À semelhança dos resultados do ano passado, os mais de quatro mil CEOs entrevistados para o inquérito anual da PwC sobre as suas principais preocupações e oportunidades a curto e médio prazo continuam a sentir uma pressão crescente e uma desconfiança significativa no que respeita à viabilidade dos seus negócios num período de 10 anos, caso mantenham a sua trajectória actual. Para tal, contam muito as ameaças globais como as alterações climáticas e o poder disruptivo da IA que, no entanto, podem ser transformadas em verdadeiras oportunidades de mudança. Mesmo que o trabalho se afigure árduo, a vontade de aceitar o desafio está igualmente patente no relatório deste ano
POR HELENA OLIVEIRA
Há exactamente um ano e como o VER divulgou, cerca de 40% dos CEOS entrevistados (num universo superior a 4 mil) pela PricewaterhouseCoopers para o seu usual Global CEOS Survey, acreditavam que a sua empresa não seria economicamente viável num período de dez anos (a contar desde essa altura), caso não implementassem mudanças significativas nos seus respectivos negócios. Doze meses depois, e na 27ª edição deste inquérito anual, que auscultou 4702 CEOS de mais de 100 países, é sugerido que a grande maioria das empresas parece ter levado à letra esta necessidade de reimaginar as suas empresas, estando já a dar alguns passos no caminho da reinvenção, palavra de ordem do relatório em causa e que o VER aqui resume.
Todavia, mesmo quando os líderes empresariais tentam efectuar mudanças significativas nos negócios que operam, continuam a ser muitos os que se mantêm preocupados com a sua viabilidade a longo prazo. Apesar de se mostrarem mais optimistas em relação ao crescimento económico global do que no ano passado, 45% deles ainda não se sentem confiantes de que as suas empresas sobreviveriam mais uma década tendo em conta a sua trajectória actual.
Mas e no geral, o ímpeto de reinvenção está a intensificar-se, mesmo que os CEOS esperem mais pressão nos próximos três anos do que nos cinco anos anteriores, devido à tecnologia, às alterações climáticas e a quase todas as outras megatendências que afectam os negócios globais.
E é por isso que, segundo a PwC, o clima, os valores empresariais, a confiança e a evolução contínua das necessidades e expectativas das partes interessadas estão todos interligados e são parte integrante de um modelo empresarial reinventado. Equilibrar esta agenda interligada é um mandato difícil sem respostas fáceis. No entanto, o que salta à vista neste relatório é que os CEOs e as suas equipas parecem ansiosos por aceitar o desafio, uma vez que aspiram a criar valor para os seus clientes, empregados e sociedade.
Vejamos o essencial do inquérito deste ano..
Com o aumento da pressão para se adaptarem, são cada vez mais os líderes que dão prioridade a grandes mudanças para apoiar a reinvenção do modelo empresarial
A disrupção tecnológica, as alterações climáticas e outras megatendências globais em aceleração continuam a obrigar os CEOSs a uma adaptação contínua. Não é assim de estranhar que 97% dos inquiridos afirmam ter tomado algumas medidas para mudar a forma como criaram, forneceram e captaram valor nos últimos cinco anos. Durante esse período, 76% dos CEOSs tomaram pelo menos uma medida que teve um impacto significativo ou muito significativo no modelo de negócio da sua empresa. Esta constatação reflecte um crescente inquietação, uma vez que, e tal como já acima enunciado, 45% dos inquiridos duvidam que a actual trajectória da sua empresa a mantenha viável para além da próxima década, face a 39% no ano anterior.
Todavia, a intensificação das preocupações dos CEOS com a viabilidade das suas empresas não parece reflectir preocupações económicas a curto prazo. Por exemplo, os respondentes deste ano mostraram ter menos probabilidades de antecipar um declínio no crescimento económico global – face ao ano transacto – e sentem-se mais propensos a esperar que o crescimento melhorará em 2024 (38% em comparação com 18% no ano passado). No entanto, isso não significa que estejam totalmente optimistas: na verdade, um número ligeiramente superior dos auscultados prevê uma contracção da economia mundial no próximo ano, ao invés de uma melhoria. Os líderes entrevistados estão também ligeiramente menos confiantes do que no ano passado no que respeita às perspectivas de crescimento das receitas da sua própria empresa, tanto nos próximos 12 meses como nos próximos três anos.
Com o aumento da pressão para se adaptarem, são cada vez mais os líderes que dão prioridade a grandes mudanças para apoiar a reinvenção do modelo empresarial. Mas, e embora isso seja necessário, raramente é suficiente. A investigação da PwC revela que as empresas de topo concentram-se não só no seu modelo de negócio, mas também nos modelos operacionais e tecnológicos que o tornam viável.
A mudança de mentalidade e os desafios de gestão envolvidos são enormes. Para vencer, os líderes devem considerar uma gama mais ampla de iniciativas e aplicá-las em modo “combinado” (por exemplo, investir em parcerias de serviços para colmatar as lacunas de capacidade do modelo operacional e acompanhar o ritmo dos avanços tecnológicos, o que, por sua vez, permite que a empresa se concentre no que faz de melhor). E a boa notícia é que as empresas vencedoras são recompensadas por isso, obtendo um “prémio de desempenho”, medido como o efeito combinado da margem de lucro e do crescimento das receitas, ajustado por sector, no valor de mais de 13 vezes face aos seus pares “perdedores”.
Como se pode ler no relatório, um outro sinal de que a necessidade de reinvenção está a crescer é um aumento notável da pressão que os CEOS esperam nos próximos três anos devido a factores que influenciam a mudança do seu modelo de negócio. Em comparação com os últimos cinco anos, por exemplo, os líderes empresariais esperam que as mudanças associadas à tecnologia, às preferências dos clientes e às alterações climáticas, entre outras, tenham um impacto muito maior na forma como criam, fornecem e captam valor. Apenas o impacto da instabilidade da cadeia de abastecimento diminui em termos relativos quando os inquiridos olham para os próximos três anos.
A importância crescente das megatendências contrasta com as percepções dos CEOS sobre a exposição a várias ameaças a curto prazo, que diminuíram globalmente desde o ano passado.
No entanto, em termos geográficos, há preocupações que continuam a subsistir. A inflação continua a ser a principal preocupação dos líderes empresariais nos Estados Unidos, por exemplo, apesar de ter diminuído em termos de exposição prevista a nível mundial. Do mesmo modo, as ameaças geopolíticas continuam a ser uma das principais preocupações dos CEOS na Europa Central e Oriental, bem como no Médio Oriente, apesar de terem diminuído a nível mundial. Tal pode dever-se ao facto de as empresas já terem tomado medidas para se protegerem dos efeitos de alguns conflitos, apesar de o impacto total de outros mais recentes não ser ainda claro. Na Europa Ocidental, os CEOS estão mais preocupados com o risco cibernético nos próximos 12 meses, especialmente em França e na Alemanha, onde este é considerado a principal ameaça. Os respondentes dos EUA também colocam a exposição ao risco cibernético no topo da sua lista de preocupações.
Os líderes empresariais da Europa Ocidental têm mais probabilidades de ter iniciativas de eficiência energética e de inovação orientada para o clima em curso ou já concluídas
Entre as megatendências que pressionam os CEOs a reinventarem-se, nenhuma é mais importante do que as alterações climáticas. Neste caso, os entrevistados referem um sucesso misto na concretização dos seus objectivos declarados. Cerca de dois terços estão a envidar esforços para melhorar a eficiência energética; outros 10% referem ter concluído essas iniciativas e cerca de metade afirma ter trabalhos em curso para inovar em produtos ou serviços respeitadores do clima. Os líderes empresariais da Europa Ocidental têm mais probabilidades de ter iniciativas de eficiência energética e de inovação orientada para o clima em curso ou já concluídas. Além disso, em todo o mundo, os CEOs estão a aceitar taxas de juro mais baixas para os investimentos favoráveis ao clima.
No entanto, são ainda demasiados os que declaram não ter planos para uma série de outras acções no domínio do clima. Por exemplo, menos de metade dos inquiridos incorporou o risco climático no seu planeamento financeiro e quase um terço não tem planos para o fazer. Isto pode dever-se ao facto de os CEOs já terem incluído o risco climático nos seus perfis de seguros no que diz respeito aos recentes fenómenos meteorológicos extremos, sem considerar necessariamente os impactos crónicos a longo prazo das alterações climáticas e apenas olharem para o que está dentro dos limites da sua própria empresa, sem considerar plenamente as interdependências nas suas cadeias de abastecimento.
Entre as outras acções climáticas que os inquiridos afirmam não ser provável que valorizem, há duas com grandes implicações sociais. A primeira, melhorar as competências ou requalificar a mão-de-obra, é uma parte importante da garantia de uma transição justa para uma economia de emissões líquidas zero. A segunda, investir em soluções climáticas baseadas na natureza será vital para que as empresas possam ter em conta a dependência surpreendentemente elevada que têm dos recursos naturais. De facto, a PwC estima que 55% do PIB mundial – o equivalente a cerca de 58 biliões de dólares – depende moderada ou fortemente da natureza.
Para a PwC e embora sejam necessários mais progressos em matéria de clima em todos os domínios, um caminho a tomar pode ser o das soluções climáticas baseadas na natureza. O declínio acelerado dos ecossistemas naturais e a insuficiente resposta da sociedade fazem da perda dos recursos naturais um desafio cada vez mais urgente e inter-relacionado com as alterações climáticas. A PwC estima que o valor global das cotações mais expostas ao risco financeiro da dependência da natureza em 19 grandes bolsas de valores é de quase 45 biliões de dólares. Não será fácil, mas os líderes empresariais deverão procurar possibilidades de criar modelos de negócio positivos para a natureza que não só atenuem os riscos e reforcem os retornos financeiros, mas que também beneficiem a sociedade. Algumas empresas podem encontrar oportunidades para abordar simultaneamente as prioridades climáticas e as prioridades da natureza. Por exemplo, a reflorestação pode ajudar a capturar emissões e, ao mesmo tempo, aumentar a biodiversidade, direccionar capital para economias em desenvolvimento e apoiar os povos indígenas e as comunidades locais.
Os CEOs devem não só compreender, mas também explicar e gerir as tensões inevitáveis entre as perdas de emprego a curto prazo e o potencial de criação de emprego a longo prazo proporcionado pela IA
Para além das alterações climáticas, uma outra megatendência com implicações sistémicas é a disrupção tecnológica. Especificamente, o inquérito da PwC analisou a IA generativa, que tem todas as características de uma tecnologia que pode mudar significativamente a forma como as empresas operam, aparentemente preparada para transformar modelos de negócio, redefinir processos de trabalho e reformular indústrias inteiras.
Os CEOs do inquérito deste ano parecem acreditar tanto no ritmo acelerado da adopção da IA generativa como no seu enorme potencial de disrupção. Por exemplo, no próximo ano, cerca de metade dos CEOs espera que a IA generativa melhore a sua capacidade de criar confiança junto dos seus stakeholders e cerca de 60% espera que esta melhore a qualidade dos seus produtos ou serviços. Nos próximos três anos, quase sete em cada dez inquiridos prevêem também que a IA generativa aumente a competitividade, impulsione mudanças nos seus modelos de negócio e exija novas competências da sua força de trabalho. Até à data, a experiência parece sustentar as expectativas. Os CEOs que dizem ter adoptado a IA generativa na sua empresa (cerca de um terço da amostra em causa) têm uma probabilidade significativamente maior do que os seus pares que não o fizeram de antecipar o seu potencial transformador não só nos próximos 12 meses, como também nos próximos três anos.
Em geral, os inquiridos prevêem muitos impactos positivos a curto prazo da IA generativa nos seus negócios. Estes podem incluir aplicações que aumentam as receitas, como por exemplo através da melhoria da qualidade do produto e da confiança do cliente, bem como as que aumentam a eficiência. Esta tendência é consistente com o Global Risk Survey 2023 da PwC, que constatou que 60% dos inquiridos vêem a IA generativa como uma oportunidade maioritária ou total e não como um risco.
A nível social, os efeitos da IA generativa são ainda incertos. Alguns destes benefícios de eficiência poderão advir da redução do número de funcionários – pelo menos a curto prazo – com um quarto dos CEOs a esperar diminuir o número de trabalhadores em pelo menos 5% em 2024 devido à IA generativa. As empresas que fazem reduções iniciais para capturar eficiências em algumas áreas podem estar já a compensá-las com contratações noutras, à medida que as oportunidades de crescimento e o aumento das receitas se tornam mais claras. Por exemplo, embora 14% dos CEOs de tecnologia prevejam reduzir o número de funcionários no próximo ano devido à IA generativa, 56% deles também prevêem contratar em 2024 e, no geral, 39% dos líderes empresariais esperam que o número de funcionários de suas empresas aumente em 5% ou mais nos próximos 12 meses.
Estes resultados mostram a necessidade de os CEOs contarem com os seus colaboradores na adopção da IA generativa. Ser transparente, orientado para um objectivo e confiável em relação aos planos e decisões relacionados com a IA pode ajudar os funcionários que dela desconfiam (e do que ela pode significar para os seus empregos) a sentirem-se mais à vontade para a experimentar e inovar. Desta forma, os CEOs devem não só compreender, mas também explicar e gerir as tensões inevitáveis entre as perdas de emprego a curto prazo e o potencial de criação de emprego a longo prazo proporcionado pela IA.
No entanto e à medida que os CEOs apostam mais nesta adopção, têm ao mesmo tempo de compreender as tensões entre os potenciais riscos e o desejo de avançar rapidamente para aproveitar as oportunidades. As empresas líderes estão a alinhar a sua estratégia de IA generativa com as suas estratégias digitais e de outros tipos de IA já existentes, a melhorar as competências dos funcionários e a encorajar a experimentação nas suas organizações, concentrando-se na identificação de casos de utilização que possam ser ampliados. E à medida que se voltam para produtos digitais ou digitalmente ligados à IA, terão de explorar inúmeras oportunidades para ajustar a forma como trocam valor com os clientes e outras partes interessadas.
Mesmo com o aumento da aposta e adopção da IA generativa, uma série de especialistas na área estão a manifestar preocupações sobre as consequências potencialmente significativas e não intencionais que podem surgir à medida que o seu alcance aumenta. Os CEOs reflectiram sentimentos semelhantes nas suas respostas ao inquérito da PwC. Considere-se, por exemplo, que quando se trata de IA generativa, os CEOs estão mais preocupados com o risco de cibersegurança, com mais de metade a concordar que é provável que esta aumente a disseminação de desinformação na sua empresa. Um terço dos CEOs também espera que a IA generativa aumente o preconceito em relação a grupos específicos de funcionários ou clientes nos próximos 12 meses. Quase o mesmo número discorda, sugerindo que o preconceito será provavelmente uma área de crescente atenção à medida que o âmbito e a complexidade do papel da IA generativa nos negócios se desenvolvam. Curiosamente, a familiaridade com a IA generativa não parece atenuar as preocupações sobre os riscos sentidos pelos CEOs cujas empresas já a adoptaram amplamente.
É mais um admirável, mas preocupante, mundo novo.
Fonte: PwC 27th Global CEO Survey
Imagem: © Unsplash/https://unsplash.com/pt-br/@alexgoman
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