Immersive training ou aprendizagem por “imersão” é uma técnica de ensino associada à neurociência. Este artigo tem como base o trabalho do neurocientista Paul Zac[1] que tem vindo a explicar, através das suas publicações e conferências, o que professores, coaches e mentores devem ter em conta quando estão a acompanhar alguém num processo de aprendizagem. Os resultados estão alinhados com a experiência, mas dão novo fundamento às técnicas que sempre foram utilizadas pelos comunicadores mais populares
POR MARTA LINCE DE FARIA
Pode-se dizer que tudo começou quando alguns neurocientistas decidiram monitorizar a libertação de químicos por parte do cérebro humano durante uma formação e ver o que acontece dentro de nós quando valorizamos uma ideia.
Já todos respondemos a questionários de satisfação de formações e já todos ficámos com a sensação que as respostas ao questionário não refletem completamente a nossa valorização do mesmo. Muitas vezes, as perguntas não estão bem colocadas ou há normas sociais que queremos respeitar, acabando por não ser de todo sinceros. Na melhor das hipóteses esses questionários acabam por chegar a uma boa medida da experiência – “foi um dia bem passado” – em vez de medir a relevância do conteúdo da formação para a nossa vida.
A investigação conduzida nesta área procurou descobrir o que acontece no cérebro humano quando valorizamos uma experiência. Durante as primeiras experiências foi retirada uma amostra de sangue a um grupo de indivíduos a quem foi apresentado um vídeo de fundraising para apoiar uma causa social. Comparando o grupo de pessoas que acabou por fazer uma doação com o grupo de pessoas que não tomou nenhuma ação depois do vídeo – nesse momento recolheu-se nova amostra de sangue – verificou-se que, quase sempre, as pessoas que decidiram fazer a doação experimentaram aumento de dois neuroquímicos: o cortisol e a ocitocina.
Estes e outros estudos posteriores mostraram que uma experiência formativa leva a uma mudança de comportamento quando se ativam duas redes no cérebro. A primeira rede faz com que as pessoas prestem atenção e está associada ao nível de cortisol. A atenção gasta energia metabólica e o cérebro é “tacanho” com os seus recursos, diz Paul, por isso a atenção deve ser conquistada. A segunda rede cerebral necessária para estabelecer valor é a ressonância emocional da experiência e está associada à libertação de ocitocina. A última rede identifica a experiência como importante e faz com que o cérebro armazene a informação de uma forma que esta se torne facilmente acessível no futuro. As experiências emocionalmente ressonantes levam mais provavelmente a mudanças imediatas de comportamento e são recordadas mais facilmente semanas ou meses depois.
Para a maioria dos cientistas não foi surpreendente que a atenção fosse importante para motivar a ação, o que de fato apareceu como novo foi a necessidade de ressonância emocional.
Para Zac, a imersão é o estado neurológico produzido quando alguém está atento a uma experiência e é gerada ressonância emocional. A imersão é a razão pela qual as pessoas choram num filme, mesmo quando sabem que a história é fictícia e os personagens são atores contratados para desempenhar um papel. É por isso que um grande professor pode mudar o caminho académico de um aluno. A imersão é o motivo pelo qual uma boa formação pode ser recordada durante toda a vida.
Em que medida é que estes resultados podem ajudar as pessoas que se dedicam à formação? Zac desenvolveu tecnologia que permite medir em tempo real os níveis de ocitocina de uma pessoa. No entanto, penso que tanto pela necessidade de investir em aparelhos de medição como por alguma resistência que possa existir por parte dos participantes parece-me que será difícil generalizar à partida o uso desta tecnologia. Mas mesmo sem estes instrumentos é possível retirar algumas regras muito simples para aumentar a nossa efetividade como formadores.
- Preparação: o nosso cérebro gosta que antecipemos o que vamos fazer e que depois a façamos, sendo possível provocar na assistência esta sensação de antecipação com uma agenda ou com um sumário. Pense numa pessoa que tem umas férias programadas para o Havai: a preparação das férias e sua antecipação aumenta o grau de satisfação da pessoa. Outra alternativa é disponibilizar antes de uma sessão materiais que abram o “apetite intelectual” dos participantes
- Contar uma história é uma maneira fácil de envolver emocionalmente. Uma história não serve apenas para ajudar a descansar dos conhecimentos que estão a ser transmitidos, mas deve ser utilizada em favor da transmissão do conhecimento. Uma história bem contada com uma crise, personagens e um ponto de decisão, torna-se algo muito humanizador e comovente. Para a maioria das pessoas, há um momento de imersão nos segundos que se seguem à narrativa e, esse momento, pode e deve ser utilizado para transmitir uma mensagem importante.
- Variedade: alternar estilos de discurso com vídeos e imagens quando feito com “conta, peso e medida” ajuda o cérebro a descansar e ao mesmo tempo a “envolver-se” porque o nosso cérebro também gosta de variedade.
- Segurança Psicológica: depois do conhecido projeto da Google, o “Aristotle”, ficou claro que numa equipa o factor sucesso mais importante é a segurança percebida pelos elementos para manifestar novas ideias ou exprimir abertamente diferentes pontos de vista. A segurança psicológica também é extremamente importante na aprendizagem e pode-se fazer crescer com técnicas simples como uma pequena conversa informal com um aluno antes de uma aula, rirmo-nos de alguma situação caricata juntos, “metermo-nos” de maneira afável com alguma intervenção anterior, etc.
- Participação ativa: a imersão cairá com o tempo para qualquer orador por muito cativante, envolvente, engraçado, ou comovente que seja. O grau de imersão dos alunos diminui muito ao longo da exposição. Uma maneira de reverter a tendência negativa da imersão é dar oportunidades aos participantes para se envolverem ativamente. Quando os formadores pedem aos participantes que reflitam sobre o conteúdo entregue, a imersão aumenta. Quando pedem aos participantes que discutam entre eles um conjunto de questões, a imersão aumenta mais. E quando pedem que resolvam um problema ou criem algo novo, a imersão aumenta ainda mais.
- Pausas de recuperação: a necessidade física de comer, descansar e ter uma trégua mental pode por vezes superar a motivação dos participantes para aprender. A aprendizagem imersiva é metabolicamente cara, portanto, é fundamental programar intervalos. Uma boa prática é partir as unidades de formação de 60 minutos em 20 minutos de apresentação, 20 minutos para prática e 20 minutos para fazer o debrief, ou retirar conclusões. Os médicos por exemplo utilizam estas técnicas com os internos – see one, do one, teach one – o interno vê, o interno faz e depois falam para que o médico sênior ensine o que sabe.
Como dizia Plutarco “a mente não é um vaso que deve ser preenchido, mas um fogo que deve ser aceso”. Ensinar sempre foi uma arte mas diria que hoje ainda mais, tanto por motivos estruturais como por motivos circunstanciais. Por um lado, os formadores deixaram de ser pessoas que têm acesso a informação exclusiva e privilegiada. A informação está disponível e acessível a qualquer pessoa, por isso, um formador não transmite informação mas proporciona uma experiência de aprendizagem que nos faz descobrir essa informação como valiosa. Por outro lado, nas circunstâncias atuais em que muita da formação que damos se está a fazer por meios digitais, temos que ser ainda mais hábeis e criativos para descobrir o melhor modo de acender a chama na mente de cada pessoa.
[1] Neuroeconomista (considerado um dos fundadores do campo da Neuroeconomia), Professor Claremont Graduate University, South California.
Professora de Comportamento Humano e Macroeconomia da AESE Business School Cátedra de Ética na Empresa e na Sociedade AESE/EDP