Saber lidar com a dúvida é uma das competências que os líderes têm de desenvolver para aperfeiçoarem a sua tomada de decisão. E, adicionalmente, com o ambiente de mudança contínua a que estão sujeitos, encontrar um equilíbrio entre ser autêntico e adaptável, de forma a motivar a organização sem desperdiçar a confiança que tanto trabalho dá a conquistar, é igualmente imprescindível
POR HELENA OLIVEIRA

“De que forma seria Winston Churchill apreciado nos dias que correm se cada uma das suas decisões se transformasse de imediato num tweet que correria mundo?”

A questão é muito convenientemente formulada no relatório “The CEO Report: Embracing Paradoxes of Leadership and the Power of Doubt”, publicado pela consultora Heidrick & Struggles, o qual o VER já aflorou na passada semana, mas que tratará com maior profundidade nesta edição como convite à reflexão para o segundo painel do 6º Congresso da ACEGE, a ter lugar em Lisboa, dias 5 e 6 de Junho: quais os critérios mais importantes na actualidade para uma boa tomada de decisão, tendo em conta as novas forças e tendências que estão a revolucionar a gestão e, consequentemente, a liderança, em conjunto com a ideia de que uma organização só chegará a bom porto partilhando o mesmo propósito – conceito este também identificado como uma “chamada espiritual e moral para a acção”.

A verdade é que uma das características que distingue os novos paradigmas a que estão sujeitos os líderes da actualidade reside no facto de as suas decisões serem tomadas de formas significativamente distintas comparativamente há uns anos a esta parte: na medida em que, idealmente, assistimos à mudança de um mundo focado no auto-interesse para um outro que privilegia (ou deveria fazê-lo) o bem comum, as empresas são chamadas, de forma crescente, a assumirem responsabilidades pelo “todo” e não apenas pelas “partes” que tradicionalmente definiam as suas preocupações e apetites. Na medida em que este se afigura um papel recente para estas entidades, nem todas as organizações o compreendem e adoptam. Cada decisão que é tomada, cada acção que é realizada, tem de ser vista à luz destas acrescidas responsabilidades. E, para tal, existem pelo menos três imperativos que deverão constar na agenda dos líderes nos próximos anos: um societal, outro de resiliência e um último, mas de todo menos importante, de adaptabilidade.

Estes três imperativos estão intimamente relacionados com o ritmo de mudança permanente a que o mundo está sujeito, o que muitas vezes impede a distinção entre o que é urgente e o que é importante. Para os líderes da actualidade, avaliar as mudanças que as suas organizações enfrentam consiste num desafio crescentemente complexo. Ao que acresce o facto de as suas decisões, boas e más, estarem sob escrutínio permanente e poderem ser alvo de “tweets e retweets” em tempo real.

[pull_quote_left]Ter em mente que “rápido” não significa necessariamente “urgente” consiste num importante passo para se poder determinar onde centrar as atenções para ser possível decidir da melhor maneira[/pull_quote_left]

Com stakeholders cada vez mais atentos e exigentes, e a viver-se na era da transparência, este ambiente poderá colocar uma enorme pressão sobre os CEOs e nem todos estão preparados para lidar com o sentido de urgência ubíquo veiculado pela ascensão dos media sociais.

No relatório da Heidrick & Struggles, que entrevistou, de forma anónima, mas aprofundada, 150 CEOs de várias regiões do planeta e de sectores diversos, foram vários os entrevistados que sublinharam a importância de se saber discernir a “verdadeira velocidade” da mudança, tendo em conta que um sentido de urgência generalizado poderá mascarar o facto de que nem todos os aspectos dos ambientes que os rodeiam estarem a mudar ao mesmo ritmo. Outros CEOs inquiridos enfatizaram também a necessidade – finalmente – de se ter uma perspectiva de longo prazo, contrária ao imediatismo vigente, enquanto outros afirmaram ser crucial “aprender a fazer negócios de uma forma diferente” e, subsequentemente, “aprender a reagir a grandes choques externos”.

Fazendo eco do imperativo da resiliência, uma CEO declarou que “é necessário olhar para quase tudo como algo com potencial para nos matar e, por isso, ter sempre um plano de batalha não só sobre como poderemos optimizar essa ameaça, mas também como lhe sobreviver ”. Das respostas destes inquiridos é possível aferir que o importante é desenvolver uma abordagem multi-dimensional relativamente à mudança, a qual ajude os líderes a estabelecer prioridades nas suas acções, a direcionar os seus recursos e, de forma crucial, a reservar as suas próprias energias para desafios realmente significativos e de larga escala. Ter em mente que “rápido” não significa necessariamente “urgente” consiste num importante passo para se poder determinar onde centrar as atenções para ser possível decidir da melhor maneira.

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Decisão e o alinhamento do propósito individual com o da organização

Como se escreve no CEO Report, a autenticidade tem-se transformado numa das buzzwords da liderança mais “badaladas” ao longo da última década. Na pesquisa efectuada pela Heidrick & Struggles, não foram incluídas questões específicas sobre a mesma, mas a verdade é que quase 50% dos CEOs entrevistados falaram voluntariamente ou sobre autenticidade ou sobre o seu “familiar” mais próximo – o propósito.

[pull_quote_left]A autenticidade é o combustível que dá força à confiança[/pull_quote_left]

Especificamente, os inquiridos mencionaram os benefícios pessoais – “assegurar que nos mantemos fiéis aos nossos princípios” ou “[encontrar] um lugar no qual possamos ser verdadeiros”, e no que respeita a alcançar resultados positivos, criar uma “conversação mais autêntica”, equilibrando adequada e simultaneamente uma atitude de “autenticidade e vulnerabilidade” como forma de se “relacionarem de uma forma mais profunda com a equipa”. E mesmo os CEOs que não falaram explicitamente sobre estes conceitos, utilizaram palavras que os reflectem enquanto discutiam as qualidades essenciais a uma boa liderança: integridade, honestidade, valores pessoais, capacidade de autocrítica e confiabilidade.

Esta importância acrescida relativamente à autenticidade é facilmente relacionada com as questões da confiança e da transparência. De alguma forma, são as considerações pragmáticas que levam muitos CEOs a abraçar a autenticidade como resposta à crescente visibilidade e exigências de transparência a que estão sujeitos. “Não é possível ter um lado real e outro escondido”, observou um CEO, “na medida em que este último será, mais tarde ou mais cedo, exibido”. De uma forma mais alargada, e na medida em que a confiança decorre da transparência, os CEOs entrevistados consideram-na crucial tanto para o exterior das organizações que lideram como para o seu interior: no primeiro caso porque esta serve de veículo para gerar confiança entre um “grupo alargado de stakeholders, e não só para os accionistas” e, no segundo, porque constitui um pilar para a colaboração produtiva que exige que os CEOS “gozem de um elevado nível de confiança por parte dos seus pares no que respeita a tomarem a decisão certa”. Ou por outras palavras, a autenticidade é o combustível que dá força à confiança.

Todavia, ser um líder “autêntico” não é uma tarefa fácil. A confiança e a transparência são encaradas pelos stakeholders – de acordo com o imperativo societal – como compromissos com a estabilidade. Como afirmou um dos CEOs entrevistados, “a confiança é criada através da promessa e mantida pelo cumprimento dessa mesma promessa vezes sem conta”. O que, muitas vezes, pode gerar contradições nas tomadas de decisão dos líderes. Dado que existe uma panóplia cada vez mais alargada de stakeholders com exigências muitas vezes contraditórias entre si, aos líderes é exigido que tenham também comportamentos contraditórios, o que os obriga a enfrentar o paradoxo da “autenticidade-adaptabilidade” com frequência.

[pull_quote_left]Se de repente se começa a perder o enfoque no que respeita ao nosso sentido de propósito inicial e se cai na tentação de querer agradar a todos ao mesmo tempo, então esse será o princípio do fim[/pull_quote_left]

E o que diferencia os CEOs que se sentem bem-sucedidos com a sua autenticidade comparativamente aos que sentem dificuldade em se manterem fiéis aos seus próprios princípios? Um sentido prevalecente de propósito. “Se de repente se começa a perder o enfoque no que respeita ao nosso sentido de propósito inicial e se cai na tentação de querer agradar a todos ao mesmo tempo, então esse será o princípio do fim”, assegura um dos entrevistados. E esta visão conduz-nos a uma definição mais precisa da autenticidade: mantermo-nos fiéis ao nosso propósito pessoal.

Um outro problema surge quando os CEOs, num esforço para acompanharem o ritmo da mudança, se adaptam indiscriminadamente a novas exigências. De acordo com a analogia feita pelos autores do relatório, o efeito pode ser análogo ao se cortar a corda da âncora que segura o barco, colocando assim os executivos em risco de perderem de vista os seus valores e objectivos fundamentais.

As questões relacionadas com os recursos humanos representam um exemplo comum do desafio da autenticidade-adaptabilidade e, na verdade, mais de dois terços dos entrevistados citaram as “decisões sobre as pessoas” como as mais difíceis que enfrentam. Foram muitas as histórias escutadas como a que se segue: a de um CEO que teve a necessidade de despedir um dos seus executivos, com uma performance elevada e seu amigo, devido a uma violação do código de ética da empresa. “Eu percebi as razões dele [do executivo], mas se não tivesse tomado esta decisão, teria confirmado uma perspectiva tanto interna como externa de que eramos uma empresa sem fibra moral”.

Decisões pessoais como a acima referida desafiam as capacidade de tomada de decisão por parte dos CEOS, à medida que as crescentes exigências societais e organizacionais apelam ao seu QE (Quociente Emocional), à colaboração e ao trabalham de equipa, as quais entram em conflito com as exigências tradicionais da organização e dos accionistas. E o resultado pode cifrar-se num sentimento de dissonância e de descontentamento para os líderes. Como referiu um dos CEOs entrevistados: “quase por definição, um CEO é obrigado a tomar uma decisão que nenhuma outra pessoa poderá tomar por ele. E o mais assustador neste processo, para qualquer pessoa que esteja numa empresa, é ver com clareza que uma mudança tem de ser feita e que os seus líderes ou não estão dispostos a fazê-la ou não são capazes de tomar essa mesma decisão”.

Assim, como podem lidar os CEOs com este tipo de dilemas? De uma forma muito simples, os CEOs sentem-se mais confortáveis quando o seu sentido de propósito e as suas motivações estão alinhadas com as da organização. Mas nem sempre isso é possível.

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O dilema entre o que é certo e o que é… certo

Apesar de se ser simultaneamente autêntico e adaptável constituir, sem dúvida, um dos factores de equilíbrio mais importantes enfrentado pelos CEOs, está longe de ser o único. De acordo com os CEOs entrevistados, a busca contínua por este desejável equilíbrio parece, muitas vezes, irreconciliável com as múltiplas exigências a que estão sujeitos, de que são exemplo a “corrida para os resultados trimestrais” e os objectivos de longo prazo, a responsabilidade simultânea para gerar lucro e benefícios para a sociedade, a determinação e a humildade, o trabalho e a vida pessoal.

[pull_quote_left]Mais de dois terços dos entrevistados citaram as “decisões sobre as pessoas” como as mais difíceis que enfrentam[/pull_quote_left]

E, mais uma vez, a questão da “concorrência” entre múltiplos stakeholders, cujas exigências são, à partida, todas igualmente válidas, colocam os CEOs na difícil posição de escolherem entre “o que está certo e o que está certo”, como afirmou um dos CEOs auscultado, acrescentando que são estes dilemas que tornam a tomada de decisão um “tormento” e dificultam o alinhamento necessário já mencionado. Assim, de que forma podem os líderes assegurar, com confiança, aos seus stakeholders internos e externos, que estão a escolher “o mais certo do certo” quando tomam uma determinada decisão?

Como sublinha o relatório, recorrendo a uma imagem visual, os CEOs não têm apenas de se equilibrar numa única escala, mas antes numa “roda dentada” de paradoxos de liderança que se intersectam, obrigando-os a um esforço redobrado em cada uma das decisões que são tomadas.

Foram muitos os CEOs que expressaram que esta cruzada contínua pelo equilíbrio deve constituir uma aspiração, ou mesmo um imperativo, de se ir mais além das decisões entre “isto ou aquilo”, privilegiando-se antes uma postura de “ambos e mais alguma coisa”. Mas e na verdade, conquistar o melhor de dois mundos não exige necessariamente um equilíbrio igual entre todas as exigências concorrentes. Os vários “raios da circunferência” não têm todos de se intersectar num ponto central. Mas é quando isso acontece que se cria o ponto ideal que define o propósito organizacional e que é composto pela soma de todas as decisões e trade-offs necessários. Como referiu um dos inquiridos, “se tudo fosse preto e branco, não eram necessários CEOs”, e é exactamente este desafio de articulação que os líderes têm de saber enfrentar: concentrando-se no conteúdo, no “o quê” e no “porquê” das suas decisões, estabelecendo um claro propósito que indique a todos os stakeholders o que defende a organização, quem serve, através de que meios e assegurando uma relação de confiança.

[pull_quote_left]A questão da “concorrência” entre múltiplos stakeholders, cujas exigências são, à partida, todas igualmente válidas, colocam os CEOs na difícil posição de escolherem entre “o que está certo e o que está certo”[/pull_quote_left]

Adicionalmente, o ritmo e o timing das decisões constituem igualmente factores críticos para a tomada de decisão, sendo que tanto a pressa como a hesitação são comportamentos potencialmente prejudiciais. Com o avançar constante dos ponteiros do relógio, os CEOs temem não ter tempo para considerar todos os ângulos, o que torna a implementação de qualquer decisão problemática. Mas com demasiado tempo e procrastinação, a distracção pode-se instalar e ter resultados negativos. Assim, a melhor forma de lidar com esta situação é antecipar a forma como os desenvolvimentos os poderão afectar, identificar o que é verdadeiramente urgente e concentrarem-se nas questões fundamentais e sistemas que mais atenção da sua parte requerem.

Tomadas em conjunto, a dúvida, a convicção, o realismo e a paciência – aspectos integrantes da liderança – conferem ao CEO, e aos trabalhadores e outros stakeholders, a confiança de que, independentemente dos vários dilemas organizacionais, o equilíbrio surgiu a partir de uma tomada de decisão bem fundamentada e ritmada. E perceber quando se deve acelerar ou abrandar consiste, muitas vezes, na diferença entre boas e más decisões.

Sobre o relatório: As conclusões publicadas no “The CEO Report: Embracing the Paradoxes of Leadership and the Power of Doubt” pela consultora Heidrick & Struggles têm como base conversas individuais e aprofundadas com mais de 150 CEOs globais. Com muito poucas excepções, todas as entrevistas foram realizadas presencialmente. Todos os entrevistados foram “anonimizados” antes da análise realizada pelos investigadores da Saïd Business School, da Universidade de Oxford.

Editora Executiva