“Sombria” é como o Fórum Económico Mundial caracteriza a competitividade global em 2019. Entre 141 economias avaliadas, Portugal mantém a mesma posição face ao ano transacto – 34ª –, com os Estados Unidos a serem ultrapassados por Singapura, que assume agora o lugar de economia mais competitiva do mundo. E para inverter a “década perdida” pelas economias mundiais, os países deverão integrar, nas suas políticas económicas, uma aposta genuína nas infra-estruturas, nas competências, na investigação e desenvolvimento e no esforço de ‘não deixar ninguém para trás’, em oposição aos factores tradicionais de crescimento
POR HELENA OLIVEIRA

“Dez anos passados sobre a crise financeira global e a economia mundial permanece ‘trancada’ num ciclo de crescimento de produtividade lento apesar da injecção de mais de 10 biliões de dólares por parte dos bancos centrais”. É assim que o Fórum Económico Global (FEM) dá início à avaliação dos resultados apurados no mais recente Relatório de Competitividade Global, o qual analisou as economias de 141 países através de 103 indicadores organizados em 12 grandes pilares. Singapura ultrapassou os Estados Unidos e é agora a economia mais competitiva do mundo, com uma pontuação de 84,8 (em 100) e Portugal mantém-se na mesma posição face ao ano passado – 34ª – com um score ligeiramente superior de 70,4, equivalente ao que tinha em 2003 (v. Caixa). 

Entre os BRICS, é a China que melhor pontua (28ª posição), sendo que os lugares mais baixos são ocupados pelas economias africanas que ainda não conseguiram ultrapassar a marca dos 50 pontos da fronteira da competitividade. Os Estados Unidos, apesar de terem perdido para Singapura no geral, continuam a ser um centro de poder inovador, ocupando o primeiro lugar no pilar do dinamismo dos negócios e no “encontrar” dos empregados com as melhores competências. Já os países nórdicos posicionam-se entre os países mais tecnologicamente avançados, inovadores e dinâmicos do mundo, o que se reflecte nas boas condições de vida e protecção social que oferecem aos seus cidadãos. 

Para os analistas do FEM, o mundo encontra-se num verdadeiro ponto de viragem tanto a nível social, como ambiental e económico. O crescimento anémico da economia, a par do aumento das desigualdades e da aceleração das alterações climáticas oferecem o contexto ideal para reacções negativas contra o capitalismo, a globalização, a tecnologia e as elites. Por outro lado, assistimos igualmente ao impasse no sistema de governança internacional, com tensões crescentes ao nível geopolítico e do comércio, o que contribui para alimentar ainda mais o clima de incerteza. Como explica o FEM, todos estes factores restringem o investimento e aumentam o risco da existência de choques adversos do lado da oferta: disrupções nas cadeias de fornecimento globais, ocorrência de picos súbitos nos preços ou a interrupção na disponibilidade de recursos essenciais. 

E como afirma o fundador e presidente do FEM, Klaus Schwab, no prefácio do relatório, “O Indice 4.0 da Competitividade Global [devido à 4ª Revolução Industrial, foram adicionados novos indicadores para este índice desde o ano passado] oferece uma orientação para os países prosperarem na nova economia onde a inovação se assume como o factor-chave para a competitividade. O relatório demonstra que os países que integram, nas suas políticas económicas, “uma ênfase nas infra-estruturas, nas competências, na investigação e desenvolvimento e no esforço de ‘não deixar ninguém para trás’ são mais bem-sucedidos comparativamente aos que apenas se concentram nos factores tradicionais de crescimento”. E é talvez por isso que as 141 economias analisadas apresentam um resultado médio de 61 pontos (em 100), com cerca de quase 40 pontos a “sobrarem” face à denominada “fronteira” ideal da competitividade. Para o FEM, este fosso global na competitividade é particularmente preocupante, em particular porque a economia está a enfrentar uma significativa probabilidade de retracção. Incerteza profunda e níveis mais baixos de confiança foram também sublinhados pelos 13 mil executivos inquiridos para o relatório deste ano.

Para o Fórum Económico Mundial, é verdade que os resultados actuais apontam para uma fotografia cinzenta da competitividade mundial, com excepção de vários países que, com uma abordagem holística dos seus desafios socioeconómicos, estão mais perto de chegar à fronteira desejada. Para além de Singapura, o top 5 deste ano é composto, respectivamente, pelos Estados Unidos, Hong Kong, Holanda e Suíça, com o Japão a ocupar a 6ª posição, seguido pela Alemanha, Suécia, Reino Unido e Dinamarca, todos eles com scores superiores a 80 pontos. 

Como já é habitual, Klaus Schwab, em conjunto com Saadia Zahidi, responsável pelas Agendas Sociais e Económicas do FEM, oferece a sua visão sobre as tendências na economia global reveladas pelo Índice de Competitividade Global 4.0 e as suas principais implicações para os decisores políticos. Em conjunto com informação retirada do próprio relatório, vejamos o que é mais importante reter.

O que os líderes globais fizeram na última década para mitigar o pior da crise financeira não foi suficiente

Desde a Grande Recessão que os decisores políticos mantiveram a economia com a cabeça acima da água, particularmente através de uma política monetária muito pouco convencional e “frouxa”. Mas e apesar da injecção massiva de liquidez – os quatro maiores bancos centrais do mundo (Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia e Japão) injectaram 10 triliões de dólares entre 2008 e 2017 – o crescimento da produtividade continuou a apresentar níveis de estagnação ao longo da última década. 

Para os dois analistas, um excesso de confiança na política monetária poderá ter contribuído para a redução do crescimento da produtividade através da má alocação de capital e com os bancos menos interessados em fazer empréstimos às empresas, favorecendo, ao invés, negócios não constrangidos pelo crédito e dando prioridade às actividades comerciais.

Por seu turno, escrevem, não existem factores de compensação entre os 12 pilares analisados, ou seja, um sistema financeiro sólido não é capaz de compensar a pobreza das infra-estruturas físicas, tal como a adopção das TIC não consegue compensar a ausência de um ecossistema de inovação e empreendedorismo. Assim, os países têm de percorrer as 12 avenidas em causa, ao mesmo tempo que têm de criar a sua própria estratégia para equilibrarem e concentrarem-se nos esforços efectuados, retirando vantagem de capital e tecnologias mais baratos. Isto se quiserem aproveitar a nesga da janela ainda aberta antes de uma desaceleração económica previsível. 

Decisores políticos têm de expandir as suas ferramentas de política fiscal, reformas e incentivos públicos

A confiança exclusiva – e muito provavelmente excessiva – na política monetária traduziu-se igualmente no facto de a política fiscal ter sido amplamente mal utilizada, tal como é reflectido no declínio acentuado dos investimentos públicos a nível global. Apesar dos custos de empréstimos extremamente baixos, o sector público não intensificou os seus investimentos, em parte – e em algumas economias avançadas – devido às preocupações com a sustentabilidade da dívida pública (a qual atingiu  237% no Japão, 121% em Portugal e 132% em Itália). 

Assim, Schwab e Zahidi acreditam que um estímulo liderado pelo investimento poderá ser a acção apropriada para retomar o crescimento nas economias avançadas estagnadas, em particular através de políticas fiscais que confiram prioridade ao investimento em infra-estruturas, capital humano, investigação & desenvolvimento e contratos públicos ecológicos. Este esforço deverá ser complementado por reformas estruturais que facilitem a inovação e que permitam que negócios responsáveis e inclusivos possam florescer. Adicionalmente, uma política fiscal relançada que incentive os investimentos “verdes” poderá oferecer uma oportunidade para descarbonizar a economia e, de forma similar, maiores investimentos em medidas e protecção social poderão igualmente apoiar a mudança para uma maior prosperidade partilhada. 

Adopção e integração tecnológica é importante, mas só se for acompanhada em paralelo pelo investimento em competências

Apesar de muitas economias avançadas, bem como os mercados emergentes, estarem a abraçar as novas tecnologias da Quarta Revolução Industrial, encontrar um equilíbrio entre a integração tecnológica, os investimentos em capital humano e o ecossistema de inovação será essencial para aumentar a produtividade na próxima década. Com as competências certas e formação, os trabalhadores podem-se transformar em agentes que adoptem e realizem o potencial da tecnologia em vez de serem substituídos pela mesma. Investir nas pessoas é, cada vez mais, um factor fundamental para o crescimento e resiliência na Quarta Revolução Industrial.

Assim, este equilíbrio entre a integração tecnológica e os investimentos em capital humano será crítico para o aumento da produtividade, bem como fazer da tecnologia e da inovação uma parte integrante do ADN da economia. Adicionalmente, e no processo Schumpeteriano da “destruição criativa”, a criatividade tem de ser encorajada e a destruição tem de ser gerida. A precariedade crescente dos trabalhadores, o fosso de competências, a concentração excessiva do mercado, os efeitos corrosivos no tecido social, as lacunas regulatórias, as questões da privacidade de dados e as guerras cibernéticas são alguns dos potenciais efeitos negativos que os governos têm de mitigar. 

Os resultados do Índice de Competitividade Global mostram também que a governança tecnológica não acompanhou o ritmo da inovação na maioria dos países, mesmo naqueles que, habitualmente, são caracterizados como muito inovadores.  Complementarmente, os países têm de melhorar a adaptabilidade do talento, ou seja, permitir que as capacidades das suas forças de trabalho possam contribuir para o processo de destruição criativa e consigam lidar com as suas disrupções. E esta adaptabilidade do talento exige igualmente um mercado laboral que funcione e que proteja os trabalhadores e não os postos de trabalho. 

Decisores políticos têm de olhar para a velocidade, orientação e qualidade de um crescimento conjunto

Um crescimento económico sustentado permanece como a melhor forma de se sair da pobreza e uma força motriz para o desenvolvimento humano e para melhores padrões de vida. Todavia, não é suficiente só por si caso se procurem soluções para dois dos maiores desafios da próxima década: a construção de uma prosperidade partilhada e a gestão da transição para uma economia verde. 

Na última década, o crescimento foi contido e permanece abaixo do seu potencial na maioria dos países em desenvolvimento, ameaçando seriamente o progresso em vários dos objectivos para o desenvolvimento sustentável. E o ambiente competitivo de 2019 não augura nada de bom. Na verdade, o mundo não está a caminho de cumprir nenhum dos Objectivos para os Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os países menos desenvolvidos falharam a meta de crescimento de 7% ao ano desde 2015 e a redução da pobreza extrema está a desacelerar, com 3,4 mil milhões de pessoas – ou 46% da população mundial – a viver com menos de 5,5 dólares por dia e a lutar para ir ao encontro das suas mais básicas necessidades. Depois de vários anos a manter um declínio estável, a fome aumentou e afecta agora 826 milhões de pessoas – ou uma em cada nove – comparativamente a 748 milhões em 2015. Um total de 20% da população africana está mal nutrido e o objectivo “zero fome” não será certamente atingido.

No que respeita ao clima, dos 10 factores ecológicos que podem destabilizar o ecossistema do planeta, três já excederam o seu “limite”. E a visão tradicional prevalecente é a de que a igualdade e a sustentabilidade têm de ser alcançadas às custas do crescimento. Schwab e Zahidi têm uma opinião contrária, afirmando que a ausência de prosperidade partilhada e de sustentabilidade ambiental corroem o crescimento da produtividade. Adicionalmente, escrevem, existe um caso moral claro para que o enfoque seja feito não só na velocidade do crescimento, mas também na sua orientação (ambientalmente sustentável) e qualidade (gerando a prosperidade partilhada). 

Liderança visionária é necessária para uma economia de crescimento, inclusiva e ambientalmente sustentável

O enfoque no crescimento económico sem que o mesmo seja inclusivo e ambientalmente sustentável está a ter, como sabemos, consequências nefastas para o planeta e para a humanidade. A aceleração das alterações climáticas está já, e como é visível, a afectar centenas de milhões de pessoas em todo o mundo e é já facto praticamente consumado que aqueles que têm menos de 60 anos irão testemunhar os seus efeitos radicalmente destabilizadores na Terra. Em paralelo, o crescimento da desigualdade, da precariedade e a ausência de mobilidade social estão a minar a coesão social, projectando um sentimento crescente de injustiça, uma perda de identidade e dignidade, um enfraquecimento do tecido social, a par de uma erosão da confiança nas instituições, de um desencantamento com os processos políticos e de um desgaste do contrato social. Mais ainda, tornou-se claro que as agendas social, económica e ambiental não podem continuar a ser cumpridas separadamente e em paralelo: têm, sim, de se fundir numa agenda única que promova o crescimento sustentável e inclusivo, de forma holística e de longo prazo. 

Algumas economias já estão a ser bem-sucedidas nesta matéria, como é o caso, por exemplo, da Suécia, da Dinamarca e da Finlândia. Estes países não se encontram apenas entre as economias mais tecnologicamente avançadas, inovadoras e dinâmicas do mundo, como estão igualmente a fornecer melhores condições de vida aos seus cidadãos, bem como melhores protecções sociais, sendo mais coesas e mais sustentáveis do que outros países com níveis similares de competitividade comparativamente aos seus. 

E é verdade que a maioria dos países possui resultados muitos diferentes no que respeita aos factores ambientais e sociais mesmo posicionando-se no mesmo nível de competitividade actual. Por exemplo, e no que ao ambiente diz respeito, enquanto a Suécia e os Estados Unidos têm um score de 80 (em 100) na competitividade, a primeira aumentou a sua dependência em energias renováveis em 13% ao longo dos últimos 15 anos, ao passo que os Estados Unidos não foram além dos 3%. De forma similar, e em termos de políticas sociais, apesar da Dinamarca e do Reino Unido apresentarem níveis idênticos de competitividade, serão necessárias duas gerações para que um individuo de baixos rendimentos atinja o rendimento médio na Dinamarca e cinco anos no Reino Unido.

De acordo com os analistas, as baixas pontuações obtidas pela maioria das economias no que respeita ao indicador “orientação futura do governo” indica que os decisores económicos estão a gorar as expectativas das suas populações no que respeita à edificação de uma nova economia e sociedade. 



A AESE Business School foi palco, e como já é habitual, da apresentação do Relatório de Competitividade Global para 2019 anualmente publicado pelo Fórum Económico Mundial. O seu presidente, José Ramalho Fontes, respondeu a algumas perguntas colocadas pelo VER, avaliando mais detalhadamente os resultados obtidos por Portugal

Na medida em que os resultados globais do ranking mundial de competitividade apontam para uma “década perdida” de crescimento, o que significa o facto de Portugal ter mantido a mesma posição face ao ano passado, depois de, em 2018, ter subido oito lugares (em 2017, ocupava a posição 42)?

A década perdida correspondeu, segundo os diferentes oradores no evento de apresentação do Global Competitiveness Index 2019, ao deficiente crescimento da competitividade das empresas e da economia em geral. Desde 2016, e traduzindo o efeito da troika, sobretudo a actividade exportadora dos sectores mais dinâmicos, assim como o grande crescimento do turismo, contribuíram para subirmos para a 34.ª posição. A mudança de critérios da GCI 4.0 [alteração na metodologia, desde o ano passado, que inclui agora a Economia 4.0] favoreceu esta classificação. 

Apesar de ter mantido a mesma posição, o score de Portugal subiu de 70,2 para 70,4, equivalente ao que tinha em 2003, mas longe de alcançar o 23º lugar que ocupava no ano de 2002. Afinal, como se lê a competitividade nacional em 2019?

A subida do GCI para 70,4 pontos – mais 0,2 do que em 2018 – não é significativa. Todavia, explicita uma realidade tanto nossa como a dos nossos vizinhos nas posições 33 e 35 (Chile e Eslovénia). As economias mantiveram-se igualmente competitivas, integrando-se nas 35 economias mais competitivas do mundo, em que a inovação é considerada como o factor de maior desenvolvimento. 

Quais são os principais indicadores que continuam a pesar mais pela negativa na prestação “global” do país?

Portugal continua a demonstrar mais fragilidade em indicadores como: a complexidade de impostos (-1 posição, de 112 para 113); a mobilidade laboral (de 116 para 120); os NPL (Non Performing Loans) (-9 posições, de 112 para 121) e o rácio de capital na banca (de 108 para 123). Estes são indicadores referentes a 141 países que participaram no GCI em 2019.

E quais são os que merecem ser mais destacados pela positiva?

Os principais indicadores em que Portugal se destacou relativamente aos anos anteriores foram as barreiras alfandegárias (de 23 para 6), a banda larga de internet fixa (de 21 para 16) e a transparência orçamental (de 36 para 20).  No geral, subimos de 13 para 23 indicadores colocados no top 20 dos países respondentes.

O que resultou do debate promovido pela AESE e no qual participaram, como é costume, representantes da PROFORUM, Associação para o Desenvolvimento da Engenharia e do FAE, Fórum de Administradores e Gestores de Empresas?

No debate ficou clara a mensagem de que este resultado positivo é uma base de trabalho para uma necessária e possível subida de todos os sectores, público e privado, se soubermos actuar na formação e educação das pessoas, numa perspectiva de curto e médio prazo, para assegurar a retenção de talento e a captação dos quadros muito qualificados que foram para o estrangeiro e podem regressar.


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