigirão impostos mais elevados para toda a gente – com excepção dos pobres -, seguindo o princípio poluidor-pagador, com os principais fardos a cair nos ombros nas empresas de combustíveis fósseis, na indústria automóvel e na de armamento. Mas e como seria de esperar, a ideologia de mercado complica todas estas abordagens e, como acusa Klein, numa crítica dirigida ao presidente norte-americano, a crise financeira criou uma oportunidade para um planeamento coordenado através do resgate aos bancos e às grandes empresas da indústria automóvel, em vez de estimular e implementar mudanças centradas nas pessoas e no planeta. Para a autora, Obama seguiu a linha do pensamento neoliberal que defende que o governo não pode dizer às empresas o que devem fazer e que a única alternativa actual é demonstrar que “as soluções para as alterações climáticas são, igualmente, a nossa maior esperança para se construir um sistema económico mais estável e equitativo, que reforce e transforme a esfera pública, que dê origem a mais postos de trabalho [dignos] e que confira ‘rédea curta’ à ganância empresarial”.
O problema, acredita, reside nas objecções, por parte dos neoliberais, a qualquer política que envolva o planeamento explícito governamental, que favoreça as fontes alternativas de energia ou um clima concorrencial justo. Na visão de Klein, há que exigir programas governamentais que privilegiem as energias renováveis controladas pelas comunidades, um planeamento industrial com base em fontes locais e na protecção dos empregos, apoios para as cooperativas de trabalhadores e descentralização da agricultura não industrial baseada na agroecologia.
Se nada mudar, o planeta vai “esturricar”
Insistindo que tem de ser o sistema a sofrer alterações, unindo a sustentabilidade ecológica às mudanças económicas que beneficiem as pessoas, Klein sublinha que estas mudanças não terão de abordar apenas as alterações climáticas, mas também a “profunda desconexão existente entre a humanidade e o meio ambiente que a envolve”. A autora defende ainda que este problema remonta aos mitos civilizacionais nos quais assentou a cultura ocidental pós-Iluminismo, os quais estão relacionados com o “dever da humanidade para dominar o mundo natural, o qual se acreditava ser ilimitado e completamente controlável”. Assim, está mais do que na altura para se acabar com o “extractivismo”, essa relação dominante e não recíproca que se tem com a Terra”.
Adicionalmente e recordando que os impedimentos no que respeita às políticas climáticas sérias estão por todo o lado, Klein alerta, em especial, para uma realidade: “a responsabilidade fiduciária das empresas exploradoras de combustíveis fósseis para com os seus accionistas garantirá, decerto, o ‘esturricar’ do planeta”. “Esfolar o planeta vivo” é outro dos termos utilizados pela autora.
A grande esperança que emerge das páginas optimistas que o livro também contém reside nos movimentos (bem) organizados de activistas – que estão a emergir um pouco por todo o mundo – de que é exemplo o grupo transnacional e de eco-insurreição baptizado de “Blockadia” e que junta as exigências da responsabilidade ecológica à democracia real. Um outro bom exemplo é a coligação Idle No More, no Canadá, que junta comunidades pobres e não-brancas num desafio aos estereótipos inerentes aos ambientalistas “mainstream”.
Klein afirma categoricamente que estes organizadores compreendem aquilo que os neoliberais se recusam a ver: que a economia pode sofrer alterações, mas que o mundo natural não se irá ajustar nunca às nossas necessidades. Nem todas as campanhas – e são já muitas – serão bem-sucedidas, adverte Klein, mas a verdade é que o activismo cria incerteza – algo que os investidores não gostam – o que serve para “comprar algum tempo”.
Numa entrevista concedida à alternet.org, e questionada sobre o “abalo” que o capitalismo sofrerá caso as ramificações de se lidar com as alterações climáticas forem verdadeiramente abordadas – motivo pelo qual continua a existir a negação das evidências -, Klein afirma que o maior problema não é, a seu ver, convencer aqueles que negam que as alterações climáticas constituem um problema mais do que urgente, mas sim envolver um conjunto, o mais alargado possível, de pessoas que acreditam que o desafio é verdadeiro, ou que não negam, de forma activa, a ciência, mas que preferem “olhar para o lado” pois não acreditam na existência de uma possível solução para o mesmo. Desta forma, Naomi Klein, ao escrever este livro, tem esperança que o mesmo sirva como um chamamento “ao regresso dos grandes movimentos sociais que conseguiram atingir vitórias progressivas e massificadas no passado”, algo que é actualmente raro na sociedade em geral. “Temos ONGs ‘escorregadias’, encerradas nos seus silos e apesar de toda a gente falar no assunto, ninguém faz, realmente, nada”.
Adicionalmente, a maior frustração da autora reside no facto de as alterações climáticas “unirem pontos” entre variadas e importantíssimas questões, como o mercado de trabalho, os direitos das mulheres, os direitos dos povos indígenas, a decadência das cidades, o desmantelamento da esfera pública, a justiça racial, a imigração, entre outros.
Ou, como afirma: “estamos a falar da nossa casa e não de um mero probleminha qualquer”.
NOTA: O livro de Naomi Klein será complementado por um documentário que estreará em 2015 e cujo trailer poderá ser visto aqui.
Editora Executiva
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