Já nem sequer está em causa um final feliz para a Cimeira da Terra que terá lugar, tal como aconteceu há 20 anos, no Rio de Janeiro. Em causa está, para já, o desinteresse manifestado por alguns dos principais líderes mundiais para nela participarem, a juntar ao impasse, cada vez mais frustrante, de um acordo sobre o documento final a apresentar e a negociar pelos representantes dos 193 países naquela que deveria “oficializar” o “futuro que queremos”. Todos os requisitos para o fracasso estão preenchidos e a possibilidade de esta ser mais uma cimeira mundial a engrossar a lista dos becos sem saída do século XXI é cada vez mais forte
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida por RIO+20, tem estado, nos últimos dias, nas bocas do mundo. Excelente, pensará o leitor. Se a cimeira foi cunhada como “a oportunidade histórica para se definir os caminhos para um mundo mais seguro, mais equitativo, limpo, verde e próspero para todos” e dado que falta pouco mais de um mês para a sua realização, o natural seria que toda a gente estivesse a fazer os últimos preparativos para que nada falhasse, que a imprensa se unisse para divulgar as principais questões que estão em cima da mesa e que os líderes retirassem um tempo considerável das suas atarefadas agendas para se prepararem para o grande momento. Contudo, o que realmente tem sido notícia em nada abona para a visão não verde, mas cor-de-rosa, de que esta seria uma oportunidade a não perder para se alterar o “business as usual”. Nas últimas semanas o que tem sido notícia são as ausências de alguns líderes mundiais na cimeira, como Barack Obama, David Cameron ou Angela Merkel e a falta de dinheiro para que até uma delegação do Parlamento Europeu tenha cancelado a sua presença no evento. Notícia também tem sido o facto de, nas diversas reuniões preparatórias que antecedem a cimeira, para que se chegue a um consenso sobre o documento final a apresentar no Rio, terem já sido postas completamente de lado algumas das principais propostas iniciais e de os desacordos serem tantos que se multiplicam reuniões de emergência num esforço, muito provavelmente inglório, para que se chegue a um acordo, ainda que mínimo. Depois de, nas últimas duas semanas, o comité preparatório das Nações Unidas, o PrepCom, ter estado em negociações à porta fechada e ter falhado em chegar a um consenso no que respeita a um plano global de acção, intitulado “O Futuro que Queremos”, a ser adoptado no próximo mês de Junho na cimeira que reunirá os (alguns) líderes mundiais na cimeira do Rio, mais uma reunião extraordinária foi marcada para o dia 29 de Maio e serão mais cinco dias de discussão com o objectivo de se fechar o plano de acção que terá de ser apresentado a 20 de Junho, data de início da cimeira. Os negociadores, que incluem representantes de todos os 193 estados-membros, alcançaram, até agora, sucessos muito limitados. Para além de terem conseguido reduzir a dimensão do plano de acção, denominado “documento de resultados”, de quase 200 para 100 páginas, pouco mais há para assinalar. De realçar, contudo, que o documento, inicialmente baptizado como “rascunho zero”, chegou a contar com mais de 6 mil páginas de contributos dos estados-membros, de organizações internacionais e de grupos da sociedade civil. No início desta semana, o embaixador sul-coreano para a ONU e um dos responsáveis pela PrepCom, Kim Sook, afirmou que os delegados têm vindo a expressar “desapontamento e frustração no que respeita à ausência de progressos” para o plano de acção que visa estabelecer uma economia mais verde e um futuro mais sustentável”. E, caso a PrepCom veja as suas expectativas goradas no que respeita a um consenso, as negociações serão retomadas a 13 de Junho, já no Brasil, numa tentativa “fazer ou morrer” para finalizar o documento. As propostas da discórdia O programa “inicial” afirma que aos líderes mundiais será pedido que se comprometam com 10 novos objectivos de desenvolvimento sustentável para o planeta e com a promessa de criação de economias verdadeiramente verdes. Os líderes mundiais serão igualmente convidados a negociar um novo acordo para a protecção dos oceanos, a aprovar um relatório anual sobre o estado do planeta, a darem luz verde para a criação de uma nova agência mundial para o ambiente e a nomearem um alto-comissário global para as gerações futuras. Todavia e ao contrário do que aconteceu na Cimeira da Terra em 1992, na qual estiveram presentes mais de 190 chefes de estado, aos líderes não será exigido que assinem qualquer documento que obrigue legalmente os seus países a cumprir objectivos ou calendários em particular, mas sim que sejam eles a estabelecer os seus propósitos e a trabalharem, voluntariamente, para definir uma economia verde global, mediante a qual a ONU acredita ser possível reduzir a pobreza e o baixo consumo. O conteúdo exacto destes novos objectivos globais de desenvolvimento sustentável seria decidido pelos governos antes da reunião no Rio e seriam expectáveis discussões e resoluções sobre áreas prioritárias como os oceanos, a alimentação, a energia, a água, o consumo e as cidades sustentáveis.
De acordo com o secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), Sha Zukang, o objectivo que deveria ter sido cumprido era o de se chegar ao Rio “com pelo menos 90% do documento finalizado, sendo que se deixaria os restantes 10%, dada a sua complexidade, para serem negociados aos mais elevados níveis políticos”. Todavia, numa declaração divulgada a semana passada pela coligação de organizações não-governamentais que estarão representadas no Rio, é feito um alerta no sentido de “parecer que nada de concreto estar a ser adicionado aos esforços globais para se chegar a um desenvolvimento sustentável”. “São demasiados os governos que estão a fazer uso ou a permitir que as discussões enfraqueçam ainda mais os direitos humanos e os princípios acordados em torno da equidade e do princípio do poluidor pagador por exemplo”, pode ler-se no documento. E um dos principais desacordos está logo relacionado com a definição do conceito de “economia verde” e da sua relevância e significado especial para o “sul global”. Quem o afirma é Zeenat Niazi, directora sénior do programa Development Alternatives Group, sedeado na Índia, que aponta também outras áreas de desentendimento e que incluem as questões relacionadas com a equidade, o consumo e a produção sustentável no norte global, a justiça social, especialmente a que está intimamente relacionada com a extracção de recursos de países em desenvolvimento ou pouco desenvolvidos e ainda a transferência e comercialização de tecnologia. Adicionalmente, existem também disputas relacionadas com os objectivos do desenvolvimento sustentável e de como é possível lidar com a sua integração nos três pilares da sustentabilidade (social, económico e ambiental). Por outro lado, também as Nações Unidas já emitiram um comunicado no qual identificam algumas das questões que estão a contribuir para o impasse das negociações e para se fechar o texto final a ser apresentado na Cimeira. De acordo com o mesmo, algumas nações desenvolvidas já abraçaram a economia verde como o novo mapa para o desenvolvimento sustentável, ao passo que muitos países em desenvolvimento se mantêm extremamente cautelosos, defendendo que cada país deveria escolher o seu próprio caminho para um futuro sustentável e que a abordagem de uma economia verde não deveria resultar num proteccionismo verde ou limitar o crescimento e a erradicação da pobreza. “Foi amplamente reconhecido, pelos membros, que é necessária uma acção no sentido de se satisfazer as necessidades de uma população global em crescimento que continuará a consumir e a produzir de forma insustentável, o que resulta no aumento das emissões de carbono, na degradação dos ecossistemas naturais e na crescente desigualdade de rendimentos”, pode ler-se também no documento divulgado pela ONU. A necessidade de se encontrar uma melhor avaliação dos progressos dos países que não seja somente o PIB foi igualmente acordada pela generalidade dos representantes. A declaração menciona igualmente que os países em causa têm vindo a examinar o conceito dos novos objectivos do desenvolvimento sustentável, sob a forma de um conjunto de boas práticas que lhes sirva de orientação para atingir resultados num período específico de tempo, tal como o acesso à energia sustentável e a água limpa para todos. O problema é que são muitos países com visões diferentes no que respeita ao que deve ou não ser incluído como objectivos a atingir, bem como relativamente ao processo formal de como e quando estes objectivos devem ser definidos, finalizados e “oficialmente” acordados. Vinte anos depois de o desenvolvimento sustentável ter solidificado a sua importância no mapa das preocupações globais, o conceito é reconhecido globalmente mas, na prática, ainda não foi transformado numa “actividade rotineira” na política ou nos negócios. Para os líderes políticos ou empresariais que continuam a equacionar o desenvolvimento apenas com base no crescimento económico, e a interpretarem a questão do desenvolvimento sustentável como um mero “apêndice” ambiental, a conferência Rio+20 não servirá de nada. Todavia e sem o seu apoio, esta será mais uma oportunidade perdida para o planeta e para os seus mais de 7 mil milhões de habitantes.
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Editora Executiva