POR HELENA OLIVEIRA
A ideia de que a liderança, na generalidade, está a atravessar um período crítico é uma “verdade” repetida em qualquer que seja a literatura de negócios. E se uma liderança de excelência sempre foi um gigante desafio, no mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo – baptizado com o acrónimo VUCA, criado no final dos anos 90 pelas forças militares americanas para caracterizar o mundo de então – ser um bom líder não só se mantém como um conceito subjectivo, mas também cada vez mais exigente. Apesar de todos os progressos que parecem caracterizar a sociedade no século XXI, a verdade é que as pessoas, no geral e apesar de tantas “campanhas” e apelos politicamente correctos, continuam a achar difícil aceitar aqueles que pensam de maneira distinta da sua, de agirem com respeito e civilidade quando as suas “verdades” são contestadas, sendo que diferença de perspectiva se torna facilmente “pessoal”. Com a grande ajuda dos media sociais, qualquer pessoa pode amplificar um sentimento com um tweet ou um post sobre quem é bom ou mau, para uma audiência potencialmente global. E a esta amplificação e escrutínio não escapam, de todo, as empresas.
Com os stakeholders muito mais despertos, atentos e exigentes, às empresas de hoje pede-se que articulem o bem fazer com o fazer bem, e que exista, na sua missão, uma espécie de “razão de ser” mais profunda do que o mero lucro nos seus negócios e modelos operacionais. As escolhas que uma organização faz – e se são ou não éticas – têm um enorme impacto na confiança que transmitem para o exterior, a qual poderá ditar se os stakeholders querem ou não trabalhar com ela. E também sabemos que, crescentemente, as boas ou más escolhas determinam a retenção dos talentos, bem como a lealdade dos clientes.
[quote_center]A liderança moral é reflectida no comportamento do líder[/quote_center]
O estudo em causa reitera a ideia de que os desafios para as empresas na actualidade exigem líderes que sejam estimulados por propósitos nobres e que se saibam relacionar e apostar não só nos seus trabalhadores, mas também numa “melhoria para o mundo”. Estes líderes deverão inspirar e potenciar o bem que existe nos que o seguem e, principalmente, ter coragem de exprimir os seus princípios e lutar por eles. Confrontados com questões de certo ou errado, são também convidados a moldar a cultura da empresa de forma a que todos possam ter voz na sua condução. E são estas características que, de acordo com a LNR, definem a liderança moral, que não se ganha com títulos, posições ou bons resultados, mas que é, sim, conquistada todos os dias, dependendo da forma como o líder age e se comporta mediante os desafios que se colocam à organização que lidera. Ou seja, a liderança moral é reflectida no comportamento do líder.
Vejamos agora os principais resultados do estudo.
Trabalhadores defendem o seguimento da regra de ouro
“Tratar os outros como gostaríamos que nos tratassem a nós” continua a ser a mais simples – e a mais difícil – regra de ouro a seguir no interior das empresas, as quais deixaram de ser meros espaços físicos onde as pessoas passam x horas por dia para ganhar um ordenado ao fim do mês. Apesar de muitos trabalhadores, a nível global, se sentirem pouco envolvidos com o trabalho, na generalidade todos desejam que as suas empresas sejam éticas, que contribuam verdadeiramente com algo de positivo para a sociedade e que sejam responsáveis pelos impactos que geram no ambiente e comunidade que as envolvem.
Assim, não é de estranhar que 83% dos empregados auscultados tenham referido a “regra de ouro” como a melhor forma de as organizações onde trabalham tomarem melhores decisões e serem mais bem-sucedidas. Ou quatro em cinco trabalhadores reconhecem que é da responsabilidade do líder criar este tipo de organização, secundados e como imperativo, por gestores que exerçam também o mesmo tipo de autoridade moral. Por exemplo, 62% dos entrevistados consideram que os seus colegas fariam um trabalho melhor se os gestores confiassem mais na autoridade moral e menos no seu poder formal. Tal significa que, aos olhos dos trabalhadores, a autoridade formal, por si só, não é suficiente para enfrentar os grandes desafios estratégicos desta era. A análise da LNR concluiu que quando os gestores tomam uma posição firme perante tópicos morais, quando fazem as perguntas difíceis sobre o que é certo, errado, justo ou injusto e quando confiam nas suas pessoas o suficiente para lhes dizer a verdade mesmo que tal implique algum tipo de risco, os seus colegas são 17 vezes mais dispostos a considerá-los como a pessoa certa para o lugar em causa. Ou, por outras palavras, os líderes morais são 17 vezes mais eficazes do que os que não cumprem os requisitos acima mencionados.
A liderança moral ainda é um bem escasso
Apesar de a esmagadora maioria dos trabalhadores desejar um líder com autoridade moral, também é verdade que a maioria dos CEOs e gestores analisados deixam a desejar no cumprimento desse requisito.
Do universo de entrevistados, apenas 30% afirmaram que os seus CEOs demonstram comportamentos que reflectem a liderança moral.
[quote_center]62% dos entrevistados consideram que os seus colegas fariam um trabalho melhor se os gestores confiassem mais na autoridade moral e menos no seu poder formal[/quote_center]
Um em cada cinco – 20% – acreditam que os seus líderes perseguem um propósito nobre e com significado e que contribuem para fazer do mundo um local melhor, apenas 15% mencionaram que os seus CEOs se esforçam por elevar os demais através da empatia e do relacionamento saudável, enquanto 22% estão seguros de que, na maioria das vezes, os seus líderes são estimulados por virtudes e princípios sólidos, possuindo um nível elevado de integridade, estando comprometidos a fazerem o que está certo.
Por seu turno, 19% dos empregados afirmam que os mesmos estão empenhados em construir um “conhecimento moral” assente na aprendizagem e no crescimento contínuos.
Quanto à visão respeitante a gestores e executivos com quem os inquiridos mais directamente trabalham, apenas 23% consideram que os mesmos são líderes morais. Especificamente, só 12% dos inquiridos dizem que os seus gestores arranjam tempo para falar sobre o significado do seu trabalho, com 26% a considerarem que os gestores tratam os seus colegas como “pessoas” e não como meros recursos contratados para fazer o que precisa de ser feito. No que respeita à disponibilidade para tomarem uma posição forte face a tópicos morais importantes, apenas 13% consideram que os seus superiores o fazem.
[quote_center]Apenas 14% dos trabalhadores afirmam que os gestores reconhecem os seus próprios erros[/quote_center]
De acordo com a pesquisa, os empregados consideram, no geral, que aos seus líderes falta coragem moral. Foram 17% os que confirmaram que os seus líderes defendem quem é tratado injustamente e 15% os que declararam que os seus superiores hierárquicos comunicam, de forma proactiva, notícias difíceis de partilhar.
O estudo chama a atenção para o facto de – e tendo em conta estas baixas percentagens – mais de 60% dos trabalhadores terem reportado que os seus gestores pedem e esperam a sua total lealdade, acrescentando que os líderes morais sabem ver a diferença entre o que é pedido, o que é esperado e o que têm de fazer para inspirar os demais.
Tempo, humildade e para além do empowerment
Para os autores do estudo da LNR, a necessidade de uma autoridade moral nas empresas está também implicitamente relacionada com o conceito de pausa. Quando os trabalhadores fazem uma pausa, conseguem avaliar melhor uma determinada situação, reconciliam-se com os seus valores e princípios e reimaginam novas formas de fazer as coisas. É que no ambiente de stress continuo que se vive no interior das organizações, criar espaço para uma pausa pode ser mais difícil do que parece. No estudo em causa, apenas dois em cada cinco empregados declararam que os seus líderes criam oportunidades para que as equipas tenham tempo para parar e reflectir. É que, e na verdade, o acto de pausar aumenta a produtividade. E é por isso que não é surpreendente o facto de os líderes que encorajam as suas equipas a parar e reflectir nas suas vidas e nos seus propósito e valores têm uma probabilidade 11 vezes maior de atingir os objectivos de negócio.
[quote_center]A matriz da liderança moral não pede perfeição, mas e ao invés, exige compromisso para procurar ajuda quando é preciso[/quote_center]
Também avaliada – e porque é uma característica própria do modus operandi dos líderes morais – foi a humildade, a qual não pode ser confundida com falsa modéstia. Para quem considera que ser humilde significa ter falta de confiança, incapacidade para decidir activamente ou indisponibilidade para tomar grandes riscos, é bom saber que estes traços são, pelo contrário, destacados nos líderes morais, na medida em que – e porque são humildes – contam com o contributo de toda a organização para atingir objectivos ousados.
Todavia, liderar com humildade continua a constituir uma dificuldade para muitos executivos seniores e gestores intermédios. E a comprovar este dado estão os resultados do estudo: apenas 14% dos trabalhadores afirmam que os seus gestores reconhecem os seus próprios erros contra 13% que estão dispostos a fazer emendas quando se enganam em alguma coisa. E também são 14% os que declaram que os seus gestores não mudam de ideias mesmo quando confrontados com a evidência que comprova que seguiram um rumo errado. Já no que respeita a ter a confiança e o à-vontade necessário para pedir ajuda, expondo algum tipo de fraqueza ou vulnerabilidade perante os trabalhadores, só seis por cento dos entrevistados afirmaram ter “gestores assim”.
Ao contrário de muitos dos seus pares, os líderes morais não insuflam os seus egos. Sabem admitir erros, mudam de ideias quando percebem que fizeram algo de errado e pedem ajuda quando é necessário, sendo que estes comportamentos são o oposto da fraqueza, na medida em que, e no ambiente feroz da actualidade, é preciso ter coragem para agir desta forma. A matriz da liderança moral não pede perfeição, mas e ao invés, exige compromisso para procurar ajuda quando é preciso e abertura para expandir os níveis de confiança a todos os trabalhadores da organização. E, ao se agir desta maneira – confiando – os líderes inspiram os seus empregados para uma colaboração muito mais profunda e plena.
[quote_center]75% dos entrevistados afirmam que os seus superiores hierárquicos se comportam de acordo com os valores defendidos pela empresa[/quote_center]
Adicionalmente, quando se lidera com humildade, é muito mais provável que se siga pelo caminho mais certo. E nessa caminhada, ao envolver os outros, está-se a inspirá-los e a construir a confiança necessária para percorrer toda a jornada. Dados que são comprovados também no estudo em causa que conclui que os gestores que lideram com humildade têm 22 vezes mais possibilidades de serem considerados “de confiança” pelos seus pares.
A questão do empowerment foi também avaliada pela LNR. E, para os líderes morais, extravasar os seus limites é a palavra ordem. Não basta delegar, mas confiar que os trabalhadores podem dar o melhor de si mesmos, podem brilhar e atingir grandes feitos. Dos entrevistados, apenas 15% declararam que os seus gestores conferiam espaço necessário para serem outros a liderar e apenas 7% afirmaram a disponibilidade dos seus líderes para se “tornarem pequenos deixando os subordinados serem grandes”.
Para a liderança moral, é necessário ir mais além do empowerment, é estar presente e envolvido, ao mesmo tempo que se “encolhe” para criar uma atmosfera onde outros possam crescer. Os gestores e executivos que percebem esta máxima têm nove vezes mais de probabilidades de atingirem os objectivos de negócios, de acordo com o estudo.
As boas notícias
Avaliados um a um – foram 58 os marcadores de comportamento utilizados – os resultados descritos parecem não contribuir para um panorama muito animador no que respeita à liderança moral que os trabalhadores gostariam de ver implementada a 100% nas organizações em que trabalham.
Mas, nas questões mais “gerais”, as respostas dos inquiridos conferem um grau bem mais elevado de optimismo face ao futuro, na medida em que qualificam os seus líderes como “suficientemente éticos”. Ou até mais do que isso, visto que 65% dos trabalhadores afirmaram que os seus gestores fazem o que é eticamente correcto, memo quando o negócio está a enfrentar desafios operacionais complexos. E, melhor ainda, 75% declaram que os seus superiores hierárquicos se comportam de acordo com os valores defendidos pela empresa, mesmo quando ninguém está a ver.
Adicionalmente, setenta por cento dos inquiridos consideram também que os seus gestores agem com serenidade, são tolerantes com os altos e baixos que integram os desafios mais arriscados (61%), são abertos ao diálogo, independentemente do grau de senioridade (62%) e esforçam-se para cultivar um local de trabalho inclusivo (65%).
Assim, e para que a liderança moral possa ser abraçada por um conjunto crescentemente significativo de líderes, são sugeridos os seguintes passos:
- Deixar que seja o propósito a liderar
Os líderes ganham autoridade moral quando definem um propósito nobre e valioso para as suas organizações. Vêem o futuro como uma caminhada, aceitando os bons e maus momentos e conferindo espaço e oportunidade para que outros se juntem a eles.
- Inspiram e elevam os outros
Os líderes morais pedem às suas pessoas para serem leais não a si mesmos, mas antes ao propósito e missão da organização. E encaram-nas como “pares”, escutando e aprendendo com aqueles que lideram.
- Ser estimulado por valores e virtudes
Em vez de se concentrarem em fazer a próxima “coisa certa”, os líderes morais focam-se em fazer a próxima “certa coisa”. Defendem os seus princípios, mesmo quando estes se tornam desconfortáveis, difíceis ou inconvenientes para si mesmos. E andam para a frente com coragem e paciência.
- Não deixar de exercitar o “músculo” moral
Ser-se um líder moral significa travar uma batalha constante com questões de certo ou errado, de justiça ou injustiça e com dilemas éticos variados. Assim e desta forma, os líderes nunca devem parar de questionar se o seu exercício de liderança, e a organização no seu todo, são conformes ao seu propósito e missão, devendo debater e avaliar estas questões com regularidade.
Editora Executiva