Estamos provavelmente familiarizados com o significado da expressão «sustentabilidade económico-financeira». Também estamos acostumados a ouvir falar em «sustentabilidade ambiental». Se fôssemos capazes de assegurar estas dimensões nos nossos contextos empresariais, políticos ou outros, já estaríamos um passo à frente de muitos negócios e políticas públicas. No entanto, para o Papa Francisco é necessário acrescentar mais dimensões ao conceito de «sustentabilidade»
POR AFONSO ESPREGUEIRA, SJ

No seu discurso de encerramento do primeiro e tão esperado encontro presencial da Economia de Francisco, o Papa destacou três dimensões por explorar da sustentabilidade que serão necessárias para uma nova economia que não deixe ninguém para trás, cuide da nossa Casa Comum e gere paz: são as dimensões social, relacional e espiritual.

A sustentabilidade social, referiu o Papa, começa a ser reconhecida e vamo-nos dando conta de que «o grito dos pobres e o grito da Terra são o mesmo», pelo que não podemos tratar os problemas ambientais sem considerar o seu efeito nas pessoas mais pobres. Sinal desse reconhecimento é, por exemplo, o facto de instituições respeitadas como o FMI se dedicarem a estudar a relação entre o crescimento económico e a desigualdade, apontando para uma diminuição do crescimento e da estabilidade macroeconómica, pelo menos no longo prazo, quando a desigualdade é maior. De facto, uma sociedade muito desigual torna-se deslaçada e menos coesa e pode prejudicar o seu futuro. O combate às desigualdades e a atenção simultânea aos pobres e ao ambiente é, pois, muito relevante para a saúde da economia e da sociedade.

No que diz respeito à sustentabilidade relacional, o Papa Francisco notou como, em muitos lugares do mundo, as relações das pessoas se estão a empobrecer e as comunidades estão a ficar mais frágeis. Em particular, a família «sofre uma grave crise, e com ela o acolhimento e a preservação da vida». E nós, procurando saciar os nossos vazios no consumismo, vamo-nos tornando mais solitários. Gera-se uma «carestia de felicidade». A este respeito, são interessantes os estudos sobre a ligação entre felicidade e rendimento, que não mostram uma relação tão linear como seria de esperar. Efectivamente, o homem é um ser relacional, que se descobre e descobre o mundo em relação com outros, pelo que esta fuga do ser para o ter não pode trazer bons frutos. Assim, é importante que a economia, em especial o mundo do trabalho, permita que as pessoas tenham tempo para se encontrarem e estarem juntas. Isso traz felicidade.

Finalmente, quanto à sustentabilidade espiritual, o Papa Francisco defendeu que estamos carentes dela, carentes de sentido, e que estamos a perder o capital espiritual acumulado ao longo dos séculos pelas religiões e tradições. «E assim, sobretudo os jovens sofrem por causa desta falta de sentido: muitas vezes, diante da dor e das incertezas da vida, encontram-se com a alma depauperada de recursos espirituais para elaborar sofrimentos, frustrações, desilusões e lutos.» Este olhar espiritual sobre o mundo, que nos ajuda a encontrar sentido para a nossa vida, desgasta-se, quando (novamente) passamos do ser ao ter e desvalorizamos o imaterial para hipervalorizar o material. Que importa ter muitos bens e saber como fazer (técnica) se nos falta depois um «porquê» ou «para quê», que oriente as nossas escolhas e nos dê um fim para o qual apontar (sentido)?

O ser humano, «antes de ser um averiguador de bens, é um indagador de sentido», como disse o Papa, pelo que é crucial recuperar o capital espiritual das sociedades, para que a nossa economia seja habitada por pessoas e não por máquinas e esta possa servir verdadeiramente o ser humano e o seu fim último. Desta forma, é importante que a economia dê espaço à cultura, às artes e à religião, que dê espaço à «utilidade do inútil» que chumba nos testes de produtividade, mas fornece o património espiritual tão necessário para a sustentabilidade de uma sociedade.

Em síntese, para uma verdadeira Economia de Francisco, é necessário atender a estas três dimensões da sustentabilidade, para além de outras mais conhecidas. Em todas elas, temos muito a aprender com S. Francisco de Assis, que, alimentado por Deus, tinha bem presente o sentido da sua vida e vivia em harmonia com as pessoas e com toda a Criação, desejando cuidar dos pobres e do ambiente e ser pobre com os pobres.

Em Assis, naquele encontro de uma comunidade nascente, algo disto experimentámos, pelo menos em desejo, mas urge trabalhar de forma mais consistente e intencional, para promover uma sustentabilidade que vai para além da ecologia e das finanças. Se assim não for, a Economia de Francisco não será muito diferente nem terá muito a acrescentar em relação a tantos outros movimentos que trabalham por uma economia mais verde – provavelmente melhor e com mais experiência, meios e conhecimentos técnicos.

Afonso Espregueira, SJ

Jesuíta desde 2017, tem formação em Economia, Estudos de Desenvolvimento e Filosofia. Actualmente vive em Santo Tirso e trabalha no Colégio das Caldinhas.