Se, em tempos de “normalidade”, o compromisso de pagar atempadamente aos fornecedores constituía, para além de uma obrigação, um imperativo ético, na presente crise sanitária e económica este dever poderá ditar a sobrevivência ou a extinção de muitas empresas. Que o actual contexto não sirva de justificação para os que podem e devem cumprir o seu dever
POR CPP
Em Outubro de 2011, e em plena crise económico-financeira, o economista Augusto Mateus publicava o estudo “Compromisso de pagamento no prazo acordado: uma cultura de pagamentos atempados”, que contribuiu significativamente para colocar no mapa económico um programa de sensibilização para os impactos devastadores derivados dos atrasos na liquidação das facturas, tanto no meio empresarial como no Estado. O programa, lançado no mesmo ano pela ACEGE, em parceria com a CIP, o IAPMEI e a APIFARMA e sob a denominação de “Compromisso Pagamento Pontual” (CPP) tinha, na altura, como principal objectivo não só acabar com o desconhecimento sobre os prazos de pagamento a fornecedores estipulados por lei, mas também alertar para as consequências perniciosas deste fenómeno na economia portuguesa, já de si e no momento particular em que se vivia, demasiado frágil.
Quase uma década passada, ao longo da qual se multiplicaram, por parte das entidades promotoras, inúmeras acções e seminários sobre a importância do cumprimento dos prazos de pagamento, mais de 1200 empresas e organizações aderiram publicamente a este mecanismo de gestão ética e responsável, assente no imperativo de diminuir falências e insolvências, o desemprego e a proliferação da concorrência desleal.
Historicamente, as empresas em Portugal sempre foram pouco cumpridoras dos prazos de pagamento das suas obrigações comerciais. Mas, e exactamente na última década, e de acordo com o mais recente “Retrato do Tecido Empresarial”, publicado em Setembro último pela Informa D&B, estes comportamentos têm-se vindo a deteriorar e em sentido oposto à evolução registada na média do conjunto da Europa: em 2019, apenas 16% das empresas portuguesas cumpriam os seus prazos de pagamento comparativamente a 44,3% das suas congéneres europeias. Mais preocupante ainda é o facto de, e segundo o “Payment Study 2020” elaborado pela CRIBIS&DB e com dados sobre as empresas portuguesas fornecidos também pela Informa D&B, esta deterioração colocar Portugal no último lugar na lista de 38 países que integram o estudo em causa, com a mais baixa taxa de empresas cumpridoras das datas de pagamento acordadas.
Adicionalmente, e com o deflagrar da pandemia de Covid-19, para além das empresas que se viram forçadas a suspender a sua actividade e das que sofreram disrupções no seu funcionamento, muitas foram também as que registaram alterações significativamente negativas nas suas tesourarias, mesmo as que recorreram às medidas de apoio disponibilizadas pelo Estado. Assim, e como seria de esperar, é já perspectivado um agravamento preocupante do risco de atrasos nos pagamentos no tecido empresarial, sendo que os primeiros impactos da crise actual e novamente de acordo com os dados do relatório acima citado, são já perceptíveis no 2º e 3º trimestre do ano. Apesar de ser ainda prematuro fazer uma análise conclusiva sobre o impacto da pandemia nos prazos de pagamento, é possível salientar para já um agravamento ligeiro nos mesmos: em Agosto último, apenas 15,4 das empresas em Portugal respeitavam os seus prazos de pagamento comparativamente a 16% em Fevereiro e antes do deflagrar da crise. Adicionalmente, e entre Fevereiro e Junho, 40% das empresas agravaram o atraso de pagamento em mais 12 dias, 40% mantiveram o mesmo nível de atraso, com melhorias a registarem-se nos restantes 20%. Neste enquadramento, acrescenta a consultora Informa D&B, o número médio de dias de atraso passou de 26, em Fevereiro, para 27 em Agosto.
Se, em 2011, o forte apelo lançado pelos promotores do Compromisso Pagamento Pontual assentava num preocupante estrangulamento do desenvolvimento das empresas e, consequentemente, do crescimento da economia portuguesa, em 2020 o mesmo apelo ganha contornos renovados. O pagamento atempado aos fornecedores por parte das empresas com a liquidez necessária para o fazer assume-se não só como uma obrigatoriedade dos líderes empresariais, mas também como uma questão ética, essencial para aliviar o cenário dramático em que se encontram milhares de organizações, em particular as de pequena e média dimensão.
É por isso essencial, especialmente em situações de crise, reafirmar que pagar a horas é um instrumento central para ajudar a manter a liquidez das empresas e, desta forma, garantir a sua sobrevivência e a consequente recuperação económica.
Por fim, os promotores do Compromisso Pagamento Pontual alertam ainda para a responsabilidade acrescida do Estado em pagar atempadamente aos seus fornecedores, na medida em que não é minimamente aceitável penalizar empresas, já por si vulneráveis, através de atrasos nos pagamentos superiores a 90 dias. De acordo com o Ministério das Finanças, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) inclui fundos exclusivamente dedicados à “redução duradoura dos pagamentos em atraso, em linha com a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso”, apesar de o Executivo de António Costa não explicitar pormenores sobre a forma como pretende utilizar este dinheiro para o fim em causa, absolutamente crucial para dar liquidez à economia portuguesa. Como afirma o presidente da CIP, António Saraiva, “não se compreende que, num momento em que as empresas estão em situação aflitiva de tesouraria, o Estado aumente os prazos de pagamento para lá do acordado, pressionando, assim, ainda mais, a delicada situação das empresas”.
O Compromisso Pagamento Pontual (CPP)é uma iniciativa que promove o
compromisso público das empresas e do Estado em pagar aos fornecedores na data
acordada e assim contribuírem para a reconstrução da economia Portuguesa