É sabido que a confiança pode levar anos a construir mas que pode ser arruinada num instante, com estes acontecimentos a serem muito mais comuns do que os líderes empresariais possam pensar. Num recente estudo realizado pela PwC, cerca de metade dos consumidores (50%) e empregados (54%) relatam ter sofrido uma situação negativa que abalou a sua confiança na empresa em causa, facto apenas admitido por 20% dos executivos auscultados. Este desfasamento pode fazer toda a diferença na forma como se constrói e se mantém este activo organizacional, o qual se assume cada vez mais como crucial
POR HELENA OLIVEIRA

Pela terceira vez consecutiva, a PricewaterhouseCoopers (PwC) inquiriu 500 líderes empresariais, 2012 trabalhadores e 2508 consumidores sobre a importância da confiança. E, tal como se esperava, todos eles partilharam a ideia de que a confiança é um imperativo no mundo dos negócios e que pode aumentar a rentabilidade.

Pelo contrário, a falta de confiança pode corroer o valor da marca, prejudicar o desempenho financeiro e limitar a capacidade de uma empresa para atrair e reter talentos. No ambiente actual, as empresas têm de trabalhar mais do que nunca para ganhar confiança entre os seus principais constituintes. E embora o inquérito deste ano mostre que muitas empresas estão a ficar aquém das expectativas no que a este tema diz respeito, também destaca as oportunidades para a construção da confiança, ao mesmo tempo que criam valor ao fazê-lo. Não é assim de estranhar que 91% dos executivos inquiridos concordem que a capacidade de ganhar confiança e mantê-la melhora os resultados das empresas que lideram. 

Todavia e embora exista unanimidade no que respeita à importância da confiança, o mesmo não acontece sobre o quanto as empresas são de confiança. Entre os inquiridos, 84% dos executivos empresariais pensam que os clientes confiam muito nas suas respectivas empresas, mas apenas 27% dos clientes dizem o mesmo. Esta diferença estreita-se no que respeita aos empregados, mas não o suficiente, com 79% dos executivos a afirmarem que os seus empregados confiam na empresa e apenas 65% dos empregados a concordar com esta declaração. 

Sobrestimando-a, os executivos afirmam também que dos maiores desafios que têm de ultrapassar para a construir continua a ser o conflito de prioridades dos diferentes stakeholders. E o único desafio que consideram mais importante na actualidade está relacionado com a cultura empresarial. Como sabemos, para muitas empresas, a transição para o trabalho remoto ou híbrido tornou-se uma norma e, como resultado, a cultura empresarial sofreu alguns abalos, na medida em que os empregados já não se reúnem regularmente no escritório, não se encontram face a face com os seus superiores hierárquicos, nem com os colegas. E dado que muitas empresas continuam a abraçar tanto o trabalho à distância como o modelo híbrido, os executivos reconhecem a necessidade de fazer ajustamentos na cultura das organizações que lideram. Como também tem sido referido amiúde, é crucial definir o “tom” da organização e certificar-se de que os empregados compreendem os valores da empresa e o seu papel na condução do propósito da empresa.

Mas vejamos os principais resultados decorrentes deste estudo, o qual pode ajudar na conquista e manutenção da confiança não só como imperativo dos negócios, mas também enquanto trampolim para melhores resultados.

Confiança é da responsabilidade da organização e os danos que pode sofrer são mais comuns do que se imagina

Uma esmagadora maioria dos inquiridos – 92% dos líderes empresariais, 92% dos consumidores e 94% dos empregados – concorda que é da responsabilidade das organizações a criação de um clima de confiança. E uma das razões para tal prende-se com as recomendações: 58% dos consumidores afirmam ter recomendado uma empresa em que confiam a amigos e familiares e 64% dos trabalhadores entrevistados afirmam ter recomendado uma empresa com um ambiente de trabalho saudável exactamente porque confiam nela. 

Como é igualmente sabido, a confiança pode levar anos a construir e, no entanto, pode ser danificada num instante, com estes acontecimentos a serem muito mais comuns do que os líderes empresariais possam pensar. Cerca de metade dos consumidores (50%) e empregados (54%) relatam ter sofrido uma situação negativa que abalou a sua confiança. Mas apenas 20% dos executivos admitem que a sua organização esteve envolvida neste tipo de incidente.

E porquê uma tal diferença? Tanto os consumidores como os empregados identificam más experiências pessoais que tiveram um grande impacto na sua confiança. Estes exemplos realçam o grau em que “pequenas questões” podem – e prejudicam – sobremaneira a confiança. O tipo de experiência mais comum dos consumidores no que respeita a esta quebra relaciona-se com um mau serviço ao cliente (36%) seguido por falta de transparência da empresa em causa (23%). A maioria (63%) dos que sofreram este abanão na confiança que antes tinham em determinada empresa levou-os a deixar de comprar os seus produtos ou serviços. Para os empregados, 33% dizem que o preconceito ou “maus tratos” causaram uma perda de confiança na empresa em que trabalham, com mais de metade (53%) a afirmar que deixaram a empresa após esta má experiência.

Por outro lado e para os executivos, é mais provável que eventos de grande escala prejudiquem a sua confiança. A segurança (15%), as questões legais e de compliance (11%) e, em menor medida, as questões financeiras e as falhas do sistema constituem as situações que mais podem abalar a confiança. A correcção do problema (32%), em conjunto com a divulgação das razões do fracasso, são as formas mais utilizadas pelos líderes empresariais para tentar recuperar e melhorar a confiança.

Como construir confiança para a criação de valor

Em primeiro lugar, há que fazer uma escuta activa no interior da organização. Os empregados são aqueles que mais perto estão dos clientes e das operações e podem ajudar a identificar as situações mais prementes que precisam de uma especial atenção por parte dos executivos. Entre os empregados que dizem que a sua empresa viveu um evento que prejudicou o seu nível de confiança nos últimos 12 meses, quase metade (46%) afirmou que o mesmo já era por eles esperado. Ou seja e através do seu trabalho quotidiano, os empregados têm informação em primeira mão sobre potenciais “pontos mortos” que as empresas devem enfrentar relativamente a questões de confiança. Os líderes empresariais podem capitalizar esses mesmos pontos para evitarem proactivamente problemas futuros, mas apenas se tomarem medidas para uma escuta activa que permita obter essa informação por parte dos empregados.

Adicionalmente, as empresas deverão questionar se os seus trabalhadores se sentem confortáveis com a cultura da empresa, algo que vai muito mais além de normas escritas e dos canais de denúncia. Os gestores e a liderança têm de criar uma cultura em que os trabalhadores se sintam capacitados para falar e se sintam ouvidos e apoiados quando o fazem. Ao envolverem-se desta forma, as empresas podem ter uma melhor noção de onde se podem esconder potenciais questões de (falta) de confiança. 

Questionados sobre se a liderança da empresa dá ou não a devida atenção aos potenciais ganhos de confiança no negócio, menos de metade (45%) dos executivos das empresas diz que sim e apenas um terço (34%) dos empregados concorda. 

De sublinhar que ganhar confiança resume-se a compreender o que é importante para os diferentes stakeholders em determinado momento O inquérito da PwC mostra que, na actualidade, existe uma desconexão entre os factores de confiança que os consumidores e os empregados consideram muito importantes e aqueles que os executivos pensam que estão a executar bem. 

Por exemplo, quando se trata de confiar numa empresa, é mais provável que os consumidores considerem a segurança dos dados, serviço ao cliente, em conjunto com produtos e serviços de alta qualidade como os mais importantes, não se focando em atributos que têm menos impacto directo na sua experiência como cliente.

Dois terços dos consumidores e dos empregados auscultados dizem que é muito importante que as empresas revelem as suas políticas de privacidade de dados, mas apenas 42% das organizações afirmam que o fazem. Mais de metade dos trabalhadores acredita que é muito importante que as empresas sejam transparentes no que respeita às práticas de contratação e aos riscos operacionais. Todavia, ambos os temas aparecem no fim da lista do que as empresas divulgam, com apenas 40% a 38% a fazerem-no, respectivamente.

A importância das questões sociais e os novos riscos postos pela IA

Com o aumento da polarização e das expectativas concorrentes dos vários stakeholders, ater-se ao que é relevante para o negócio pode ser o caminho ideal quando se trata de falar sobre questões sociais. De facto, um em cada dois consumidores (49%) e empregados (50%) dizem que as empresas só devem tomar uma posição pública sobre questões sociais se estas estiverem relacionadas com o seu negócio principal. 

Ao mesmo tempo, dois terços dos executivos das empresas dizem-nos que tomar uma posição sobre questões sociais gera confiança entre os clientes (64%) e os empregados (66%). Todavia, e como é sublinhado no estudo, tomar uma posição sobre questões sociais pode ser uma espada de dois gumes. Quando os pontos de vista se alinham, tal pode fomentar a confiança das empresas com os consumidores (59% confiam mais quando concordam) e com os empregados (69% confiam mais quando concordam). Ao mesmo tempo, a adopção de uma postura impopular pode diminuir a confiança. Contudo, parece haver um benefício líquido em tomar uma posição, uma vez que o impacto positivo quando as partes interessadas acordam compensa o impacto negativo quando discordam.

Independentemente do facto de a empresa decidir ou não tomar uma posição sobre uma questão social, o local de trabalho pode muitas vezes ser um fórum para os trabalhadores partilharem as suas opiniões e ideias. Uma abordagem a considerar, afirmam os autores do estudo: educar e formar gestores para proporcionar um ambiente que promova a segurança psicológica em que os empregados se sintam capacitados a falar, independentemente dos seus pontos de vista.

Adicionalmente, a Inteligência artificial (IA) está a mudar a forma como as empresas operam, sendo cada vez mais certo que as que não evoluem para incorporar a tecnologia nos seus negócios podem ficar para trás. Contudo, a IA generativa traz novos riscos e considerações, pelo que é vital que a sua implementação ocorra de uma forma responsável, digna de confiança, justa e estável. 

Muitas empresas planeiam tomar um conjunto de medidas para confirmar que a segurança, qualidade e desempenho destes sistemas são monitorizados e optimizados. Quase todos os líderes empresariais afirmam que a sua empresa está a dar prioridade a pelo menos uma iniciativa relacionada com os sistemas de IA a curto prazo. A conformidade (41%), especialmente no que diz respeito à privacidade, é o foco principal identificado pelos executivos para os próximos 12 meses, mas apenas 35% afirmam que a sua empresa irá tomar medidas como a melhoria da governação dos sistemas e processos de IA, a confirmação de que as decisões orientadas para a IA são interpretáveis e facilmente explicáveis, monitorizar e informar sobre o desempenho do modelo de IA e, por último, proteger os sistemas de IA de ameaças e manipulações cibernéticas.

Pouco menos de metade (46%) dos executivos declaram estar devidamente preparados para um risco ou falha de um algoritmo de IA, com 48% a afirmar estar a fazer esforços consideráveis para reduzir a probabilidade de um tal evento acontecer. Estas respostas constituem pelo menos um primeiro passo positivo, mas muito mais há a ser feito. Tendo em conta os atributos da IA – de que são exemplo a falta de supervisão humana e a sua dependência de dados históricos potencialmente insuficientes – as equipas de liderança deveriam dar prioridade à compreensão dos riscos potenciais e à forma de os enfrentar. Na opinião dos responsáveis pelo estudo, os executivos deveriam conferir o mesmo tipo de atenção à IA quanto a que dão a potenciais violações de dados e incidentes de cibersegurança.

Em suma, a confiança assume-se como particularmente importante nos dias que correm. A criação de confiança pode criar valor para a organização e melhorar os resultados e incorporá-la na estratégia empresarial e em todos os seus processos empresariais torna-se fulcral. É igual e crescentemente necessário considerar uma variedade de potenciais situações futuras para que seja possível às empresas prepararem-se para o que quer que lhes possa vir a acontecer. Quando uma crise se abate sobre uma organização, ter um roteiro que alinha as acções de resposta com os seus objectivos estratégicos torna-se imprescindível.

Editora Executiva