O mundo está mais polarizado, o que origina o aumento da corrupção e da violência contra aqueles que se manifestam em prol da justiça e dos direitos humanos. Foi com foco nesta ideia, e apelando à acção, que se realizou recentemente a 18ª Conferência Internacional Anti-Corrupção. A atribuição do Prémio Anti-Corrupção foi um dos momentos mais marcantes do evento. As galardoadas foram duas mulheres que se destacaram pela investigação e denúncia de escândalos de corrupção em Malta e em Espanha, pondo em risco (e perdendo, num dos casos) a própria vida
POR MÁRIA POMBO

Com o objectivo de combater a corrupção e estimular o debate – e a acção – em torno deste problema que tem inúmeras consequências a nível mundial, a 18ª Conferência Internacional Anti-Corrupção (IACC, na sigla original) realizou-se recentemente em Copenhaga, na Dinamarca. Sob o tema “Juntos pelo desenvolvimento, paz e segurança: é tempo de agir”, o evento foi organizado pelo Ministério Dinamarquês dos Negócios Estrangeiros em conjunto com a Transparency International e com o próprio Conselho IACC.

A atribuição do Prémio Anti-Corrupção, o qual reconhece pessoas e/ou organizações que lutam activamente contra a corrupção e são considerados uma inspiração e um modelo a seguir nesta matéria, foi um dos momentos mais marcantes da conferência. O júri foi composto por nove especialistas em diversas áreas (como direito, jornalismo e economia) que foram escolhidos pelo trabalho desenvolvido em prol dos direitos humanos e da integridade.

Garantindo a diversidade, a igualdade de oportunidades e o direito de participação a todos, independentemente da localização geográfica dos projectos ou da situação socio-económica dos seus promotores, este prémio pode ter um grande impacto em termos de desenvolvimento económico, social e político, dando a conhecer alguns dos melhores projectos e trabalhos de investigação que se fazem a nível mundial.

Entre mais de mil candidaturas, o prémio deste ano foi atribuído a duas mulheres – Daphne Caruana Galizia e Ana Garrido Ramos – que se destacaram pela denúncia de crimes de corrupção em Malta e em Espanha, arriscando (e perdendo, inclusivamente no primeiro caso) a própria vida.

Um dos galardões foi atribuído a Daphne Caruana Galizia, uma falecida jornalista maltesa que ficou reconhecida pelo seu trabalho de investigação e pela coragem de expor os maiores escândalos que envolvem políticos influentes e outros indivíduos poderosos daquela nação e de países vizinhos.

Na cerimónia de entrega de prémios, o seu filho sublinhou que se perdeu “a voz mais poderosa na luta pela integridade” em Malta. Reforçando que nada compensará a falta que Daphne faz, enquanto mãe e jornalista, o jovem aproveitou o momento para sublinhar que este reconhecimento “permite não só continuar a ter esperança, como também ter a certeza de que uma grande parte do mundo espera” que a justiça seja feita. Importa explicar que a jornalista foi vítima de homicídio, no dia 16 de Outubro de 2017, tendo perdido a vida numa explosão, e que os alegados autores do crime estão a ser investigados. A respeito deste incidente, os seus familiares exigem agora responsabilidades ao Estado maltês, considerando que o mesmo não a protegeu devidamente após as denúncias de corrupção que fez.

[quote_center]Actualmente, as políticas polarizadas incentivam muitos ódios: populismo e extremismo, violência, violações dos direitos humanos, tráfico e dinheiro ilícito, destruição ambiental e migração forçada[/quote_center]

O segundo galardão foi atribuído a uma delatora e investigadora. Tendo começado por ser, em 2009, apenas uma pequena averiguação, o denominado “Gürtel case” transformou-se numa grande investigação (e posterior denúncia) de um caso de corrupção, levado a cabo por Ana Garrido Ramos, motivo pelo qual a espanhola foi agora reconhecida pela IACC. Trata-se de um extenso trabalho que põe em evidência um conjunto de práticas corruptas no município de Boadilla del Monte, situado na área metropolitana de Madrid, expondo um esquema entre o Estado espanhol e um líder empresarial, através do qual eram feitas transferências de dinheiro (mais conhecidas como subornos) para o então Partido Popular.

O papel de denunciante deste escândalo levou à queda, em Junho do presente ano, do governo de Mariano Rajoy, mas também fez com que Ana Garrido Ramos passasse a ser alvo de diversas perseguições ao longo dos últimos anos. No momento da entrega do Prémio Anti-Corrupção, a espanhola sublinhou que, no seu país “infelizmente arruína-se a vida dos denunciantes” e que “os corruptos, por outro lado, recebem promoções e privilégios”, reforçando que “Espanha precisa de uma lei que proteja os delatores e de ferramentas que mitiguem a corrupção”. No seu discurso, a advogada referiu ainda que “não existem objectivos impossíveis, mas sim pessoas que não lutam para os alcançar”.

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Cinema e música: dois veículos de luta por um mundo melhor

A Conferência Internacional Anti-Corrupção acontece de dois em dois anos, desde 1983, e conta com a participação de líderes governamentais e empresariais, representantes de organizações sociais e cidadãos “comuns” que lutam pela transparência e integridade.

Para além da cerimónia da entrega do Prémio Anti-Corrupção, os participantes puderam assistir a diversas palestras nas quais ouviram alguns oradores a abordarem e debaterem temas relacionados com a promoção dos direitos humanos e a luta contra as desigualdades. Complementarmente, e com o intuito de incentivar os participantes a passarem das palavras à acção e a conhecerem aquilo que se passa em outros países e comunidades, o evento também contou com inúmeros momentos dedicados ao networking e à partilha de ideias e experiências.

Paralelamente, os participantes foram ainda presenteados por várias sessões de cinema, denominadas de Filmes pela Transparência. Considerando que a sétima arte tem um grande impacto junto dos cidadãos, mostrando-lhes realidades que muitas vezes desconhecem ou com as quais não convivem diariamente, apresentar uma série de documentários ao longo dos três dias fez todo o sentido para a organização.

Ao todo foram apresentados oito filmes baseados em factos verídicos e que contavam as histórias de activistas, jornalistas, advogados e delatores de crimes de corrupção, dando a conhecer as dificuldades que já enfrentaram e os riscos que já correram. Para além disso, os documentários escolhidos também apresentaram os meandros de realidades como o papel da justiça internacional e as relações entre instituições supranacionais.

No fim de cada sessão, houve sempre tempo para debate de ideias entre as equipas de produção dos filmes e o público presente. Tal como nos restantes momentos da conferência, o intuito era dar aos cidadãos ferramentas para que pudessem promover a luta contra a corrupção nas suas comunidades, passando das ideias à acção.

Para aqueles que pensam que um evento desta natureza é destinado apenas a líderes e que as soluções podem não estar ao alcance de todos, um conjunto de músicos convidados provaram que, por via de diferentes estilos, conseguem utilizar a sua arte e aquilo que melhor sabem fazer para promover os direitos humanos e lutar por um mundo melhor. Dedicado especialmente aos participantes mais jovens, o festival Fair Play demonstrou que é possível ultrapassar barreiras, sendo a música apenas um de muitos veículos para o fazer.

O rapper e activista Yasiin Bey foi um dos músicos convidados e é a prova de que é possível lutar por um mundo melhor, utilizando a sua voz para combater o racismo e a xenofobia. Por seu turno, e através de uma fusão de hip-hop indiano, Rain in Sahara procura resolver problemas como a corrupção, as desigualdades e a degradação ambiental. Recorrendo a ritmos mais latinos, a banda colombiana Haga Que Pase procura transmitir uma mensagem positiva a todas as comunidades que enfrentam dificuldades a nível político naquele país. Por fim, e através do raggae, o músico e também activista Nasseman utiliza a sua voz para levar a esperança e a consciência aos cidadãos mais carenciados da Libéria.

Na última edição da IACC, que se realizou em 2016 no Panamá, foi feito um apelo a que se promovesse a justiça, a equidade, a segurança e a confiança. Porém, de acordo com a organização, “actualmente, as políticas polarizadas incentivam muitos ódios: populismo e extremismo, violência, violações dos direitos humanos, tráfico e dinheiro ilícito, destruição ambiental e migração forçada”. Neste contexto, e devido ao aumento da corrupção (praticada de diversas formas) e da violência contra jornalistas, activistas e cidadãos comuns que se manifestam contra as injustiças, a edição deste ano procurou a promoção do desenvolvimento sustentável, da segurança e da paz.

Fazendo um apelo à união de esforços para que se alcancem os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a organização do evento sublinhou que “este é o momento de transformar as promessas em acção e combater a corrupção, promovendo a transparência”.

Agir foi, sem dúvida, a palavra de ordem de todo o evento.

Jornalista