Num mundo em mudança, um dos desafios mais prementes ao nível de sustentabilidade é acabar com “um erro de base na gestão: não definir o valor de recursos como a água ou o CO2”, para integrar o seu custo na estratégia. Esta foi uma das muitas ideias partilhadas na “Tertúlia das Entradas”, que assinalou no passado dia 14 de Janeiro o arranque de “um resiliente 2013”, com o anúncio do novo posicionamento da Sair da Casca (SdC), e o debate sobre as principais ameaças que o contexto de crise representa para o desenvolvimento sustentável
No arranque da iniciativa, que visou antes de mais constituir um espaço de partilha de ideias, Nathalie Ballan, partner da Sair da Casca, sublinhou que a empresa de consultoria em desenvolvimento sustentável quer assinalar o arranque do novo ano com optimismo, comunicando o seu novo posicionamento que aposta em “projectos com impacto”, desenvolvidos com um conceito assente em partilha de conhecimento, acção e inovação. Partindo do recente discurso do presidente do WBCSD – World Business Council for Sustainable Development, Peter Bakker, a respeito de uma necessária revolução cultural sobre o modelo capitalista, Nathalie Ballan questionou as tendências que estão a emergir, ao nível da sustentabilidade, lamentando a postura de algumas empresas que reduzem drasticamente os seus orçamentos nesta área, devido à crise. Ameaças e estratégias Tal como proferiu na sua intervenção no Prince’s Accounting for SUstainability Forum, a respeito do papel que a comunidade financeira e de accounting desempenha para uma economia global capaz de fazer face aos desafios do futuro, o presidente do WBCSD defende que actualmente a necessidade de acção é “mais urgente do que nunca”, e que a “liderança visionária, por si só, não chega”. O que importa agora, afirma, é “que se implementem soluções de negócio em escala”. Defendendo que o ‘business as usual’ não é opção para uma economia válida no futuro – já que o modelo convencional do capitalismo integra demasiados negócios e estratégias que dependem de uma ideia “ingénua”, a de que os actuais princípios económicos são estáticos –, Bakker explica que o apelo para uma mudança que reconheça que “o capitalismo requer um novo sistema operativo e precisa de ser reiniciado, se queremos evitar uma recessão extrema, ou pior, um colapso total”, é hoje incontornável. Não podendo deixar de concordar, Neves de Carvalho admite que “a situação é insustentável”, já que, como bem nota Bakker no seu discurso, “a pobreza não foi erradicada, a falta de equidade social aumentou, a fome e a subnutrição ainda são responsáveis pela morte de uma criança a cada seis segundos”. Acresce que existem hoje 1,8 mil milhões de pessoas sem acesso a água potável ou a condições sanitárias, e 2,3 mil milhões que não têm acesso a electricidade. Um drama que se agrava com as ameaças crescentes impostas pelas alterações climáticas, lembra o presidente do WBCSD. Enquadrando estes números, o director de Sustentabilidade e Ambiente da EDP recorda que actualmente, dos 7 mil milhões que constituem a população mundial, apenas uma percentagem reduzida habita nos chamados países desenvolvidos. E a verdade é que nestes “ditos países civilizados, com o mal dos outros podemos nós bem”. Ainda. Exemplo disso é a indiferença global sentida face a realidades que já não deviam existir: “ao dia de hoje existem 1300 centrais a carvão em desenvolvimento no mundo”. Isto “apesar de estar mais do que ultrapassada a discussão teórica sobre sustentabilidade ambiental”, conclui.
Sustentabilidade ‘humana’ É por isso que o verdadeiro conceito de crescimento sustentável implica “a valorização efectiva de todos os bens e serviços que se utilizam”, efectivamente, incluindo aqueles – como os recursos minerais – que “não tínhamos em consideração no passado, e que temos de passar a ter”. Acresce que, face a uma pegada ecológica média, calculada hoje em uma vez e meia o que custa regenerar os recursos utilizados num ano a nível global, “há países e países”, ou seja, consumos e consumos: apesar da já longa discussão em torno da globalização e da sustentabilidade, “os desequilíbrios continuam muito acentuados”, sublinha o especialista, com países como os EUA a consumirem 9,4 planetas, países europeus como Portugal a gastar 2,5 e a China, por exemplo, a registar uma pegada ecológica de apenas 0,8, pelo menos por enquanto, explica Neves de Carvalho. É que vivemos “um panorama económico global em mudança”, marcado pela tendência para que países emergentes como a China, a Índia e o Brasil cheguem, até 2050, à posição de líderes globais, como é sabido. E não devemos esquecer que nos países em desenvolvimento “as pessoas vêem na televisão a crise que gostavam de estar a viver” – a vontade de chegarem às nações desenvolvidas é algo “viral e imprescindível”, conclui. Em conclusão, na opinião de Neves de Carvalho, os vectores imprescindíveis para uma mudança sustentável incluem, desde logo, o fim de “um erro de base na gestão: não definir o valor dos recursos para avaliar o seu custo – recursos como a água ou o CO2 têm de ser calculados. As empresas nunca devem descurar as suas estratégias de sustentabilidade, mesmo que tenham de regredir nos seus investimentos devido à actual conjuntura económica. Devem antes procurar alternativas, como a criação de sinergias com outras empresas, para partilha de recursos, conclui. É ainda significativo “estimular o empreendedorismo, premiando ideias novas e inovadoras”. Uma mudança com impacto positivo requer Aida que, em equilíbrios com a satsfação das necessidades elementares, ao nível da saúde, educação, etc., se “resolva o problema do desperdício na alimentação, que atinge hoje, a nível mundial, “mtde do que se produz”.
Outro vector estratégico, para Neves de Carvalho, é a mobilidade, que “tem de se fazer com ordenamento e eficiência energética”. Finalmente, e num âmbito que nos remete para a revolução cultural que coloca em causa o modelo convencional do capitalismo de que fala Peter Bakker,é preciso “desmaterializar o nosso bem-estar”, alterando “o nosso conceito de qualidade de vida e de felicidade,isto é, revisitando-o nos seus valores fundamentais – a família e o trabalho, por exemplo. Para tanto, “é necessário investir seriamente na educação”, alerta o director de Sustentabilidade e Ambiente da EDP. Empresas têm de arriscar No entender de Maria do Carmo Pinto, o que é necessário, “e difícil, é atribuir sustentabilidade aos projectos de inovação social”. Com quinhentos anos como instituição ao serviço dos mais desfavorecidos, a SCM “é uma sobrevivente”, diz, que integra hoje como “consequência lógica do seu lema de “assistência directa, diária e contínua” uma área de empreendedorismo. Nesta matéria, acredita a responsável, é preciso receber que “durante cinquenta anos estivemos adormecidos, porque o Estado dava resposta a tudo, mas tivemos de acordar de repente, pois o Estado já não tem recursos para prover a essa assistência”. É com esta consciência que o programa de apoio ao empreendedorismo da SCM fomenta projectos de auto-emprego e soluções empresariais (para desempregados, por exemplo), de uma forma que garanta “modelos de negócio replicáveis e sustentáveis”, conclui. Em conjunto ou não com as organizações da sociedade civil, “as empresas têm um papel social cada vez mais reconhecido pelos consumidores”, adianta Carlos Liz, presidente da Ipsos APEME. O conceito de sustentabilidade “está muito bem percebido, e os consumidores têm interesse nele”, identificando na comunicação que leva ao consumo (como a publicidade) a divulgação de informação útil”, a par da oportunidade de promoções, “hoje muito valorizadas”, devido à crise. Num mundo em mudança onde “está em curso uma conversão quanto ao olhar das pessoas sobre o conceito de qualidade de vida”, “o terreno está bem preparado para a sustentabilidade”, defende Carlos Liz. Num estudo da empresa de análise e estudos de mercado, tendências e comportamentos dos consumidores, a percepção sobre “as entidades mais activas na promoção da sustentabilidade recai, por esta ordem, no meio científico e académico; escolas; ONG e demais entidades da sociedade civil; empresas; Igreja e, por fim, no Estado. As empresas terão vantagem em “falar a linguagem do consumidor e não apenas a do cidadão”, acredita o presidente da APEME, que recomenda a todas que “empreendam a sua vocação para a inovação”, arriscando na “desconstrução e no experimentalismo”.
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Jornalista