Quando os apoios se congelam, e pessoas a viverem em quartos de pensão são novamente despejadas e abandonadas na rua, sem saúde, sem medicação…
Ao olhar a realidade portuguesa, não interessa à minha reflexão a construção e apresentação de um mais actualizado diagnóstico sobre o fenómeno da pobreza. Há largos anos, que numa sucessiva multiplicação de seminários e conferências, não fazemos outra coisa – ainda que os dados estatísticos nelas revelados fiquem sempre aquém de uma realidade escondida, sendo, por isso, muito mais trágica e escandalosa que os dados do INE, do EUROSTAT, das organizações no terreno ou de qualquer trabalho monográfico recente sobre o tema. Diante de um fenómeno que se diz repetidamente estrutural, proponho alterações nalgumas estruturas que nos governam, radicalizando assim o problema e indo muito mais além do reconhecimento muito pouco corajoso da Assembleia da República Portuguesa, que declarou, em 2008, que a “pobreza conduz à violação direitos humanos”. Entendo, desta feita, afirmar, antes de mais, que a pobreza viola (não conduz) direitos fundamentas, erecuperar o imperativo da cooperação que leva à Fraternidade e da qual nasce, com significativa certeza, uma economia do bem-estar, inclusiva, sustentável e amiga do ambiente. Neste sentido, precisamos urgentemente 1. De uma Europa de cidadãos para os cidadãos, fundada não na solidariedade da esmola, inconsequente, burguesa, branqueadora de todo o tipo de crime, e tão geradora de desigualdades ou do que chamo de apartheid social, mas na empatia e na fraternidade. Precisamos de uma Europa descentrada, esvaziada de egocentrismos, nacionalismos; de uma Europa que perdoa, e que não desiste de ninguém. 2. De colocar um ponto final nas incubadoras dos partidos políticos. Não podemos continuar a permitir que nos represente e governe quem não seja por nós conhecido e por nós escolhido. Estas pessoas deverão continuamente confrontar as suas agendas e estratégias políticas com a vontade que os elegeu, prestando-lhe regularmente contas. E não me refiro apenas a membros de um qualquer governo local ou central, mas a quem venha a ter a missão de se sentar na Assembleia da República e ali defender e promover o bem-estar das comunidades que representam. 3. De um Estado que seja sobretudo Estado Social para que a ninguém, sem excepção, faltem mínimos de bem-estar, e ninguém se veja obrigado a partir, quando se ama a terra onde se nasceu. Por outro lado, precisamos de um Estado que reconheça em cada ser, que possa chegar de perto ou de longe, o direito a uma plena cidadania e lhe disponibilize espaços para a sua participação e realização. Como diz Ronald Dworkin, a legitimidade de um Estado está no igual cuidado que tem por cada um dos seus cidadãos e no total respeito pelo direito de cada um decidir para si o que dá valor à sua vida. 4. Que as famílias se associem e formem comunidades, porque estas, infelizmente, deixaram de existir. Empresas e organizações terão de nascer delas, como resposta à sua gestão. Por isso, há também que colocar um ponto final nas organizações que nascem não da vontade das comunidades, mas da esperteza de quem vê nas pessoas um meio para um grande negócio, e vivem depois à custa de dinheiros públicos. 5. Que a economia seja muito mais oikonomia, isto é, uma isenta e responsável manutenção das comunidades. Sociedades fortes, exigentes, inclusivas, fraternas estarão na génese e na base de economias de bem-estar, igualmente fortes e sustentáveis, de economias que serão justas distribuidoras da riqueza que é bem comum e produção de todos. Raramente o contrário é verdade. Aliás, a economia não existe. Nasce da sociabilidade entre seres diferentes. 6. Que todas as políticas de educação visem o desenvolvimento da cooperação que nos é intrínseca, e não o da competitividade que serve mercados liberais, gananciosos e desregulados. Aqui, quem vence não é o ávido, o ganancioso, mas o cooperante. 7. Que todas as políticas públicas sejam rigorosamente escrutinadas ao abrigo da Constituição e dos tratados internacionais ratificados, para que se conheça e se possa impedir a implementação de políticas geradores de desigualdade, pobreza e exclusão social. 8. Que se abrace a riqueza do nosso espaço verde e azul, não como dominadores, mas como agradecidos respeitadores. Outrora, estes recursos compensavam pelo abuso do capital sobre o valor do trabalho. Hoje, não só podem voltar a fazê-lo (dado que o abuso e exploração infelizmente continuam), como devem constituir uma natural e generosa fonte de sustentabilidade. 9. Que todos saibam, reconheçam e se comprometam a erradicar a pobreza através do acolhimento afectuoso das suas vítimas, da sua capacitação e do acesso das mesmas a um trabalho devidamente remunerado. O recente filme de Steven Spielberg, Lincoln, no relato que faz sobre a abolição da escravatura no século XIX, trouxe-me novamente o entusiasmo e a coragem de voltar a sonhar com a abolição da pobreza. Na Itália, um movimento de pessoas iniciou em Outubro de 2012 uma campanha que deseja precisamente declarar ilegal a pobreza. É verdade que a vida não se transforma por decreto, mas há muito que vivo pessoalmente convencido que as leis, pela “(des)ordem” social que vão permitindo, ainda que pouco ou muito consensual, também nos podem ajudar a olhar a pobreza não com a indiferença de um encolher de ombros, típica da grande maioria dos portugueses e factor causal da sua persistência, mas com a total intolerância de quem a olha como um atentado criminoso contra a dignidade humana. Acredito que só assim deixaremos de viver a sua teimosia entre nós, por aqui, pela Europa, pelo mundo, para a vermos apenas, e oxalá, em meros vestígios ou traços dela. |
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UTOPIA - Impossible Happenings