As expectativas de clientes, empregados, investidores e outros stakeholders face ao comportamento ético das empresas estão a aumentar continuamente. Ter uma forte cultura ética assume-se como uma vantagem competitiva e as empresas sabem que a sua conduta é cada vez mais escrutinada. E para que esta cresça “saudável”, é necessário que seja avaliada nas suas várias dimensões. Adicionalmente, a forma e o quão frequentemente os gestores falam de ética com os seus subordinados é crucial para o desenvolvimento de uma cultura aberta e sem receios de retaliação
POR HELENA OLIVEIRA
O mundo parece estar a sintonizar-se crescentemente com os benefícios de uma cultura ética, com várias vantagens associadas. São vários os estudos que, repetidamente, demonstram que empresas com culturas éticas fortes suplantam as suas congéneres que não as têm. E existe uma variedade de razões subjacentes a esses dados de performance. As empresas com culturas éticas fortes tendem a ter empregados mais envolvidos e comprometidos, o turnover tende a ser mais reduzido e a produtividade mais elevada, e quando é necessário contratar, é mais fácil atrair trabalhadores de elevada qualidade.
Por outro lado, os clientes e os investidores procuram crescentemente empresas que, acreditam, se comportam eticamente. De acordo com o Ethisphere Institute, existem actualmente cerca de 13 biliões de dólares sob gestão dos fundos Ambientais, Sociais e de Governança Corporativa (ESG), e todos eles à procura de empresas de confiança para investir.
A cultura ética pode também ser auto perpetuadora, com efeitos que vão além da conduta e percepções individuais dos empregados, os quais, em empresas com fortes culturas éticas, sentem menos pressão para comprometerem as normas da empresa para atingir os objectivos de negócio. E, caso observem algum tipo de má conduta, tendem a sentirem-se mais confortáveis em a reportar, permitindo que a organização aborde esse tipo de questões prematuramente, poupando tempo e dinheiro (sob a forma de custas judiciais, coimas e multas).
Contudo, mesmo as empresas que têm estas políticas no lugar podem estar em risco, pois são muitas as organizações que têm sistemas formais que dizem uma coisa, ao mesmo tempo que as suas culturas promovem outra coisa diferente. E quando esses tipos de falhas no alinhamento são persistentes, é muito possível que outras lacunas se estabeleçam: na ética, na qualidade, na segurança ou na combinação das três.
Mas o que é a cultura? Todos nós temos um sentido vago do que é e de como funciona nas nossas organizações, mas a verdade é que é um conceito difícil de definir. A definição no dicionário Merriam Webster diz-nos que a cultura é “o conjunto de pressupostos e normas duradouros que determinam de que forma as coisas são realmente feitas na organização”. E os factores que compõem a cultura podem ter um efeito fundamental e de longa duração no sucesso da empresa. Mas e de que forma é que uma organização pode lidar melhor com a sua cultura? Avaliando-a.
E porquê esta avaliação? De acordo com o Ethisphere, a avaliação funciona de várias maneiras. Em primeiro lugar, porque foca a atenção naquilo que tem de ser medido. Quando se fornecem métricas aos empregados que lhes dizem se estão a ser bem-sucedidos, estes esforçam-se por as superar. Em segundo, a avaliação assinala as prioridades da empresa. O que realmente importa para a organização? A maioria das empresas não tem falta de objectivos, mas nem todos têm uma métrica associada. A métrica informa os empregados sobre o que é que importa verdadeiramente à empresa.
Muitas organizações fazem inquéritos regulares aos trabalhadores para terem uma ideia do seu nível de compromisso. Mas enquanto os denominados inquéritos de compromisso constituem uma boa ferramenta, uma mão cheia de questões sobre ética e compliance não fornece o quadro completo. Um bom inquérito de compromisso não substitui um inquérito sobre cultura, pois a forma como alguém se sente relativamente aos seus benefícios, ao seu ambiente de trabalho e aos seus colegas não constitui um indicador da possibilidade de se falar sobre algo errado que se passe com a organização. E no final do dia, essa é a métrica crucial, ou seja, quão possível é que os seus trabalhadores notem alguma má conduta e a reportem? Uma realidade desta natureza não é simplesmente algo que um inquérito de compromisso possa avaliar. Desta forma, o Ethisphere recomenda a realização de um inquérito exclusivo sobre cultura, pois este não só oferece melhores resultados, como também comunica aos empregados que a empresa leva a cultura suficientemente a sério para conduzir um inquérito específico sobre a mesma.
O Ethisphere trabalha com empresas de todas as dimensões para avaliar as percepções dos empregados relativamente à cultura ética das organizações. E os seus dados abrangem já as respostas de cerca de 500 mil trabalhadores de todo o mundo, as quais foram compiladas para dar corpo a um conjunto de relatórios publicados e que servem de boas práticas para organizações variadas. E o seu modelo de inquérito de quociente de cultura [ética] (Culture Quotient Survey ou QC, na sigla em inglês), concentra-se em oito pilares por excelência: conhecimento do programa e recursos; percepções sobre a função da ética; observação e reporte de má conduta; pressão; justiça organizacional; percepções do gestor (supervisor); percepções da liderança e percepções dos pares e ambiente. Vejamos alguns resultados destes inquéritos.
Encorajar o reporte e reduzir o medo da retaliação
Quando questionados se diriam alguma coisa caso testemunhassem uma má conduta, 93% dos entrevistados para o QC do Ethisphere (ou 451,985 pessoas) responderam positivamente. A razão principal para esta forte disponibilidade de, hipoteticamente, reportarem essa má conduta é a de que “é a coisa certa para se fazer”, seguida de “uma acção correctiva é necessária” e “o meu superior hierárquico apoiar-me-ia”. Inversamente, e para os trabalhadores que, hipoteticamente, não fariam nenhuma denúncia depois de observarem algum tipo de má conduta, o medo da retaliação foi a razão mais comummente citada.
Todavia, existe uma enorme diferença entre a disponibilidade hipotética para reportar a má conduta e os números de verdadeiro reporte. Apenas 55% dos que realmente observaram uma má conduta é que a reportaram, sendo que a vasta maioria dirigiu-se ao seu gestor directo, ao gestor do seu gestor ou a um profissional de ética ou compliance, não utilizando a linha de apoio existente na organização para o efeito, com apenas 22% a fazê-lo.
O inquérito CQ pediu aos respondentes que utilizaram mais do que uma modalidade de denúncia para expressarem o seu grau de satisfação com a forma como o processo foi tratado para cada uma delas. Os níveis de satisfação quando o reporte é feito ao gestor directo tendem a variar significativamente nas organizações, com mais pessoas a reportarem uma experiência satisfatória ou insatisfatória e não neutral. E os empregados que não ficaram satisfeitos com o processo de reporting a um gestor apresentaram-se com três vezes mais de probabilidades para citar “o anonimato não foi respeitado” como razão para a sua insatisfação. Desta forma, preparar os gestores para lidarem com estas situações e responderem apropriadamente às denúncias é fundamental para gerar confiança no processo de reporte.
Na mesma linha, a forma e quão frequentemente os gestores falam (ou não) de questões éticas com os seus colaboradores é também de considerar. Os empregados cujos gestores discutem frequentemente tópicos de ética e compliance têm o dobro de probabilidades de se sentirem confortáveis para falarem com os seus chefes se tiverem suspeitas ou provas de má conduta; têm 90% mais de probabilidades para terem confiança de que não serão vítimas de retaliação e 54% mais de probabilidades de creditarem que os colegas agem eticamente sempre e 24% mais de probabilidades para acreditarem que têm uma responsabilidade pessoal de assegurarem que a empresa faz o que é certo. Adicionalmente, têm igualmente uma disponibilidade muito maior para reportarem comportamentos não éticos, com 66% desse grupo a fazê-lo (versus os 55% de referência global acima citados).
Inversamente, os empregados cujos gestores nunca discutem tópicos de ética ou de compliance são duas vezes menos propensos a acreditar que a liderança age de forma ética todas as vezes, têm menos de 89% de probabilidades de terem confiança no compromisso da empresa face a políticas de não-retaliação e 82% menos de probabilidades de acreditar que a empresa irá investigar uma denúncia na sua totalidade.
Desta forma, os empregados que afirmam não estar dispostos a reportar um acto de mau comportamento ético dão como principais razões para não o fazerem o medo de retaliação e a ausência de confiança no que respeita a uma potencial acção correctiva por parte da organização. E, na maioria das organizações, existem segmentos no seu interior onde esses receios são mais fortes. Algo que não é surpreendente, visto que apenas 81% dos respondentes ao inquérito QC concordam que a sua organização tem uma política que proíbe qualquer forma de retaliação contra alguém que faça uma denúncia. Da mesma forma, apenas 77% dos inquiridos concordam que são tomadas acções disciplinares quando os indivíduos têm uma má conduta ou um comportamento não ético. É também de sublinhar que os inquiridos pelo Ethisphere têm maior propensão para “concordarem fortemente” ou “concordarem” que os gestores apoiam mais a política de não-retaliação da empresa comparativamente ao apoio dado pela própria organização.
Como equipar adequadamente os gestores para comunicarem a importância da ética
Dado o papel principal que os gestores têm na promoção de uma cultura que incite os empregados a expressarem a sua preocupação face a comportamentos não éticos, como é que as empresas os devem envolver, de forma efectiva, para assegurar que estes têm as ferramentas e os recursos necessários para o fazer?
Um ponto de partida lógica, de acordo com o Ethisphere, é conferir uma formação específica aos gestores que vá mais além do que aquela que serve para identificar e prevenir, por exemplo, o assédio sexual no trabalho, para que sejam abordadas questões mais abrangentes sobre a comunicação da importância da ética. E é também por isso que muitas das empresas pertencentes ao universo de auscultação do Ethisphere estão a apostar neste tipo específico de formação.
Muito deste esforço tem como enfoque os gestores mais jovens, o que é compreensível, especialmente quando se considera o número de empregados que começam a ter funções de gestão pela primeira vez. Estes são geralmente promovidos porque dão contributos sólidos à empresa e não porque sabem gerir eficazmente. Desta forma, é importante que a organização lhes forneça as competências necessárias para serem bem-sucedidos em todas as dimensões da gestão.
A formação de gestores cobre, tipicamente, uma variedade alargada de conteúdo, incluindo o seu papel na promoção de uma cultura de “dar voz” aos seus subordinados no que respeita ao reporte de comportamentos não éticos. E o Ethisphere partilha alguns dos temas que podem e devem ser incluídos nestas formações específicas.
- Incluir exemplos de empresas reais na comunicações para os gestores para estes os poderem utilizar nas conversas com as suas equipas – e monitorizar, de seguida, se estes exemplos são realmente usados;
- Discutir a forma como se deve ter conversas sobre ética e integridade, incluindo como é que os gestores podem partilhar os seus próprios dilemas e processos de tomada de decisão com os seus subordinados directos;
- Enfatizar as competências de escuta activa para assegurar que os empregados se sentem confortáveis em dirigirem-se aos gestores para pedir aconselhamento (por outras palavras, uma “atitude de gratidão pela informação”), especialmente se de más notícias se tratar;
- Encorajar os gestores a considerar a forma como reagem quando as coisas correm mal, o que irá influenciar o quão confortavelmente se sentem os empregados para discutir com eles os desafios em causa.
Adicionalmente, é crucial que se assegure também a forma como se continua a trabalhar com alguém que reportou algum tipo de má conduta: um empregado que tenha reportado alguma coisa a um gestor e que não fique satisfeito com a resposta tem duas vezes mais probabilidades de citar o isolamento a seguir ao processo como uma das razões para a sua insatisfação. Ou seja, a experiência do empregado não termina com o acto de reportar o mau comportamento ético em causa.
Uma cultura ética robusta é crucial para o sucesso contínuo das empresas na actualidade. Os empregados desejam trabalhar para empresas que sejam íntegras, com os investidores e outros stakeholders a reconhecer e a recompensar aquelas que são geridas com propósito. E, adicionalmente, os dados resultantes dos inquéritos elaborados pelo Etisphere Institute demonstram que este tipo de abordagem oferece um “prémio de ética” relacionado com a performance financeira de longo prazo.
Editora Executiva