POR GABRIELA COSTA
#peacepossible4syria
“Todos devemos reconhecer que não existe uma solução militar para a Síria. Só uma solução política”. Associando-se à campanha da Cáritas Internacional pela paz na Síria, o Papa Francisco apelou à união de “forças, a todos os níveis, para garantir que a paz na Síria seja possível”.
Defendendo que, perante o sofrimento “indescritível” deste povo numa guerra que já dura há cinco anos, esse será “um grandioso exemplo de misericórdia e de amor para o bem de toda a comunidade internacional”, Francisco partilha, numa mensagem em vídeo divulgada no dia 5 de Julho, a causa pelo fim de um conflito que constitui hoje a maior tragédia humanitária das últimas décadas, para a qual a Cáritas vem apelando e que transformou, no início deste ano, na campanha global “Síria: a Paz é possível”.
Na sua mensagem de paz, o Papa sublinha a sua profunda tristeza face a uma população “obrigada a sobreviver sob as bombas ou a procurar caminhos de fuga para outros países ou para zonas [internas] menos atingidas pela guerra”. E denuncia a hipocrisia dos países que simultaneamente apelam à paz e continuam a fornecer armamento para perpetuar a guerra: “enquanto o povo sofre, gastam-se incríveis somas de dinheiro no fornecimento de armas aos que fazem a guerra”.
Questionando “como podemos acreditar em alguém que nos acarinha com a mão direita e nos golpeia com a esquerda”, encoraja “todos, adultos e jovens, a viver o Ano Santo da Misericórdia com entusiasmo para vencer a indiferença e proclamar firmemente que a paz na Síria é possível”.
E exorta a população mundial a organizar vigílias de oração e iniciativas de sensibilização com paróquias e comunidades, dirigindo-se, uma vez mais e particularmente, aos que estão envolvidos nas negociações de paz, “para que levem a sério os acordos e façam um esforço concreto para facilitar o acesso à ajuda humanitária”.
“Tragédia na Síria exige solidariedade para além de recursos financeiros”
Em cinco anos de conflito na Síria, assinalados com consternação a 15 de Março de 2016, os 6,6 milhões de deslocados dentro da Síria (previsivelmente 8,7 milhões no final de 2016) e os 4,8 milhões de refugiados nos países vizinhos, como o Líbano, a Jordânia e o Iraque, a que se juntam centenas de milhares na Europa, atingiram mais de metade da população do país, que antes do início da guerra era de mais de 20 milhões de pessoas.
À data, o ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados alertava para os crescentes obstáculos que os refugiados enfrentam para encontrar segurança e sobreviver ao conflito. Num contexto em que “a solidariedade internacional falha em responder e reflectir a escala e gravidade desta tragédia humanitária de tantas vítimas”.
Como sublinhou o chefe da agência da ONU, Filippo Grandi, esta “é a maior crise humanitária e de refugiados do nosso tempo, causando o sofrimento de milhões de pessoas”, razão mais do que suficiente para recolher “o apoio de todo o mundo”. Mas não recolhe. Defendendo que mais países deveriam aceitar uma parcela maior de refugiados nos seus territórios, o alto comissário das Nações Unidas para os refugiados antecipou a constatação do Papa Francisco, afirmando que apenas um acordo político poderá acabar com o sofrimento do povo sírio.
O cenário real do país é marcado pela restrição cada vez mais apertada das fronteiras pelos países vizinhos, na sequência da tensão gerada pela incapacidade de acolher mais refugiados, o que leva a que milhares de pessoas vulneráveis estejam retidas dentro da Síria. Os muitos cidadãos deslocados estão também em elevado risco de sobrevivência, “embarcando em viagens perigosas para a Europa ou recorrendo a perigosas estratégias de sobrevivência, como o trabalho infantil, o casamento precoce ou a exploração sexual”, alerta o ACNUR.
Simultaneamente, cada vez mais Estados europeus que têm vindo a acolher sírios estão a fechar as portas perante o crescente número de refugiados que procuram segurança no continente. Vários países estão a impor restrições no acesso às suas fronteiras, o que está a gerar a acumulação de dezenas de milhares de refugiados na Grécia, e as negociações da União Europeia com a Turquia resultaram num acordo (que entrou em vigor a 20 de Março) para o encerramento das fronteiras aos imigrantes irregulares que chegam à Grécia vindos do território turco.
[quote_center]As grandes potências mundiais têm mais interesse em manter o conflito do que em exigir um cessar-fogo imediato[/quote_center]
Neste contexto, é emergente garantir maior acesso à ajuda humanitária na Síria e a cessação das hostilidades, renovando as negociações de paz e os acordos para a disponibilização de mais recursos financeiros”, conclui a agência das Nações Unidas. Em causa está a disponibilização urgente dos fundos prometidos pelos doadores internacionais, que se comprometeram em arrecadar mais de 5,9 mil milhões de dólares para ajuda humanitária e desenvolvimento, em 2016. Como Grandi também avisou, esta medida terá de ser acompanhada “por outras formas de solidariedade internacional”, como mais acesso aos meios de subsistência e educação para a maioria dos refugiados nos países vizinhos, maior partilha de responsabilidade por mais países em todo o mundo através de sistemas de acolhimento abertos, e o aumento de oportunidades para que os sírios se desloquem para outros países através de canais organizados.
Nas palavras do alto comissário para os refugiados “uma tragédia com esta escala exige uma solidariedade para além dos recursos financeiros”. É necessário que mais países partilhem a resolução de um problema em tudo complexo, ”aceitando uma parcela maior de refugiados desta que se tornou a maior crise de deslocamento de uma geração”. Neste âmbito, o ACNUR promoveu a 30 de Março uma conferência internacional de alto nível em Genebra, para discussão das várias alternativas para lidar com a crise dos refugiados sírios, na qual pediu aos governos um aumento expressivo do seu acolhimento.
No encontro, e como Filippo Grandi anunciou, foi alcançado “um claro reconhecimento da necessidade de solidariedade e responsabilidade partilhada para os refugiados”. Em suma, o progresso foi notável em seis diferentes áreas:
- Juntos, os Estados comprometeram-se a aumentar o número de locais de acolhimento e de apoio humanitário, elevando o total para cerca de 185 mil. Vários países ofereceram-se para aumentar significativamente os seus programas de reinstalação neste e nos próximos anos. A União Europeia comprometeu-se a realojar mais refugiados que estão na Turquia.
- Alguns Estados reafirmaram os seus compromissos de apoio ao nível de reagrupamentos familiares, demostrando a sua intenção em facilitar os procedimentos.
- Vários países latino-americanos e europeus anunciaram novos programas para a concessão de vistos humanitários e a expansão dos programas já existentes.
- Treze Estados confirmaram a disponibilização de bolsas de estudo e vistos de estudante aos refugiados sírios.
- A facilitação dos processos de admissão de refugiados através da supressão ou simplificação das barreiras administrativas foi referida por vários países.
- Compromissos financeiros significativos para apoio aos programas de realojamento do ACNUR foram firmados por dois Estados. Vários países em que os planos de reinstalação já estão a funcionar propuseram partilhar os seus conhecimentos com os países que irão aderir a este programa.
Segundo o ACNUR, cerca de 170 mil pedidos de acolhimento foram realizados por governos em todo o mundo. A ONU espera aumentar este número para pelo menos 10% da população refugiada ao longo dos próximos anos, a qual totaliza já 4,8 milhões de pessoas apenas na região geográfica à volta do conflito, como referido.
No momento em que “se completa mais um triste marco da guerra da Síria” – cinco anos de violento conflito com consequências humanitárias devastadoras -, o mundo está “numa encruzilhada: se não conseguirmos trabalhar em conjunto devido aos interesses de curto prazo e à falta de reacções corajosas e coordenadas visando a partilha de responsabilidades, vamos olhar para trás com arrependimento sobre esta oportunidade perdida para agir com solidariedade e humanidade”, concluiu Grandi no seu apelo pela paz na Síria.
“Os governos devem deixar de vender armas para financiar a guerra”
Perante o sofrimento “sem precedentes” que atinge o povo sírio, “devemos encarar com frontalidade o desafio de pôr um fim a este flagelo”. O apelo global lançado pela Cáritas Internacional visa reafirmar a determinação da organização em fazer acreditar que “a paz será possível se as negociações de paz forem realmente inclusivas e se a sociedade civil síria e a população em geral estiverem [nelas] envolvidas”. Para tanto, deve ser promovida a coexistência pacífica entre comunidades religiosas e étnicas que são parte integral da sociedade síria.
Para dinamizar a campanha “Síria: a Paz é possível”, lançada a 1 de janeiro último por Antoine Audo, Bispo de Alepo e presidente da Cáritas da Síria, a organização lançou, a nível internacional, o portal www.syria.caritas.org, através do qual todos os cidadãos, nomeadamente colaboradores e voluntários da Cáritas, podem apoiar esta causa. E sugere várias acções para torná-la num “movimento mundial pela paz”: escrever um comunicado (cujo conteúdo exemplifica) para divulgação na imprensa, a nível local, descrevendo os vários projectos da Cáritas para apoiar os refugiados sírios e apelando ao apoio político por parte dos governantes; organizar vigílias de oração nas paróquias; afixar, nos locais de trabalho, escolas, etc. o cartaz da campanha; organizar acções de divulgação nas dioceses ou em qualquer espaço colectivo de promoção da cidadania, utilizando as mensagens disponibilizadas pela campanha para promover o diálogo e sensibilizar para o problema da situação da Síria; dinamizar iniciativas de educação para a paz com alunos do ensino básico e secundário e convidar os alunos a escrever orações para a paz na Síria; colocar o link para o site da campanha nos website e em redes sociais como o Twitter (com a hashtag #peacepossible4syria); partilhar testemunhos de esperança, fotografias, vídeos como o que contém a mensagem de paz do Papa Francisco, e outros materiais desenvolvidos no âmbito da iniciativa, através das muitas plataformas existentes na Internet; e organizar um evento para a paz convidando entidades locais e nacionais a participar activamente.
[quote_center]A resolução da maior crise humanitária da actualidade depende em muito da solidariedade internacional[/quote_center]
O objetivo da campanha é juntar as muitas vozes da confederação aos cidadãos de todo o mundo, para exigir um cessar-fogo imediato e eficaz, apelando aos governos para que se comprometam com uma solução política capaz de terminar o conflito. A Cáritas apela assim à comunidade internacional que reforce o seu compromisso, trabalhando activamente para o processo de paz: “um acordo de paz na Síria enviaria um sinal de esperança aos habitantes de toda a região e a outros países devastados por guerras”, acredita.
Neste contexto, os governos devem promover e apoiar negociações de paz inclusivas (nas quais a sociedade civil síria e a população em geral possam participar), que garantam um cessar-fogo parcial de imediato e posteriormente um cessar-fogo permanente, o que constitui uma “prioridade para assegurar a protecção da população civil”. Para a Cáritas, os dirigentes “devem demonstrar coerência entre as suas agendas de política interna e externa, e deveriam evitar contradizer ou minar as respectivas agendas. Devem deixar de vender armas às partes envolvidas no conflito, quebrar o financiamento para que estas possam adquirir armas e terminar qualquer transação comercial que possa financiar a guerra”. Tal como denuncia o Papa, “enquanto vemos pessoas a passar fome e sem verem satisfeitas as necessidades básicas, grandes quantidades de dinheiro são gastas em armas”, acusa também a organização.
Simultaneamente, preservar a diversidade e a protecção das minorias étnicas constitui “um elemento-chave para a paz”, ao mesmo tempo que é necessário “promover cenários para a reconstrução física e social”, incluindo formas para estabelecer a confiança nas comunidades e o regresso dos refugiados.
À comunidade internacional, a Cáritas pede que lance um apelo a todos os envolvidos no conflito para que respeitem o direito humanitário internacional de proteger a população civil; garantindo a ajuda humanitária e os meios necessários, dentro e fora da Síria, para permitir que as pessoas em áreas afectadas pelo conflito, deslocados e refugiados tenham acesso a necessidades básicas como protecção, alimentos, educação e cuidados de saúde; e protegendo os grupos mais vulneráveis, incluindo as minorias.
A Cáritas Internacional fornece alimentação, assistência em saúde, bens de primeira necessidade, educação, apoio psicológico, acolhimento e protecção na Síria e nos países que abrigam refugiados. Só em 2015, as Cáritas nacionais garantiram ajuda a 1,3 milhão de pessoas.
A Cáritas Portuguesa, dinamizadora nacional da campanha em curso, apela ao Governo que participe também de forma activa em “soluções que possam pôr fim a esta guerra”, defendendo que “este processo de paz não pode ficar apenas nas mãos das grandes potências mundiais”, as quais “têm mais interesse em manter o conflito do que em encontrar um fim para esta calamidade”. Porque a realidade é que, com vontade colectiva, a paz é possível.
Cáritas Portuguesa no Médio Oriente
A Cáritas Portuguesa tem estado junto das populações afectadas por este conflito e, com o apoio da população nacional, foi possível apoiar vários projectos no Médio Oriente, em vários países afectados pela crise síria:
– Na Síria, a Campanha “10 Milhões de Estrelas – Um gesto pela paz 2014” apoiou três projectos em Damasco e Alepo: apoio alimentar a 143 famílias, cuidados de saúde para 71 pessoas, bolsas para 237 estudantes e ordenados para 20 professores, e aquecimento para 20 famílias. Este ano, foi criado um novo projecto para distribuição de roupas de inverno a 350 crianças sírias.
– No Líbano, a Campanha “10 Milhões de Estrelas – Um gesto pela paz 2015” está a apoiar um projecto de educação com melhoria e reabilitação de infraestruturas para melhorar as condições de ensino para 70 crianças. Também através da campanha “PAR – Linha da Frente”, foram apoiadas 930 pessoas nos campos de refugiados em Zahle com alimentos e cuidados de saúde. Durante o inverno, 120 pessoas puderam também contar com apoio para aquecimento durante seis meses.
– A Jordânia recebeu o donativo de oito contentores de roupa para famílias refugiadas.
Fonte: Cáritas Portuguesa
Jornalista