A matemática, os computadores e os génios dos “algos” (diminutivo de algoritmos) estão a condenar à extinção os corretores de suspensórios e os investidores tradicionais. Estes “algos”, estudando dados e estatísticas, dão ordens de compra e venda aos mercados em milésimas de segundo e provocam oscilações violentas mesmo antes do olhar humano mais sagaz as conseguir identificar. E aumentaram o risco sistémico nos mercados financeiros
O estudo refere que, desde o pico da crise financeira de 2008, que os mercados de futuros das commodities descolaram cada vez mais dos factores fundamentais ligados às leis da procura e da oferta das matérias-primas e que o que é comummente designado por especulação tem um papel cada vez maior. No entanto, a financeirização dos mercados de matérias-primas deriva cada vez menos da acção dos protagonistas tradicionais do investimento especulativo. Estamos a assistir à entrada progressiva dos “algos”, diminutivo de algoritmos, nas negociações diárias nestes mercados. O relatório da UNCTAD examinou em detalhe os contratos para a variedade do crude WTI norte-americana no NYMEX, bem como do açúcar, do trigo, do milho, do gado vivo e de rebentos de soja, e os movimentos de preço ao milésimo do segundo, conhecidos por ticks entre 1996 e 2011. O peso dos “algos” afirma-se e isso vai significar, sublinha o relatório, que estes mercados vão estar cada vez mais sensíveis a efeitos desestabilizadores externos. O seu risco sistémico aumentou e, por isso, bolhas e derrocadas poderão ser mais regulares. Parece ficção científica A matemática substitui, em ritmo acelerado, os corretores gesticulando, em momentos de euforia ou de pânico, apanhados pelos fotógrafos, dando azo à sua “alma animal”, como alcunhava Keynes. Um dia destes tais cenas humanizadas dos booms e das derrocadas financeiras só mesmo em películas da memória do cinema. Os crânios da matemática e da computação assaltaram estas profissões e estão fora dos olhares dos cidadãos em 400 firmas num universo de 20.000 que trabalham nos mercados bolsistas, segundo dados do AITE Group. Esta revolução deu-se em virtude do salto na digitalização da última década. A desmaterialização dos processos no sector financeiro permitiu esta substituição progressiva dos corretores de carne e osso pelos corretores automáticos invisíveis. O pontapé de saída foi dado pela autorização de funcionamento de plataformas de negociação eletrónica por parte da Securities and Exchange Comission (SEC) norte-americana em 1998. “Primeiro, os mercados tornaram-se electrónicos e automáticos. Depois, os participantes nos mercados automatizaram as suas estratégias de negociação. A HFT acabou por ter um crescimento significativo desde meados da primeira década do século XXI”, refere-nos o especialista Albert J. Menkveld, da Escola de Finanças Duisenberg, em Amesterdão. O que defrontamos hoje é “um sistema de máquinas em que vemos o declínio da capacidade humana para influenciar os movimentos de preços em escalas de tempo cada vez mais pequenas. Já não se trata mais de um sistema misto homem-máquina como nos anos 1990 com o corretor de suspensórios olhando os ecrãs de computador”, diz-nos o físico norte-americano Neil Johnson, do Departamento de Física da Universidade de Miami, que recentemente fez uma demonstração científica de como funcionam estes “algos”. Cresceu treze vezes E se a crise financeira poderia deitar um balde de água fria sobre esta actividade, foi justamente o contrário que sucedeu, diz o britânico Paul Wilmott, um doutorado de Oxford em matemática, especialista em derivados e risco, um dos expoentes das finanças quantitativas: “Decididamente, a HFT está a crescer a olhos vistos, e agora fora dos Estados Unidos”. O holandês Menkveld, por seu lado, considera que a HFT beneficiou o crescimento do Chi-X Europe (hoje BATS Chi-X Europe), actualmente a maior em volume e a mais rápida plataforma multilateral no mercado europeu de ações. Na Europa, a evolução é brutal nos últimos quatro anos: os corretores dominavam 67% das ordens em 2008 e este ano estima-se que o seu papel desça para 42%. “A marcha da automatização contínua e a negociação na base de algoritmos vai dominar a Europa. Subiu de 21% em 2008 para 37% em 2011, e estima-se que chegue aos 39% este ano. Se lhe somarmos as redes cruzadas, essa percentagem subirá para 45%”, diz-nos Rebecca Healey, analista sénior da TABB em Londres. Ainda segundo dados desta consultora, a taxa anual composta de retorno de um investimento realizado através do HFT será de 17% entre 2008 e 2012 contra uma taxa negativa de 11% para as ordens dadas pelos corretores de carne e osso. Mas a vaga do HFT já não se fica pelas bolsas de valores. Ela salpica transversalmente outras “classes” de activos, como as mercadorias (a que nos referimos acima), as divisas, os títulos e os derivados, refere Menkveld. No mercado dos câmbios, as firmas de HFT localizam-se em Chicago, Nova Iorque e Londres. Estas ferramentas criaram um fosso dentro dos agentes deste mercado financeiro. “Os grandes ganhadores são os fundos de alto risco [hedge funds], como o Renaissance Technologies ou o Citadel Group, que colocaram os seus computadores a trinta metros dos computadores que executam operações. Muita arraia-miúda nunca será capaz de o fazer nem mesmo de aprender. Não conseguirão investir em doutorados em ciência acabadinhos de sair das escolas que desenvolvem estes algoritmos”, sublinha-nos o consultor financeiro e tecnológico Peter Cohan, em Boston. As primeiras “derrocadas instantâneas” A derrocada de 6 de maio foi acompanhada, com estupefacção, em todo o mundo quase em direto durante os trinta minutos que decorreu. O índice norte-americano Dow Jones Industrial Average caiu 998,5 pontos, a mais colossal queda intra-diária jamais registada, levando à evaporação de quase um bilião de dólares de capitalização, para, de seguida, recuperar meteoricamente, com a segunda maior subida de 1010,14 pontos. Também nos futuros ocorreu o mesmo padrão: o índice do E-mini S&P 500 (uma plataforma eletrónica de futuros no Chicago Mercantile Exchange) colapsou 5% em quinze minutos. Por sorte, o evento ocorreu a meio da tarde nos Estados Unidos. Se a derrocada tivesse acontecido no fecho, sem recuperação possível, teria desencadeado um cenário de pesadelo que contagiaria a reabertura dos mercados na Ásia e, depois, na Europa no dia seguinte. O mistério do evento levou os governos americano e britânico a estudar o assunto como questão de segurança e muitos cientistas, sobretudo os ligados à corrente da teoria da complexidade, a mergulharem nesta “prenda” dada pelos mercados financeiros. A SEC não considerou que a culpa fosse da HFT. Estas ferramentas apenas “exacerbaram” a derrocada, concluiu. A explicação principal, segundo o regulador, derivou de “factores conjunturais”. Entretanto, já se registaram três eventos deste tipo fora do sector bolsista. A 17 de março de 2011, ocorreu uma mini-derrocada instantânea no mercado cambial do iene e a 31 de março do mesmo ano no mercado de negociação de fundos de investimento no Nasdaq e no NYSE/Euronext. A 8 de junho do mesmo ano, deu-se um fenómeno similar no mercado do gás natural nos EUA, que foi atribuído a um “algoritmo malicioso”.
Jorge Nascimento Rodrigues é editor de www.gurusonline.tv, www.janelanaweb.com e geoscopio.tv. É igualmente Editor Executivo da Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão e colaborador do semanário Expresso. Adaptado de artigo publicado na edição impressa do Expresso de 10 de março de 2012. |
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