Apesar de todos os pactos internacionais já firmados, o acesso à educação continua a ser violado de forma sistemática, condenando milhões de pessoas à pobreza e à exclusão social. No regresso às aulas, a Rede GIAN relança a campanha global “Direito à educação, direito à esperança”, que visa (ainda) assegurar este direito fundamental. Ao VER, a directora da Fundação Gonçalo da Silveira, que promove a iniciativa em Portugal, explica como “a educação é o maior motor para a paz e para a liberdade”
POR GABRIELA COSTA

Numa altura marcada pelo regresso às aulas de milhões de alunos em todo o mundo, é preciso recordar que existem ainda 263 milhões de crianças e jovens fora do sistema de ensino, de acordo com dados recentes da UNESCO.

Defendendo que este é um direito humano fundamental, a campanha “Direito à educação, direito à esperança“, agora numa segunda fase de divulgação associada às escolas, visa informar sobre a situação actual de desigualdade e iniquidade no acesso à educação a nível mundial e consciencializar para a responsabilidade de todos na defesa, promoção e exigência de universalização deste direito, no quadro dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

© UNESCO
© Edujesuit

Destinando-se a crianças e jovens entre os 4 e os 18 anos de idade, a docentes e educadores de estabelecimentos de ensino e centros educativos, mas também a todas as pessoas comprometidas com o direito à educação, esta campanha global lançada pela Rede GIAN pelo Direito à Educação de Qualidade (grupo de organizações jesuítas dedicadas à educação que reúne esforços e recursos para a incidência pública e promoção das mudanças políticas e culturais necessárias para alcançar o direito, sem discriminação, a uma educação de qualidade), advoga que a educação é um direito humano universal; que todas as pessoas têm direito a uma educação de qualidade, não a qualquer tipo educação; que a educação deve estar disponível, ser acessível, adaptada e aceitável para todas as pessoas; que negar este direito significa exclusão e pobreza; e que garanti-lo a todas as pessoas não só é possível, com o compromisso de todos, como é uma responsabilidade pessoal e colectiva.

Através da plataforma Edujesuit.org, espaço de comunicação e participação da Rede GIAN onde pessoas e organizações empenhadas na defesa e promoção do direito à educação partilham experiências e trabalho, a campanha disponibiliza gratuitamente para consulta e download um pacote de recursos didácticos que inclui um guia de conteúdos de apoio para educadores, uma unidade didáctica com actividades para crianças e jovens e um guia com actividades para professores e formadores. Os materiais da campanha estão disponíveis em inglês, francês, espanhol e português.

Em Portugal, a Fundação Gonçalo da Silveira (FGS), Organização Não Governamental para o Desenvolvimento que promove projectos e acções nas áreas da cidadania global, desenvolvimento, ecologia integral e direito à educação de qualidade, e que integra a referida rede internacional formada por várias organizações jesuítas, é a promotora da campanha de sensibilização “Direito à educação, direito à esperança”.

[pull_quote_left]A educação salva vidas e transforma vidas. É o fundamento da sustentabilidade. Por isso, deve haver uma colaboração entre todos os sectores do desenvolvimento para que seja um direito universal” – Irina Bokova, Diretora Geral da UNESCO[/pull_quote_left]

Em declarações ao VER a directora da FGS sublinha, no âmbito do objectivo de consciencializar para a importância da educação enquanto direito humano universal, que este “é o maior motor para a paz e para a liberdade”, permitindo “reduzir a pobreza e salvar vidas”, ao mesmo tempo que constitui “a chave para o desenvolvimento sustentável, possibilita a capacitação de meninas e mulheres e fortalece a democracia”.

Mas, como alerta Teresa Paiva Couceiro, “apesar da sua importância e de todos os pactos internacionais já firmados, o direito à educação continua a ser violado de forma sistemática, condenando milhões de pessoas por todo o mundo a uma situação de pobreza e de exclusão”. Neste contexto, a relevância desta iniciativa global que pretende alertar para uma situação “de desigualdade e de iniquidade” e apelar “à responsabilidade pessoal e colectiva de defender, promover e exigir o direito de todas as pessoas a uma educação inclusiva, de qualidade e ao longo de toda a vida”, é cada vez maior.

Relativamente às unidades didácticas elaboradas a pensar na formação de crianças e jovens do 1º ciclo do ensino básico ao secundário, a directora da FGS sublinha o facto de estes conteúdos serem gratuitos e se dirigirem “a qualquer educador, sejam professores, pais ou outros”, que os podem usar e partilhar de uma forma simples e intuitiva, através de um simples clique – já que os materiais estão disponíveis online, através da página da Fundação ou na rede Edujesuit, e a campanha é divulgada nas redes sociais (Facebook e Twitter). Para Teresa Paiva Couceiro, “o desafio é pôr as nossas crianças, jovens, comunidades (e nós próprios) a pensar a importância da educação”.

© UNESCO
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Da educação para todos à educação 2030

Em 2016, 781 milhões de pessoas adultas não sabem ler nem escrever. 124 milhões de crianças no mundo não concluem o ensino primário e muitas das que terminam não adquirem as competências básicas pela má qualidade da educação. Um em cada seis adolescentes (entre os 12 e os 15 anos) está fora da escola, num total de 65 milhões. Uma em cada quatro crianças em zonas de conflito não frequenta a escola. 40% da população mundial não tem acesso à educação numa língua que fale ou entenda. Um em cada oito jovens está desempregado. Por detrás destes dados da UNESCO e da UNICEF há muitas pessoas a quem está a ser negado um direito básico: a educação.

[pull_quote_left]Depois de ter tido uma infância em que era escrava de toda a escuridão, só na reforma aprendi a ler. Agora sei muitas coisas. Fui parteira, salvei crianças. Agora sou ‘rica’ – Chefa, ex-aluna de um programa de alfabetização de Fe y Alegría (Peru)[/pull_quote_left]

As populações que sofrem maior exclusão educativa são as que vivem em contextos rurais isolados, em situações de pobreza (convém ter consciência que as crianças mais pobres têm quatro vezes menos probabilidades de ir à escola que as mais ricas), as meninas e mulheres (duas em cada três pessoas adultas analfabetas são mulheres), as que pertencem a grupos étnicos minoritários, os migrantes, refugiados ou deslocados, as que vivem em zonas de conflito, e ainda aquelas que têm necessidades especiais (cerca de 150 milhões de menores têm algum tipo de deficiência).

As consequências da falta de acesso a uma educação de qualidade são evidentes: As pessoas excluídas do sistema educativo não contam com as oportunidades necessárias para o pleno desenvolvimento da sua personalidade. O desenvolvimento insuficiente de competências para a vida afecta as suas relações e a tomada de decisões no quotidiano. Esta falta de acesso aumenta o abandono do sistema educativo e, consequentemente, a desigualdade, e alimenta o círculo vicioso de marginalização e pobreza. Limitam-se as oportunidades de trabalho estável e satisfatório e aumentam as frustrações resultantes de não se poder cumprir as expectativas naturais de apoio à família e a sensação de não contribuir para a sociedade no seu conjunto. Daqui discorre o empobrecimento das sociedades, afectando o seu crescimento e bem-estar como nações. Fomenta-se então uma cidadania passiva e acrítica, com maiores probabilidades de aceitação de governos corruptos. E também o perigoso recurso à violência para resolver os conflitos.

[pull_quote_left]Com colaboração, liderança e investimentos acertados em educação (a base do progresso de qualquer país) podemos transformar a vida das pessoas e do nosso mundo em geral” – Ban Ki-Moon, secretário-geral Das Nações Unidas[/pull_quote_left]

Os argumentos enunciados pela responsável da UNICEF, Catalina Turbay Restrepo, em 2000, precisam ainda de resposta em 2015, ano em que do World Education Forum, realizado em Maio na Coreia do Sul, sai a Declaração de Incheon, que vem reafirmar que “a educação é um bem público, um direito humano fundamental e a base para garantir a realização de outros direitos. É essencial para a paz, a tolerância, a realização humana e o desenvolvimento sustentável”. E reconhecer que é também “a base para conseguir o pleno emprego e a erradicação da pobreza”, comprometendo-se a centrar esforços “no acesso, equidade, inclusão, qualidade e resultados da aprendizagem, com base no enfoque da aprendizagem ao longo de toda a vida”.

Na Declaração, intitulada “Education 2030: Towards inclusive and equitable quality education and lifelong learning for all”, os líderes desta iniciativa que visa construir uma nova e poderosa agenda para a educação, capaz de (finalmente) transformar a vida de milhões de pessoas – a UNESCO, em colaboração com a UNICEF, o Banco Mundial, o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, na sigla em inglês), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), a agência da ONU para a igualdade de género e empowerment das Mulheres (UN Women) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR) –, comprometem-se, mais concretamente, a promover oportunidades de aprendizagem de qualidade “ao longo da vida, para todos, em todos os contextos e em todos os níveis educativos”. E admitem a importância de proporcionar “vias de aprendizagem flexíveis”, e de reconhecer, validar e acreditar os conhecimentos, aptidões e competências adquiridas através da educação informal e não formal.

© UNESCO
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Do compromisso global à (falta) de vontade política

Já em Setembro de 2015, os Estados-Membros da ONU aprovaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que parte de um conjunto de 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para reconhecer que os actuais desafios do desenvolvimento, como a erradicação da pobreza, a luta contra as crescentes desigualdades e injustiças e o combate às alterações climáticas, só podem ser ultrapassados a partir de um compromisso sério e conjunto dos Estados.

Esta é realmente uma agenda universal, construída com a participação de todos os países, mas para as suas metas serem alcançadas, terá de ser efectivamente trabalhada com vista ao cumprimento dos vários objectivos previstos em todos os países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, e com o verdadeiro compromisso de todos.

[pull_quote_left]“São as nossas armas mais poderosas. Uma criança, um professor, um livro e um lápis podem mudar o mundo” – Malala Yousafzai[/pull_quote_left]

Depois de, em Maio de 2015, ministros de educação, chefes de organizações multilaterais e bilaterais, representantes da sociedade civil e do sector privado, docentes e jovens terem acordado a Declaração de Incheon, já com uma perspectiva de transformação até 2030, o Objectivo 4 dos ODS, relativo à educação de qualidade, compromete todos os países subscritores a garantir uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade e a promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas as pessoas, nos próximos 15 anos. Para tanto, já em Novembro do ano passado, a Assembleia da UNESCO aprovou o Quadro de Acção que define as directrizes e metas necessárias para alcançar o quarto Objectivo de Desenvolvimento Sustentável.

Recorde-se que, muito antes destas duas iniciativas, decorreu a Década da Educação (1990-2000), que foi considerada um fracasso; e que as seis grandes metas para garantir educação para todos até 2015, estabelecidas no Fórum Mundial sobre Educação em Dakar, em 2000, não foram alcançadas, embora se tenham produzido alguns avanços nesta matéria.

[pull_quote_left]Estudei engenharia mas deixei cedo a minha carreira para me dedicar à mudança social. Abri os olhos para a realidade de injustiça no primeiro dia de escola (na Índia) – Kailash Satyarthi, fundador da Marcha Global contra o Trabalho Infantil e ex-presidente da Campanha Mundial pela Educação[/pull_quote_left]

Ainda (e sempre), é possível reverter esta realidade, trabalhando os compromissos da comunidade internacional agora revistos e actualizados, em termos de agenda global. Mas, como bem previu, em 2001, e através do conhecido esquema 4A framework, a ex-relatora especial do direito à educação das Nações Unidas, Katarina Tomasevski, o direito à educação de qualidade não se atinge sem que sejam garantidas quatro dimensões essenciais e obrigações comuns a todos os países: os Estados são obrigados a que a educação esteja disponível; seja acessível a todos sem discriminação; seja aceitável em termos de qualidade, e culturalmente apropriada; e esteja adaptada às necessidades concretas das comunidades.

Às quatro dimensões iniciadas com a letra A, em inglês – Availability, Accessibility, Acceptability and Adaptability, juntou-se mais tarde, através do contributo de outros especialistas em educação, uma outra: a prestação de contas ou o quinto “A” de Accountability, exigindo que os Estados cumpram a sua obrigação de prestar contas aos cidadãos sobre as actuações que estão a prosseguir para garantir o direito universal à educação.

[pull_quote_left]É necessário clamar a favor da educação de todos. É necessário convencer com dados e com números que a educação é a mais importante das condições que impulsionam o progresso – José Maria Vélaz S. J., fundador de Fe y Alegría (1968)[/pull_quote_left]

Contudo, e como em todas as estratégias globais, nenhum processo educativo poderá ter sucesso sem vontade política e o compromisso de toda a sociedade. Por parte dos Estados, é uma responsabilidade prioritária tornar efectivo o direito a uma educação de qualidade, e uma obrigação garantir a equidade com que se redistribuem os recursos, e administrá-los de forma eficiente. Por parte de todas as pessoas, é um dever ser co-responsável e participar activamente na procura de soluções para os problemas educativos, na elaboração das políticas de educação e na monitorização do seu funcionamento.


O que os países têm que fazer para alcançar as metas educativas até 2030?

1 – Aumentar o número de estabelecimentos de ensino seguros, não violentos e inclusivos

2 – Garantir materiais de aprendizagem e mobiliário escolar adequado e aumentar o número de bolsas

3 – Aumentar a oferta de docentes qualificados

4 – Garantir o investimento necessário em educação

Fonte:
Campanha “Direito à educação, direito à esperança” – Edujesuit


Jornalista

1 COMENTÁRIO

  1. Concordo absoltumanete, fui professor e formador profissional e reconheço que a educação, intrução e formação com valores que levam o jovem a ganhar virtudes e seguir livrementre os seus ideias com responsabilidade e respeito é mesmo a base do fututo.

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