Nos anos 80, a Monsanto enfrentava uma crise significativa devido ao declínio da indústria química. Com a nomeação de Richard Mahoney como CEO em 1983, a empresa iniciou uma reestruturação ambiciosa. Mahoney vendeu ramos pouco lucrativos e investiu em novas áreas, como ciências da vida, agricultura e ciências farmacêuticas. A sua visão transformou a Monsanto, culminando na aquisição da G.D. Searle & Company e no desenvolvimento de produtos inovadores, incluindo culturas geneticamente modificadas – as mais célebres serão as do trigo e da soja – e também o adoçante NutraSweet. A transformação, além de salvar a Monsanto, também a posicionou como líder em novos setores, exemplificando a importância da adaptação estratégica
POR PEDRO COTRIM
Nos anos oitenta, a indústria química estava em declínio e a Monsanto não escapava ao ambiente generalizado. A empresa, tal como a encontrou Richard Mahoney, estava a ter dificuldades em conseguir lucros e em Wall Street já se tinha percebido a situação. Mahoney, querendo construir uma grande empresa, deitou mãos à obra.
Começou por tomar uma serie de medidas empresariais drásticas para alterar o rumo das circunstâncias. Vendeu empresas de crescimento lento ou de baixo lucro no valor de milhares de milhões de dólares e concebeu um plano a longo prazo para transformar a Monsanto numa empresa de grande crescimento e margens elevadas. O seu objetivo: constituir uma organização de ciências da vida, agricultura e ciências farmacêuticas.
Reestruturar a empresa não foi tarefa fácil. Mahoney investiu uma fortuna no novo modelo, sabendo de antemão que demoraria anos até haver algum retorno. Entretanto, tinha de manter Wall Street debaixo de olho, uma vez que os investidores não estavam satisfeitos com o desempenho da empresa durante os esforços de realinhamento que o gestor estava a empreender.
Mahoney manteve-se firme nas suas decisões e, com o decorrer do tempo, a sua visão para a nova Monsanto concretizou-se na que viria a ser tida como uma das transformações mais dramáticas em toda a história empresarial dos EUA.
Quando Richard ingressou na Monsanto, em 1962, a empresa estava no sector petroquímico, usando o petróleo como matéria-prima para os seus produtos: plásticos, resinas e produtos utilizados na agricultura, como os herbicidas.
Quando se analisa a história da indústria química, percebe-se que viveu os seus momentos áureos nos anos 1930 quando os automóveis, o petróleo e o gás começavam a ser amplamente utilizados. A parte da petroquímica era o que resultava do processo de refinação da gasolina – produtos baratos e muito reativos.
10 cêntimos pelo produto e 90 em valor acrescentado; ou o contrário?
Empresas como a Monsanto e a DuPont e compravam produto por 10 cêntimos, juntavam-lhes 90 cêntimos de valor acrescentado e faziam toneladas de dinheiro a vender plásticos, fibras e «poli-o-que-quer-que fosse». Nessa altura, a indústria química era um dos sectores chave na cadeia de valor.
Mas algo se modificou nos anos 1960 e 1970. As empresas de petróleo perceberam o valor da sua matéria-prima e começaram a aplicá-la em mais áreas, criando mercado e ficando em condições de exigir um preço melhor pelo seu produto. E os países produtores de petróleo começaram a interessar-se por criar infraestruturas ou melhorar as existentes. A realidade de 10 cêntimos de matéria-prima e 90 cêntimos de valor acrescentado modificou-se para 90 cêntimos de matéria-prima e 10 cêntimos de valor acrescentado.
O mundo inteiro estava a mudar. A Monsanto tinha acabado de formar uma joint-venture com a Conoco para fornecimento dos materiais necessários para produzir plásticos e outros produtos, mas era óbvio que o poder estava agora nas mãos das empresas petrolíferas e dos países produtores de petróleo.
O core business da Monsanto estava em perigo e sujeito às oscilações dos preços do petróleo. Nos anos 1973 ou 1974, durante os choques petrolíferos, os produtos baseados nesta matéria-prima tiveram grande sucesso. A Monsanto, num ano, obteve um retorno de 20% pela primeira vez na história recente, mas Mahoney pretendia que a empresa pudesse controlar o seu próprio futuro. Não queria entregar externamente a decisão de fazer ou não dinheiro.
«Há uma espécie de regra de ouro nos negócios da indústria química», dizia Mahoney. É conhecida como a «regra dos doze – após doze anos de agonia, seguem-se doze meses de grande prosperidade quando os ciclos se sucedem». É apenas um ciclo. Cada CEO do ramo, percebendo a oportunidade, aposta as fichas todas, sabendo que depois se seguem doze anos de grandes dificuldades.
A Monsanto como gigante global
Quando Mahoney se tornou CEO, em 1983, a Monsanto era uma empresa química num grupo agrícola com base em artigos químicos. O gestor, como qualquer outro recém-CEO, pensou que se iria passar o resto da vida a fazer quele trabalho, mais valia tornar a Monsanto numa grande empresa. Começou-se a delinear uma estratégia ambiciosa em termos de desempenho financeiro e social.
A Monsanto vendeu os seus investimentos em petróleo e gás. Vendeu também o seu próprio negócio no ramo dos plásticos. A empresa era a maior produtora de cápsulas de silicone para revestimento de medicamentos nos EUA e vendeu também essa parte. Retirou-se sistematicamente de cada camada do negócio.
No decorrer dos anos que se seguiram, a Monsanto vendeu o equivalente a 8 mil milhões de dólares em negócios e comprou entre 3 a 4 mil milhões de dólares.
Mahoney pretendia que a empresa se deslocasse para a vertente das ciências da vida que, de alguma forma, já estava presente na sua atividade através do departamento agrícola e em algumas iniciativas do seu predecessor, o CEO Jack Hanley. A expectativa era a de se expandir o campo agrícola para o da biotecnologia.
A Monsanto tinha algum poder de compra pela venda dos negócios. Havia rumores que a G. D. Searle & Company estava para venda.
Para preparar a compra, a empresa constituiu um departamento farmacêutico, anexando ainda alguns pequenos negócios que detinha e que estavam dispersos. Mahoney sentia-se confiante paras se aventurar no mercado farmacêutico devido à grande experiência na área agrícola: a Monsanto tinha produtos fortemente regulamentados, longos períodos de aprovisionamento, um bom departamento de investigação e desenvolvimento e uma força de vendas especializada, elementos em tudo semelhantes ao que é exigido no campo farmacêutico.
Foi então feita a compra de uma pequena empresa europeia, pois assim poderia desenvolver-se um conjunto de medicamentos e também porque a própria Monsanto conduzia algumas experiências bem conseguidas em laboratório. Com o decorrer do tempo, a empresa sentiu-se cada vez mais confortável na sua atuação, fez algumas contratações e foi atrás da Searle. Após uma longa e extenuante negociação, a empresa foi finalmente adquirida.
Com a redefinição da Monsanto, desenvolveram-se muitos novos produtos, incluindo culturas geneticamente modificadas, sendo as mais conhecidas as do milho e da soja. A empresa focava-se simultaneamente nas sementes na farmacêutica. Com a Searle, a Monsanto adquiriu também a NutraSweet, que se revelou um tremendo um sucesso e que que lhe abriu as portas do ramo alimentar.
Decidiu-se instaurar um conjunto de empresas autónomas, o que era um conceito organizacional bastante invulgar. Havia um conselho de administração para a Searle. Separou-se a NutraSweet, com conselho de administração próprio, composto por membros internos e externos. Criaram-se igualmente conselhos, todos com membros internos, para o departamento agrícola e restantes componentes da área química da empresa. Mahoney fazia parte de todos os conselhos de administração de maneira a poder intervir sem ter de os gerir.
A Monsanto manteve contudo algumas empresas da área dos químicos por serem extremamente rentáveis: havia plásticos altamente especializados e outros empreendimentos com boas margens de lucro. Eram tremendas máquinas de fazer dinheiro. Proporcionavam várias centenas de milhões de dólares por ano, permitindo reinvestir parte no negócio dos plásticos e o restante na biologia e na biotecnologia.
A empresa investiu na agricultura biotecnológica durante um período de doze anos, sabendo que não existiria nenhum novo produto antes de meados dos anos 1990. A tarefa era também manter Wall Street atenta. A empresa farmacêutica Searle era a única que perdia dinheiro numa altura em que se investia bastante na investigação e no desenvolvimento. A Monsanto teria de ser capaz de retirar o maior proveito possível dos negócios que conseguisse para que os potenciais investidores se mantivessem interessados. Foram direcionados grandes montantes para tais negócios, mesmo sabendo que o retorno seria nulo durante anos.
Em 1995, tudo parecia começar a desenvolver-se. Todos os produtos agrícolas que a empresa havia trabalhado começaram a resultar. Atingiram-se retornos na ordem dos 20%. Havia uma palete variada de novos produtos agrícolas, surgiram os primeiros produtos farmacêuticos e a Searle era agora lucrativa.
Mahoney reformou-se antecipadamente. No conselho de administração perguntavam-lhe: «Porque não fica um pouco mais para poder apreciar tudo o que conseguimos?» Richard respondeu que realmente não queria e que pretendia experimentar algo novo. Saiu da empresa e foi parar ao novíssimo Weidenbaum Center, na Universidade de Washington, onde manteve uma carreira intelectual muito ativa.
Richard Mahoney bem o sabia: no primeiro terço da nossa vida aprendemos, no segundo ganhamos e no terceiro terço devolvemos. E foi o que fez depois, dando aulas, palestras, prestando aconselhamento, escrevendo sobre gestão e políticas públicas e vivendo a vida ao máximo.
Imagem: © Akin Cakiner/Unsplash.com
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