Milhões de pessoas na Europa sofrem de exclusão financeira ou têm acesso a serviços financeiros reduzidos. Contrariando preconceitos, o estudo “Road to Inclusion”, recentemente divulgado, revela que muitas vivem no seu país de origem, trabalham e querem fazer parte da economia
POR GABRIELA COSTA

As conclusões do relatório Road to Inclusion, que visa alertar para as condições dos cidadãos afectados pela exclusão financeira, foram apresentadas a 18 de Setembro em Roma, na Conferência 2013 MasterCard Europe Prepaid. O documento destaca que “os preconceitos que ainda existem sobre esta matéria “estão longe de serem verdadeiros”.

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O estudo, da MasterCard, é o maior sobre inclusão financeira alguma vez realizado, tendo inquirido 631 pessoas financeiramente excluídas (sem acesso a serviços bancários formais) ou com acesso a serviços financeiros reduzidos (sem acesso a formas de pagamento electrónico), em seis países – Espanha, França, Itália, Polónia, Reino Unido e Rússia.

Com uma idade média de 40 anos, os inquiridos financeiramente excluídos são maioritariamente do sexo feminino (55%) e casados (51%). Uma larga maioria (81%) viveu toda a sua vida no país natal. Neste segmento, o maior grupo (40%) não recebeu qualquer forma de pagamento, salário, prestação social ou semelhante, nos últimos três meses. Já 35% receberam algum tipo de salário nesse período.

Por seu turno, as pessoas com serviços financeiros reduzidos têm também uma idade média de 40 anos e são, em 55% dos casos, mulheres, mas apenas 37% são casadas. A exemplo do que sucede com o grupo dos financeiramente excluídos, 83% dos inquiridos deste segmento viveram sempre no seu país de origem. O maior grupo no segmento dos que não têm acesso a qualquer forma de pagamento electrónico recebeu pagamentos da segurança social (36%) nos últimos três meses, enquanto um terço dos inquiridos neste segmento recebeu algum tipo de salário.

Um quarto não tem dinheiro para ter conta
Um quarto dos inquiridos diz que não tem dinheiro suficiente para não ter uma conta bancária, a principal razão apontada nesta questão por ambos os grupos. Não querer, não gostar ou não precisar de ter uma conta bancária, foram outras razões apontadas, a par de não lhes ser permitido ter conta ou não confiarem nos bancos.

A quase totalidade das pessoas financeiramente excluídas e com acesso a serviços financeiros reduzidos usa dinheiro para pagar a renda (98%) e as contas de serviços de utilidade pública (95%), guardando o seu dinheiro em recipientes, caixas e esconderijos secretos em casa. Para a MasterCard, esta atitude “limita as suas capacidades para beneficiar da internet em geral”, como a banca online e a possibilidade de efectuar compras com desconto online, e também dos serviços associados às contas bancárias, como os débitos directos.

Segundo a empresa de tecnologia na indústria de pagamentos, muitas destas pessoas “preferem efectuar trocas na vida real e a sua utilização da tecnologia limita-se às redes sociais, em vez de beneficiarem da conveniência e das poupanças associadas às compras e à banca online”.

“A quase totalidade das pessoas financeiramente excluídas usa dinheiro para pagar a renda e contas de serviços de utilidade pública, guardando o seu dinheiro em casa” .
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Quanto à utilização de telemóveis, dois terços dos participantes no estudo possuem um equipamento standard (66%), e “o mesmo número nunca ouviu falar do mobile banking” como uma alternativa a uma conta bancária comum. O acesso a computadores e portáteis é limitado para cerca de um quarto dos financeiramente excluídos na Europa.

Por último, e no âmbito do objectivo do estudo – avaliar o que significa a exclusão ou o acesso reduzido a serviços financeiros, e quais são as razões que desencadeiam as escolhas e estilos de vida dos milhões de pessoas que fazem parte deste grupo, para “poder prestar serviços que atraiam esta audiência marginalizada” –, a MasterCard fez um teste aos cartões pré-pagos, apurando se seriam apelativos para os cidadãos sem serviços bancários.

Os resultados do “Road to Inclusion” demonstram que 54% dos inquiridos consideram os cartões pré-pagos interessantes e gostariam de obter mais informação, enquanto 39% afirmam pensar que estes cartões seriam relevantes para as suas necessidades financeiras. Ainda que se sinta marginalizado pela exclusão digital, este grupo vê nos cartões pré-pagos uma solução para a inclusão financeira.

Pré-pagos combatem exclusão
Segundo o Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa (ver caixa), realizado pelo Banco de Portugal, 11% dos portugueses não possuíam conta no banco em 2010. Na opinião de Paulo Raposo, country manager da MasterCard em Portugal, os cartões pré-pagos são um instrumento imprescindível para o combate à exclusão financeira, “uma vez que não estão ligados a uma conta bancária”. Estes cartões permitem dispor de uma forma de pagamento cujo limite de utilização é determinado por um carregamento de dinheiro, possibilitando ao seu utilizador decidir o limite do montante a carregar no cartão.

A nível europeu, 43% dos excluídos auscultados para o estudo encomendado pela empresa ouviram falar de cartões pré-pagos mas não os utilizaram, enquanto 46% nunca ouviram falar destes cartões. Apesar da falta de conhecimento sobre esta matéria, 41% de todos os inquiridos reconhecem que iriam beneficiar dos cartões pré-pagos ao não terem de andar sempre com dinheiro, e 25% consideram que os cartões pré-pagos os ajudariam a controlar as suas despesas.

Jennifer Rademaker, senior vice president de Core Products Europe da MasterCard, defende que os cartões pré-pagos podem ser realmente a ponte para que muitas pessoas se sintam financeiramente incluídas, mantendo o seu dinheiro seguro e aprendendo mais sobre os orçamentos familiares. Esta via “é também importante para se sentirem social e tecnologicamente incluídas”, diz, “pelo que precisamos de fazer mais para educar estes grupos sobre as suas possibilidades: claramente não há uma fórmula mágica para todos, mas os produtos podem ser personalizados para ter em conta as diferentes circunstâncias de vida”.

Realizado em seis países europeus, como referido, o estudo conduzido pela Ipsos MORI em Junho e Julho de 2013 constituiu um inquérito quantitativo misto com uma abordagem etnográfica: foram inquiridas 631 pessoas financeiramente excluídas e que têm acesso a serviços financeiros reduzidos (sendo também incluídas pessoas com serviços financeiros reduzidos, mas com acesso a cartões pré-pagos); e 36 lares fizeram parte de uma entrevista etnográfica com a duração de um dia, nos vários países.

Os resultados do relatório mostram que as atitudes e comportamentos “não registam grandes diferenças entre geografias”, indicando que os problemas das pessoas afectadas pela exclusão financeira são “semelhantes em toda a Europa”. E é preciso sublinhar que só na Europa Ocidental existem 93 milhões de pessoas com pouco ou nenhum acesso a serviços bancários.

Considerando que “todos temos trabalho pela frente para preencher estas lacunas” para tantas pessoas financeiramente excluídas, Jennifer Rademaker alerta que “ainda existem barreiras à inclusão e necessitamos de estar vigilantes para que o ambiente legislativo na Europa continue a contribuir para reduzir fortemente a exclusão financeira”.

Hoje a via da inclusão financeira passa por possuir uma forma de pagamento electrónico, a qual traz “maior independência, segurança e capacidade de gestão do dinheiro”, e, a avaliar pelas conclusões do estudo da MasterCard, a maioria dos cidadãos financeiramente excluídos ou com acesso a serviços financeiros reduzidos está interessada nela.

Principais Resultados do Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa (2010)
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INCLUSÃO FINANCEIRA
. Cerca de 11% dos entrevistados afirmam não ser titulares de qualquer conta bancária.
. Entre os que não possuem conta bancária, 10% são trabalhadores por conta de outrem e mais de metade tem entre 16 e 24 anos, ou mais de 70 anos.
. 29% dos entrevistados que têm conta não possuem outros produtos financeiros.

PLANEAMENTO DE DESPESAS E POUPANÇA
. Metade dos entrevistados considera “muito importante” planear o orçamento familiar e apenas 11% o entendem como “pouco importante” ou “nada importante”.
. Cerca de 48% afirmam não fazer poupanças; desses, 88% referem que o rendimento não o permite e 7% não consideram prioritário fazê-lo.
. Apenas cerca de um quinto dos entrevistados poupam numa perspectiva de médio ou longo prazo.

HÁBITOS DE GESTÃO DA CONTA BANCÁRIA
. Cerca de 7% dos entrevistados referem não saber o valor do saldo da sua conta e 11% afirmam não ler os extractos bancários.
. Cerca de 40% dos entrevistados afirmam desconhecer as comissões que o banco cobra pela conta.
. Cerca de 35% dos entrevistados escolheram o seu banco por recomendação de familiar ou amigo e 23% pela proximidade de casa ou do local de trabalho.

ESCOLHA DE PRODUTOS BANCÁRIOS
. Para cerca de 54% dos entrevistados, o conselho dado ao balcão foi a primeira razão da escolha dos produtos bancários que detêm; apenas cerca de 8% referem a comparação entre produtos.
. Cerca de 22% dos entrevistados que detêm empréstimos não sabem o valor da taxa de juro que estão a pagar.
. Cerca de 15% não lêem a informação pré-contratual prestada pelas instituições.

COMPREENSÃO FINANCEIRA
. Perante um extracto bancário, 73% dos entrevistados identificam correctamente o saldo da conta.
. Apenas 9% dos entrevistados sabem como é formada a Euribor; cerca de 45% afirmam que é uma taxa definida pelo Banco Central Europeu.
. Apenas 17% dos entrevistados compreendem o conceito de spread.
. Cerca de 57% dos entrevistados revelam compreender a relação entre taxa de juro e taxa de inflação.

Fonte: Banco de Portugal

Jornalista