A ideia de uma semana de trabalho reduzida para quatro dias tem vindo a ganhar cada vez mais atenção global como uma estratégia para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, aumentar a produtividade e promover um equilíbrio mais saudável entre vida profissional e pessoal. Em Portugal, esta proposta foi colocada à prova através de um ambicioso projeto-piloto, coordenado pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. O projeto envolveu a participação de 41 empresas de diversos setores e mais de 1000 trabalhadores, com o objetivo de avaliar os impactos económicos, operacionais e pessoais da implementação do modelo
POR PEDRO COTRIM

O «Relatório Final do Projeto-Piloto da Semana de Quatro Dias» descreve a execução e a avaliação de um projeto-piloto em Portugal que visou testar a viabilidade e os impactos de uma semana de trabalho reduzida para quatro dias. Este projeto, iniciado pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social do XXIII Governo Português, envolveu 41 empresas de diversos setores e abrangeu mais de 1000 trabalhadores ao longo de 2023.

Contexto Histórico e Objetivos

A semana de trabalho evoluiu historicamente para se adaptar às mudanças tecnológicas, económicas e sociais. No século XX, Portugal transitou de uma semana de trabalho de seis para cinco dias, uma mudança consolidada pela legislação do trabalho de 1996. Hoje em dia, Portugal é um dos países da União Europeia com mais horas de trabalho semanais, com uma média de 40 horas em 2022, superado apenas por Roménia, Grécia, Polónia e Bulgária.

O projeto-piloto visou reorganizar o trabalho para libertar um dia da semana sem reduzir os salários dos trabalhadores, mantendo ou até fortalecendo a competitividade das empresas. A visão era de que a semana de quatro dias poderia melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e resolver problemas concretos enfrentados pelas empresas portuguesas. O projeto obedeceu a dois princípios fundamentais: não cortar salários e reduzir horas semanais.

Metodologia

O projeto-piloto foi dividido em três fases principais: sensibilização da comunidade empresarial, preparação para a implementação e avaliação dos impactos. Na fase inicial, houve um esforço para informar e despertar o interesse das empresas sobre os potenciais benefícios da semana de quatro dias, utilizando estratégias de divulgação como artigos de opinião, entrevistas e sessões de esclarecimento online.

Durante a fase de preparação, de março a maio de 2023, as empresas participaram em oito sessões de preparação em parceria com a 4 Day Week Global. Nestas sessões pretendeu-se abordar o maior leque possível de temas, desde a definição do formato da semana de quatro dias até a comunicação com trabalhadores e clientes. As empresas implementaram diferentes formatos de semana de quatro dias, com a maioria a reduzir a jornada de 40 horas para 36, 34 ou 32 horas semanais. Algumas adotaram folgas fixas às sextas-feiras, enquanto outras optaram por rotatividade de dias livres. Em média, houve uma redução de 13,7% nas horas semanais.

A avaliação dos impactos foi realizada após seis meses de teste, com inquéritos aplicados aos trabalhadores em três momentos: antes do teste-piloto, aos três e aos seis meses de implementação. Ademais, o projeto contou com a cooperação de investigadores da Universidade do Porto e considerou a possibilidade de um acordo com o Instituto Nacional de Estatística para análises a longo prazo.

Impactos nas Empresas

As empresas relataram diversos benefícios operacionais. Aproximadamente 75% implementaram mudanças organizacionais para aumentar a eficiência, como a redução da duração das reuniões e a adoção de software de gestão. Cerca de 87% das empresas mencionaram a participação ativa dos trabalhadores nas mudanças de processos. A maioria dos gestores relatou um aumento nas receitas e lucros em 2023 comparado com o ano anterior, sugerindo que a semana de quatro dias não resultou em desempenhos financeiros negativos. Aproximadamente 80% dos gestores avaliaram o impacto financeiro do projeto como neutro e 40% identificaram ganhos económicos, destacando reduções nos gastos com energia e consumíveis.

Empresas de diferentes setores adotaram a semana de quatro dias, incluindo educação, saúde, indústria e consultoria. A maioria das empresas participantes era de pequena dimensão, com menos de 20 trabalhadores. As mudanças organizacionais incluíram a redução do tempo de reuniões, a automação de processos e melhorias na comunicação interna. A produtividade por hora, medida pelo valor acrescentado bruto dividido pelo número total de horas trabalhadas, aumentou, refletindo que as empresas conseguiram manter ou até aumentar as vendas com menos horas de trabalho.

Impactos nos Trabalhadores

Os trabalhadores apresentaram melhorias significativas na saúde física e mental. A autoavaliação revelou que a categoria «muito boa» ou «excelente» em saúde mental duplicou de 15% para 30% e que a avaliação da saúde física aumentou de 20% para 27%. Houve um aumento médio de 11 minutos no tempo de sono e uma redução na exaustão e nos sintomas negativos de saúde mental.

A conciliação entre trabalho e vida pessoal também melhorou substancialmente, com a proporção de trabalhadores com dificuldades em conciliar trabalho e família a diminuir de 46% para 17%, e aqueles com dificuldades em conciliar trabalho e vida pessoal a decrescer de 50% para 16%. Estas melhorias foram mais pronunciadas entre as mulheres.

Os trabalhadores relataram passar mais tempo com a família (64%) e amigos (44%), além de dedicarem mais tempo a si próprios (58%) e aos hobbies (57%). A incidência de trabalhadores com um segundo emprego aumentou marginalmente de 15,5% para 17%.

A avaliação intermediária, realizada três meses após o início do projeto, foi positiva, com a maioria dos responsáveis pela implementação a atribuir notas entre 7 e 10 (numa escala de 10). Após seis meses, a maioria das empresas optou por prolongar o teste, enquanto apenas quatro das que participaram regressaram à semana de cinco dias.

Desafios e Considerações

A implementação da semana de quatro dias não foi isenta de desafios. As empresas enfrentaram dificuldades na definição de métricas de produtividade e na adaptação dos processos internos. Questões macroeconómicas, como a instabilidade política internacional e a inflação elevada, também afetaram a decisão de algumas empresas em participar no projeto. A complexidade da implementação, o investimento necessário e a preferência por outros benefícios foram citados como razões para algumas empresas desistirem ou adiarem a implementação.

Apesar destes desafios, a maioria das empresas que participou no projeto relatou uma experiência positiva. A comunicação com os clientes sobre a redução da jornada de trabalho foi geralmente bem recebida, com interesse e curiosidade, e apenas uma minoria contestou a decisão. A maioria dos gestores observou uma redução nos níveis de stress, aumento no compromisso dos trabalhadores e estabilidade na qualidade e quantidade do serviço produzido.

Perspetivas Futuras

O relatório conclui que a semana de quatro dias é uma prática de gestão legítima e viável, com benefícios operacionais significativos. No entanto, a sua implementação requer uma reorganização profunda e contínua das práticas de gestão. Para apoiar tal transição, o relatório sugere várias recomendações. Primeiro, incentivar mais empresas a testar a semana de quatro dias, especialmente as grandes. Em segundo lugar, oferecer incentivos fiscais e apoio técnico para facilitar a adoção. Por fim, considerar mudanças na legislação de trabalho para regulamentar a semana de quatro dias e promover iniciativas a nível europeu.

O relatório propõe um plano com três eixos principais: experimentar, incentivar e legislar. Este plano visa a implementação gradual da semana de quatro dias ao longo de um período de 10 anos, com a expectativa de melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e impulsionar a produtividade e a inovação nas empresas. Entre as propostas estão a disponibilização de materiais e gravações do projeto para empresas interessadas, a realização de testes setoriais e regionais e a condução de um teste-piloto no setor público.

Acrescente-se que o relatório recomenda a implementação de incentivos ao nível do trabalhador, como acesso facilitado ao trabalho a tempo parcial ou benefícios para pais com filhos pequenos e trabalhadores perto da idade de reforma. A nível empresarial, sugerem-se benefícios fiscais ou alívio de regulamentações burocráticas para empresas que adotarem a semana de quatro dias.

O relatório sugere que a semana de quatro dias pode ser uma prática viável e benéfica para empresas e trabalhadores, promovendo um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal, melhorando a saúde mental e física e aumentando a produtividade. A continuidade dos testes, os incentivos e as mudanças legislativas são essenciais para a sua implementação bem-sucedida em Portugal.