“O impacto da participação chinesa na economia mundial, a sua musculatura financeira e a sua fome por matérias-primas está realmente a alterar as nossas vidas e as das gerações vindouras”. Este foi o mote para o estudo “Multiculturalismo: o presente da China para a economia global?” apresentado esta semana pela consultora Boyden na AESE. O VER, em conversa com o responsável pelo relatório, Brian Renwick, enquadra as suas principais conclusões, nomeadamente a questão cultural, que impede as empresas chinesas de realizarem todo o seu potencial
POR HELENA OLIVEIRA

© DR

Há cerca de uma semana, o relatório publicado pelo European Council on Foreign Relations e intitulado “A competição pela Europa” foi amplamente noticiado pelos órgãos de comunicação. Em causa, uma possível “compra” da Europa por parte da gigantesca China. O estudo alertava para um aproveitamento da força económica chinesa face à fraqueza das nações europeias, a braços com as suas dívidas soberanas, para fazerem negócios a preços reduzidos e ainda para colocarem os “Estados-membros uns contra os outros”.

A imagem da China como um tenebroso dragão a deitar fumo pelas narinas e a comer as suas presas parece estar a fazer parte do imaginário de muitos gestores e CEO ocidentais. E o impacto da participação chinesa na economia mundial, a sua musculatura financeira e a sua fome por matérias-primas está realmente a alterar as nossas vidas e as das gerações vindouras.

A pertinência do tema deu origem à conferência “Multiculturalismo: Contributo da China para a economia global”, que teve lugar na AESE – Escola de Direcção e Negócios e que serviu para a apresentação do estudo “China Report: Liderança e talento no mercado”, da Boyden Global Executive Search, contando com a presença de Brian Renwick.

O responsável pelo desenvolvimento da Boyden na China e membro do “Board of Directors” da Boyden World Corporation conversou com o VER, permitindo o enquadramento das principais conclusões do estudo. Para Brian Renwick, “a opacidade cultural da China e a ausência de confiança nas instituições constituem as duas principais barreiras que impedem as empresas chinesas de realizar todo o seu potencial”. Renwick acrescenta ainda que “estas questões culturais, profundamente enraizadas, levarão ainda uma ou duas gerações a serem ultrapassadas”.

Vejamos então as principais transformações que estão a abalar a gestão chinesa a par da sua crescente influência global.

Em Roma, sê romano. Na China, sê chinês?
As previsões apontam para que a China venha a ser a maior economia do mundo em 2020. E uma das hipóteses exploradas no presente relatório questiona se, a acompanhar este crescimento económico, poderão os líderes de negócios chineses dominar e remodelar o comércio global. Bem, na verdade, não será assim tão fácil. O estudo conclui que são necessárias mudanças significativas, em vários níveis, para que este domínio possa vir a ser uma realidade. Não só para as empresas, como para os líderes, sem esquecer os gestores e executivos, chineses e não chineses, que terão forçosamente que se tornar mais flexíveis tanto a nível cultural como a nível profissional.

.
.
Brian Renwick é o responsável pelo desenvolvimento da Boyden na China e membro do Board of Directors da Boyden World Corporation
. .
.

Como já foi anteriormente mencionado, a cultura representa um muro, muitas vezes difícil de transpor, não só para os próprios locais como para o relacionamento obrigatório com o Ocidente.
Se a cultura constitui, por si só, um elemento diferenciador em cada país, na China, o seu peso é significativamente maior. O confucionismo e os seus protocolos para a gestão de relacionamentos continuam a imperar nos locais de trabalho, distanciando-os sobremaneira dos elementos “para o sucesso” vigentes na economia global da actualidade.

Questionado pelo VER sobre os principais traços de liderança que caracterizam um líder de negócios chinês e quais, destes, precisam de ser alterados para funcionarem com os demais pares, Renwick responde: “Na verdade, estes são similares, em alguns aspectos, aos de outras empresas que se expandem internacionalmente pela primeira vez: ‘a minha forma de fazer as coisas é a mais acertada, ‘estes estrangeiros precisam de aprender como se fazem as coisas’ ou ‘estamos a precisar de uma política global’”, diz. O problema é que e na verdade, os líderes chineses têm ainda uma compreensão limitada da forma como os ocidentais fazem negócios. Como acrescenta Renwick, os executivos chineses “tendem a gerir o seu negócio como gerem a sua casa, de uma forma paternalista, ditatorial e workaholic”.

Desta forma, os executivos e gestores chineses terão obrigatoriamente de desenvolver algumas características, em especial o seu próprio sentido de propriedade e de responsabilização pessoal, uma melhor avaliação estratégica, uma aposta em abordagens inovadoras e um aumento da sua flexibilidade no que respeita à implementação das mesmas. O relatório chama ainda a atenção para o facto de os executivos chineses precisarem de adoptar um novo contexto social pautado pela transparência, pela partilha de conhecimento e por uma cultura de meritocracia.

Um dos fundamentos deste novo contexto social reside na questão da confiança institucional, ou seja, a capacidade de estes líderes de negócios acreditarem de que pessoas não directamente relacionadas a si mesmos, farão o que é certo, na altura certa, para o benefício da organização. Para os responsáveis do estudo, a confiança institucional e a abordagem chinesa no que respeita aos relacionamentos nos negócios excluem-se mutuamente. A confiança extrema nas relações pessoais limita sobremaneira a transparência e a partilha de conhecimento, o que implica que, para poderem salvaguardar o seu lugar na economia global, os executivos chineses têm, forçosamente, que reajustar o seu comportamento organizacional.

Por outro lado, a China vê-se confrontada com um outro problema: a escassez de competências na gestão profissional. Actualmente são poucos os gestores chineses que conseguem transpor o fosso cultural. As organizações chinesas, tipicamente relutantes em contratar executivos que não pertençam à sua própria família ou ciclo próximo, têm obrigatoriamente que deixar cair esta tendência se quiserem competir na economia globalizada. E, para as multinacionais, a urgência para contratarem este tipo de gestores é cada vez maior.

Todavia, há que realçar que aqueles que aspiram a ser líderes já têm consciência da importância da experiência no país, sendo cada vez maior o número de não-locais que ali procuram oportunidades.  Mas e se para os próprios chineses é difícil atingirem o sucesso nas organizações da sua terra natal, não será este um desafio hercúleo para os “estrangeiros”? Brian Renwick responde afirmativamente à questão, mas também refere que “ a maioria das pessoas que estão talhadas para o sucesso são aquelas que se adaptam facilmente e que vão aprendendo à medida que percorrem novos caminhos”. O estudo da Boyden afirma que aqueles que possuem flexibilidade cultural, que já estiveram expostos a modelos de negócio em outros mercados e que possuam uma mentalidade receptiva terão vantagens relativamente aos demais. É que falar a difícil língua chinesa não é, só por si,  suficiente. Renwick acrescentou ainda ao VER que acredita que serão “aqueles que com mente e coração abertos, com a perfeita consciência das diferenças culturais” que mais bem preparados estarão para assumir este lugar.

Para finalizar esta temática e dado que o relatório refere, expressamente, que a influência cultural que pesa sobre o Império do Meio não pode, de forma alguma, ser subestimada, o VER perguntou a Brian Renwick de que forma será possível equilibrar duas forças aparentemente opostas, ou seja, o “modo chinês” de interpretar as coisas vs o “dos outros”. Ao que o responsável da Boyden na China respondeu que apesar de os chineses terem uma enorme capacidade de aprendizagem e de mostrarem uma enorme abertura para perceberem o que se passa fora do seu próprio mundo têm, em simultâneo, algumas dúvidas relativamente ao que se passa no Ocidente. Como realça o responsável da Boyden na China, “eles olham para o ocidente e pensam que nem sempre são tomadas as decisões certas, o que inclui, por exemplo a própria economia (no que respeita aos défices orçamentais), a política (será a democracia realmente o melhor caminho?) e a própria ética do trabalho, na medida em que consideram os ocidentais preguiçosos”. Ou seja, não sendo a pergunta de resposta fácil, para Renwick a opção será encontrar um equilíbrio entre ambas as forças.

Dimensão não é equivalente a poder
Quando se pensa em China, é invariável que a primeira noção que nos chega à cabeça seja a da grandeza. Mas e como também aponta o estudo, dimensão não significa poder e apesar de poder vir a ser maior economia do mundo em 2020, não é de todo linear que seja a mais poderosa ou dominante na altura. Como explica Renwick, “as maiores empresas chinesas são, na verdade, colossais e massivas. Todavia, é muito raro que figurem nos radares mundiais”, diz. E pergunta: “se compararmos a Pepsi ou a MacDonald’s com a Hua Wei ou com o People’s Bank of China, as duas últimas são muito maiores e lucrativas, mas quem é que ouviu falar nelas ou as estudou para figurarem em estudos sobre a forma como as empresas levam a cabo a sua estratégia?”.

A questão colocada é pertinente e vai ao encontro da forma como, no estudo, um líder global descreve o que estimula os chineses a nível individual: “Eles têm uma cultura chauvinista, própria da sua dimensão e da compreensão incompleta que têm de como harmonizar a sua cultura com a que vigora no resto do mundo. Mas são também estimulados pela aprendizagem e esforçam-se para perceber os motivos da opacidade da sua cultura e o que podem fazer acerca do assunto, assegurando-se de que as suas políticas e práticas funcionam num país com esta dimensão”.

Já Brian Renwick, quando questionado sobre o mesmo tema, é mais directo: “o que estimula os chineses, a nível individual é, em grande parte, o dinheiro. O desejo de serem bem-sucedidos e de enriquecerem”.

Em termos gerais, o grande desafio para a China é, numa economia global e multi-polar, conseguir alcançar o seu crescimento empresarial através das pessoas. O que, como já foi analisado até agora, é igualmente o seu maior problema. Assim, o que irá representar este repto para as empresas chinesas?
O desafio para as empresas reside no número limitado de pessoas com capacidade para operar numa base multicultural. De acordo com Giles Chances, um consultor de empresas e de investidores estrangeiros na China e professor na Guanghua Business School, “possuímos diferentes culturas no mundo, que competem entre si e isso é uma enorme oportunidade, para além de ser extremamente positivo tanto ao nível económico como do ponto de vista do negócio. E as empresas que serão capazes de agarrar essas gigantescas novas oportunidades serão aquelas que estão a aptas a operar numa base global e multicultural”. Mas o professor também ressalva que, apesar de a China ter impedido a América de continuar a ser o centro económico e cultural dominante do planeta, tal não significa que o futuro será “chinês”, reforçando mais uma vez a multiculturalidade. E se existe uma concordância no que respeita à emergência de uma população, que embora minoritária, seja multi-linguista e multicultural, Chance alerta também para o seguinte: “é muito importante destacar que este assunto não será apenas conduzido pela China, mas também por outros países. A China está a mudar o mundo, mas não através de uma “super-imposição” de si mesma ou de o tentar dominar, mas através da sua participação na economia global”.

Para terminar a conversa com Brian Renwick e dada a sua experiência na China, o VER quis saber o que significa, no seu dia-a-dia, trabalhar com chineses. E a resposta foi a seguinte: “há que reconhecer, continuamente, que nada pode ser dado como garantido. Se falarmos com ocidentais, temos uma ideia geral de como estes funcionam e pensam. Na China, não é possível saber-se absolutamente nada”, afirma. E remata: “o que significa que quase tudo pode ser uma surpresa”.

Editora Executiva