“De génio e de louco todos temos um pouco”, diz o adágio popular. O problema é quando são os loucos geniais a decidirem o futuro do planeta, as políticas dos países ou a gestão das empresas. O tema não é original e, por isso mesmo, exige preocupação. Depois de uma nova pesquisa, transformada em livro, sugerir que quatro por cento dos CEO possuem traços psicopáticos, o VER foi à procura das desordens mentais que parecem proliferar nos ambientes organizacionais
POR HELENA OLIVEIRA

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De acordo com as estatísticas, 1 em cada 100 pessoas tem traços de psicopatia. Mas, a incidência das características que definem os psicopatas sobe para 4% entre os CEO. Esta foi uma das “descobertas” feita pelo jornalista e escritor Jon Ronson enquanto fazia pesquisa para o seu último livro: The Psychopath Test: A Journey Through the Madness Industry.

O jornalista britânico e autor de livros que se transformaram em filmes de sucesso, como é o caso de “O Homem que matava cabras só com o olhar”, com um elenco de luxo que incluí George Clooney, Jeff Bridges e Kevin Spacey, mergulhou no mundo das desordens mentais e dos perfis criminais para tentar perceber o que transforma alguma pessoas em psicopatas – predadores perigosos que não possuem mecanismos de controlo de comportamento nem sentimentos “naturais” que todos nós damos como garantidos. E uma das coisas que aprendeu ao longo da sua pesquisa prende-se com esta percentagem de pessoas que, com traços psicológicos específicos, conseguem chegar aos mais altos cargos da gestão de grandes empreendimentos.

O best-seller que entrou directamente para o top dos livros mais vendidos do The New York Times não é, de longe, o primeiro sobre esta temática, que há várias décadas fascina estudiosos de vários quadrantes. E, de tempos a tempos, surgem livros, estudos e artigos que “comprovam” que alguns CEOs são psicopatas bem-sucedidos, sendo que os criminosos que escondem cadáveres nos seus jardins são os denominados psicopatas mal sucedidos.

De acordo com Robert Hare, o criador do Teste de Psicopatia (uma checklist de 20 itens), largamente utilizado por forças policiais especiais como o FBI e outras unidades de comportamento criminal, “os psicopatas possuem uma ausência profunda de empatia; utilizam as pessoas de forma cruel e sem qualquer tipo de remorso para atingir os seus fins; seduzem as vítimas com um charme hipnótico que mascara a sua verdadeira natureza de mentirosos compulsivos, de mestres na arte de enganar e de manipuladores sem coração. Com tendência para se aborrecerem facilmente, procuram estímulos constantes, pois o que os excita é ganharem “jogos” da vida real, ao mesmo tempo que retiram todo o prazer possível do poder que têm relativamente aos outros”.

Um dos perfis que encaixa perfeitamente na “lista” de Hare [e que serviu de base ao trabalho de Ronson] é Al Dunlap, o antigo CEO da Sunbeam, conhecido, entre outras coisas, por ter sido um impiedoso downsider. Com uma alcunha, no mínimo, digna de um bom filme de terror –Chainsaw Al ou o homem da motosserra – foi inúmeras vezes elogiado e ascendeu a vários cargos de topo, pois entre as suas várias especialidades – era também conhecido por ser o mestre das reestruturações – contava-se a facilidade com que despedia pessoas sem mostrar qualquer tipo de emoção. De qualquer das formas, quanto mais cruelmente as administrações das quais fazia parte se comportavam, maior era o seu valor accionista no mercado. O que leva à inevitável questão: será que estes traços de psicopatia podem ter um lado positivo?

“Nem todos os CEOs da Fortune 500 são psicopatas”
A boa notícia é dada pelo próprio autor da pesquisa mas que, em entrevista recente à revista Forbes, afirma também que o seu livro “oferece evidências de que a forma como o capitalismo está estruturado é, na verdade, uma manifestação física anómala do cérebro conhecida como psicopatia”. Explicando sumariamente qual a gradação do teste de Hare – cujo nível máximo é 40 – Ronson explica que uma pessoa que atinja 20 pontos é já digna de preocupação e que alguém com um score de 30 é já considerado como um psicopata verdadeiramente perigoso (em termos legais, o limite é 29 pontos). Obviamente que dentro de um espectro tão alargado, há que ter em conta os níveis absolutos sendo que o que mais é utilizado é a ausência literal de empatia. Nos psicopatas com as “notas” mais elevadas neste teste, “aquilo que ocupa o espaço deixado livre pela ausência de empatia é o verdadeiro gozo de manipular pessoas, sem qualquer tipo de remorso ou culpa”.

Mas e no que respeita a traços deste tipo de personalidade que parecem conduzir ao sucesso? Para Ronson, obviamente que existem traços que não gostaríamos de ver nos nossos chefes, como a dificuldade em controlar certo tipo de comportamentos. Mas, se for possível considerar outros aspectos como positivos e que constam também na checklist de Hare, os mais visíveis e atribuídos a CEOs de sucesso estão relacionados com a necessidade constante de serem estimulados e de não conseguirem lidar com situações em que nada acontece. “Quando se procura um CEO de sucesso, a ideia é que ele não se sente quieto, mas que esteja constantemente a pensar em novas formas de fazer as coisas”, afirma à Forbes. E alguns psicólogos consideram alguns destes atributos como positivos tal como a frieza sob situações de pressão, própria de líderes de sucesso e também de psicopatas. E, basicamente, os psicopatas com resultados elevados no teste de Hare podem ser líderes brilhantes, mas apenas por prazos curtos. Dando mais uma vez o exemplo de Al Dunlap, “o que eles querem fazer é ‘matar’ e passar para outro desafio”.

Mas é assim tão linear reconhecer tipos de psicopatia? Para melhor identificar os “sub-criminosos” ou os denominados psicopatas empresariais, Hare dividiu 20 características em dois subconjuntos ou “factores”. Os psicopatas empresariais tiveram uma pontuação mais elevada no Factor 1, aquele que inclui a categoria dos “egoístas, insensíveis e utilizadores sem remorsos de outros”. E inclui oito traços por excelência: frieza e charme superficial; sentimento exagerado do próprio valor; mentira patológica; ludibriar e manipular; ausência de remorso ou culpa; o efeito da superficialidade, ou uma frieza mascarada por actos emocionais dramáticos que, na verdade, faz deles excelentes actores; a já mencionada falta de empatia e a incapacidade de aceitar a responsabilização pelos seus próprios actos. Soa-lhe familiar? Em contrapartida, estes denominados psicopatas empresariais tiveram pontuações menos elevadas no Factor 2, cujos principais traços incluem “estilos de vida socialmente desviantes e instabilidade crónica” e que são facilmente atribuídos às pessoas que acabam atrás das grades por crimes bem mais horrendos do que a contabilidade criativa.

Numa linha análoga, duas psicólogas britânicas, Belinda Board e Katarina Frizon, realizaram uma investigação na Universidade de Surrey, para a qual entrevistaram e fizeram testes de personalidade a 39 executivos de topo britânicos, comparando seguidamente os seus perfis a criminosos acusados e a pacientes psiquiátricos. De acordo com os resultados, os executivos conseguiam ser até mais superficialmente charmosos, egocêntricos e desonestos que os criminosos e igualmente megalómanos, abusivos e sem mostras de empatia. E também estas duas investigadoras separam estes psicopatas em duas categorias: os bem-sucedidos executivos de topo e os criminosos, mal sucedidos – que são muito mais impulsivos e fisicamente agressivos.

Claro que para o comum dos mortais será fácil apelidar de monstro qualquer pessoa que tenha mais sucesso que ele próprio. E, se pensarmos num dos escândalos recentes que incluem “abuso de poder”, também não será difícil encontrar traços desumanizados e que constam no teste de Hare. Alegadamente, Dominique Strauss-Khan tem dificuldade em controlar o seu comportamento, é extremamente impulsivo e possui um comportamento sexual promíscuo. Por outro lado, é considerado como um sedutor bem-sucedido, mestre na arte da manipulação e um líder brilhante. O que não é suficiente – e ainda bem – para fazer generalizações. Mas, se escavarmos na literatura e na própria História, não faltam exemplos que ligam o sucesso a desordens mentais. E estes são encontrados nas mais altas esferas de poder da nossa sociedade: na política, nas finanças e nas empresas.

Empresas psicopatas
Robert Hare foi um dos entrevistados no documentário “The Corporation” que deu que falar nos já idos anos de 2005 e sobre o qual o VER já escreveu. Neste, era a própria empresa que, sentada no divã, era analisada e diagnosticada da seguinte forma: “enquanto psicopata, a empresa persegue implacavelmente os seus próprios interesses económicos, independentemente de quão destruidoras possam ser as consequências para os outros. Incapaz de sentir culpa ou consideração pelas pessoas e pelo ambiente, absurdamente egocêntrica, a empresa psicopata e os seus interesses desenfreados vitimam os indivíduos, a sociedade, e até mesmo os accionistas e podem levar as organizações à autodestruição, como têm vindo a revelar os diversos escândalos na Europa e Estados Unidos [na altura em que o documentário começou a ser feito, sofria-se a estupefacção relativamente à Enron e à WorldCom].

Mas e entretanto, a chamada responsabilidade social das empresas começou a constar no mapa de bom comportamento exigível e, no próprio documentário, esta entidade era igualmente descrita como “capaz de imitar qualidades humanas como a empatia, o cuidado com os outros e o altruísmo”.

A utilização de testes psicológicos para identificar desvios de personalidade são cada vez mais utilizados e em domínios muitos distintos. O próprio Hare, que iniciou a sua já longínqua pesquisa em estabelecimentos prisionais nos Estados Unidos – com uma incidência de cerca de 25% de psicopatas face à população prisional – estabeleceu uma parceria com um outro psicólogo, Paul Babiak, especialista em psicologia organizacional, para a elaboração do denominado B-Scan e que é comummente utilizado nas empresas quando, em períodos de recrutamento, surgem candidatos detentores de um MBA, mas com uma preocupante ausência de consciência. Hare foi citado, há vários anos, por toda a imprensa, quando afirmou numa conferência que “se não estivesse a estudar psicopatas na prisão, teria muito material de estudo na Bolsa de Nova Iorque”.

Ditadura e loucura
A tendência para relacionar indivíduos com traços de psicopatia e outros que chegaram ao topo de poder, financeiro ou político, já não é apenas apanágio de um grupo de psiquiatras com aparentemente pouco que fazer. Pelo contrário. Logo que a Primavera Árabe começou a sair para as ruas, multiplicaram-se as análises, recuperaram-se estudos e propuseram-se inúmeras teorias que tentam ligar directamente o poder a uma certa dose de loucura. O registo não é o mesmo, mas tem características similares.
Principalmente quando o clube de ditadores que se recusou a abandonar o poder mesmo sabendo que teria poucas hipótese de resistir, a história voltou a fazer manchete. Por exemplo, a revista Time escrevia, há umas semanas, que os ditadores parecem ter uma propensão psicológica para lutar pelos seus títulos custe o que custar. Nos registos públicos de muitos deles, de Estaline a Mao, passando por Saddam Hussein ou pelo próprio Khadafi – já é possível ver-se padrões que moldam estas personalidades ditatoriais. Pelo menos desde que o Office of Strategic Services encomendou um perfil secreto intitulado “A Psychological Analysis of Adolf Hitler,” e que foi divulgado em 1943, os psicólogos têm procurado uma explicação adequada para a mente autoritária. E novas pesquisas parecem estar agora mais perto de explicar como é que os líderes se transformam em déspotas. E se existem várias explicações para o comportamento ditatorial, uma delas é definida por serem exactamente psicopatas e considerada como a mais simples e sedutora explicação psicológica da ditadura. Definida mediante o termo anti-séptico “desordem de personalidade anti-social”, as suas características são, entre outras, “a realização repetida de actos que abrem terreno à detenção”, desonestidade, impulsividade e ausência de remorso.

É difícil pensar num ditador que não tenha demonstrado estes traços. Por exemplo, os ditadores não só mentem aos outros, como mentem a si próprios. “Se alguma vez Estaline chamou traidor a alguém, não eram só as mentes dos outros que ele estava a manipular”, escreve o historiador de Oxford Robert Servive na biografia sobre o ditador. De uma forma similar, Khadafi parece verdadeiramente acreditar não só que a oposição ao seu regime é igual à oposição à própria existência da Líbia mas, como ele mesmo afirmou, logo a seguir aos levantamentos populares se terem iniciado, que “todo o meu povo está comigo. Eles irão morrer para me proteger”. A diferença é que os verdadeiros psicopatas não são apenas assassinos mentiroso e sem remorsos, mas também cruéis e brutais, o que não acontece com a maioria dos ditadores, pelo menos no que respeita a perpetrar este tipo de actos pelas suas próprias mãos.

Scott Atran é um psicólogo da Universidade do Michigan que há duas décadas se dedica a estudar os “homens fortes” do mundo. E a sua principal conclusão é que é um impulso no sentido da moralidade, e não o sadismo ou a ambição, que move os homens com este tipo de personalidade. Hitler, por exemplo, recusou o equivalente a centenas de milhares de dólares para reclassificar um pequeno grupo de judeus austríacos como não judeus. De forma similar, Atran e a sua equipa têm vindo a publicar relatórios com evidências claras de que o regime iraniano ignora ofertas substanciais de ajuda para acabar com o seu programa nuclear, pois o considera “um valor sagrado” de independência.

Ambiente organizacional convida aos desvios de personalidade?
Voltando às empresas, Hare afirma também que o ambiente organizacional da actualidade se tem vindo a tornar cada vez mais “hospitaleiro” para este tipo de personalidades. Num estudo pioneiro e de longo curso efectuado pelo colega Babiak, este concentrou-se em algumas multinacionais (cujos nomes não foram revelados) e nas mudanças organizacionais dramáticas – desde downsizings severos, a reestruturações, fusões e aquisições – e concluiu que este tipo de tumultos abre terreno para a “eclosão” de personalidades desviantes. Para além de alertar para o facto de as guerras produzirem excelentes oportunidades para que psicopatas criminosos possam brilhar. Citando o exemplo de Slobodan Milosevic, da Sérvia – Babiak concluiu que estas perturbações criam um ambiente de boas-vindas aos “assassinos empresariais”. “O psicopata não tem qualquer dificuldade em lidar com as consequências de uma qualquer mudança dramática. Pelo contrário, é nestas alturas em que mais ‘floresce’”, afirmava Babiak numa entrevista à revista Fast Company em 2007. “O caos organizacional fornece o estímulo necessário para as emoções procuradas pelos psicopatas ao mesmo tempo que oferece a cobertura suficiente para a manipulação e para os comportamentos abusivos”, acrescenta.

Michael Maccoby, um psicoterapeuta e consultor de grandes multinacionais, afirma que é fácil este tipo de psicopatas atingir o sucesso na sociedade. É que na verdade são poucas as pessoas que conseguem descortinar o quão diferentes eles são da maioria de nós. Quando assumimos que eles se preocupam com os sentimentos dos outros, torna-se muito mais fácil para eles conseguirem “brincar” connosco. E, apesar de não terem empatia, desenvolvem, tal como um bom actor, a capacidade de a fingirem na perfeição. E mesmo não tendo a mínima preocupação no que respeita aos que os rodeiam, possuem um elemento de inteligência emocional que lhes permite observrem, com clareza, as nossas emoções e manipularem-nas.

A boa notícia é que parece ser possível fazer algo relativamente aos psicopatas empresariais. É do consenso científico que apenas 50% da nossa personalidade é influenciada pela genética, o que demonstra que os psicopatas são igualmente moldados pela cultura que os acolhe. Assim e apesar de ser uma boa ideia mantermo-nos atentos, está também nas mãos de todos nós contribuirmos para alterar a cultura organizacional que nos rodeia.

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Editora Executiva