Tendo por objetivo aprofundar a interseção entre ética e cultura organizacional, o terceiro encontro de reflexão regular anual do Fórum de Ética da Católica Porto Business School abriu espaço à discussão sobre cultura organizacional (mais) ética, que foi complementando com os primeiros resultados do estudo Ethics at Work 2024, apresentado na Conferência Anual[i].
POR HELENA GONÇALVES e HELENA GIL DA COSTA
Neste artigo, abordamos o processo e os resultados da reflexão sobre uma pergunta fundamental identificada pelos Membros do Fórum de Ética: o que precisamos (mesmo) de saber para promover o interesse pelo desenvolvimento de uma cultura organizacional ética?
Trata-se de uma temática essencial para qualquer tipo de organização, quer a nível internacional quer no contexto nacional e, por isso, esta reflexão beneficiou também da análise dos resultados do estudo Ethics at Work: 2024 international survey of employees[ii].
Este artigo segue o percurso feito desde 2019 que tem dado memória aos três encontros anuais de reflexão do Fórum de Ética. Pretendemos também explorar o modelo de cultura organizacional adotado e os resultados do inquérito, cruzando-os com os três pilares desse modelo.
Modelo de Cultura Organizacional Ética
Os três elementos-chave que permitem desenvolver e sustentar uma cultura organizacional ética – a) valores éticos, b) programa de ética e c) liderança ética – sobrepõem-se, relacionam-se e reforçam-se mutuamente. Em concreto, a existência de um conjunto de valores éticos fundamentais imbuídos nas políticas, processos e práticas de toda a organização influencia e é influenciada dinamicamente pelo estabelecimento de um programa de ética formal (constituído por um código de ética/conduta, formação em ética, um canal de denúncias e um ethics officer) que também influencia e é influenciado dinamicamente pela presença contínua de liderança ética (um adequado e incontestável tone at the top)[iii] (Schwartz, 2013).
Sustentar esta cultura obriga, portanto, a um cuidadoso e continuado trabalho em cada um dos destes três elementos:
- Um conjunto de valores éticos fundamentais que deverão estar implementados em toda a organização, nomeadamente nas políticas, processos e práticas, como, por exemplo, Confiança, Responsabilidade, Cuidado, Cidadania, Justiça e Respeito. Dado que os valores éticos pedem realização, as práticas e os procedimentos, incluindo a tomada de decisão ética, terão de concretizar de forma contínua e persistente os ideais subjacentes aos valores assumidos pela organização.
- Um programa de ética formal, que deve incluir um código de ética/conduta (Código), a sua implementação e uma gestão ativa da ética, garantindo adequação continua à realidade da organização. Anualmente, deverá ser assinalada a existência do Código, mas também proporcionada sensibilização, comunicação e formação em ética. Terá de ser implementado um canal de denúncias ou de speak up eficaz, que proteja contra a retaliação (em conformidade com a legislação nacional), assim como auditorias e revisões anuais do sistema de gestão da ética.
- A existência de uma liderança ética (tone at the top), que seja capaz de promover uma abordagem de ética vivida na forma como delibera, decide e age.
Para sustentar uma cultura organizacional ética é necessário falar de ética regularmente, uma vez que só a reflexão ética permite compreender a razão por que agimos como agimos e validar a forma como o fazemos. Em paralelo, é essencial implementar um sistema de gestão da ética que permita “medir” eficazmente o seu nível de maturidade.
Cultura Organizacional Ética e a evolução de práticas éticas em Portugal
Para permitir uma análise mais específica da evolução da ética no trabalho, cruzamos este modelo de cultura, de três pilares, com o modelo de avaliação da ética, “The Ethics Thermometer[iv] de Muel Kaptein, que contempla oito dimensões: Clareza, Exemplo, Apoio aos colaboradores, Ambiente capacitador, Abertura para discutir problemas, Conforto para relatar má conduta, Transparência e Aplicação de medidas.
No pilar da incorporação dos Valores Éticos, constata-se (Figura 1) que, entre 2028 e 2024, o Ambiente capacitador diminuiu ligeiramente, mas a Abertura para discutir problemas e o Conforto para relatar melhoraram embora de forma pouco significativa. Em suma, estas dimensões encontram-se estáveis, mas sempre abaixo da média global. Tais dimensões são medidas, respetivamente, pelos indicadores do estudo abaixo listados:
Figura 1 | Incorporação dos Valores éticos
Quanto ao pilar Programa de ética formal, constata-se (Figura 2) que a Transparência, a aplicação de medidas disciplinares e de responsabilização continuam abaixo da média global. Os indicadores para medição destas dimensões são os seguintes:
Figura 2 – Programa de ética formal
Na Liderança de ética, verifica-se (Figura 3) uma subida consistente em todas as dimensões, mas que fica aquém da média global. Estas dimensões são medidas pelos indicadores abaixo listados:
Figura 3 – Liderança ética
Está em fase de validação a publicação em 2025 do Index de Clima Ético do Fórum de Ética. Se este índice vier a ser composto por estes 9 indicadores, a diferença entre os trabalhadores portugueses e a média dos de 16 países é de quase 5 pontos, designadamente 73,3 para Portugal e 78,2 para global.
Processo e resultados da sessão de reflexão do Fórum de Ética
Iniciámos um processo de reflexão sobre esta fundamental pergunta: o que precisamos (mesmo) de saber para promover o interesse pelo desenvolvimento de uma cultura organizacional ética?
Cientes de que estamos perante um desafio complexo que necessita ser compreendido e concretizado nas suas distintas vertentes, iniciámos um tempo de reflexão online com base no modelo de Cultura acima explicado. Depois de uma breve introdução sobre a forma como o processo se ia desenvolver, os participantes foram divididos em 3 grupos e a cada grupo foi atribuído um tema. Com o apoio de um Facilitador, tinham como tarefa enunciar perguntas-inquietações diversas que, ajudando-desafiando a pensar para lá do óbvio, tivessem em consideração as seguintes questões:
- O que preciso (mesmo) de saber para promover Valores éticos?
- O que preciso (mesmo) de saber para promover um Programa de ética formal?
- O que preciso (mesmo) de saber para promover Liderança ética?
Recorrendo ao método de Creative Problem Solving, capaz de potenciar uma nova abordagem dos problemas, a criatividade e a mudança, escolhemos e usamos três instrumentos muito simples que permitem reunir mais ideias, ganhar clareza, estimular a participação, o compromisso e, por essa via, facilitar a execução dos resultados obtidos – o velhinho brainstorming (que toda a gente conhece, mas, de facto, poucos sabem usar de forma adequada), como instrumento de produção de ideias; seleção e conjuntos de opções, como instrumentos de focagem. Para o primeiro, as seguintes linhas orientadoras: suspender o juízo crítico, lutar pela quantidade, fazer associação de ideias, usar a imaginação. Para o segundo, as seguintes linhas orientadoras, muitas vezes menos conhecidas: fazer uma análise positiva, considerar as novidades, deliberar, manter o rumo.
A cada um dos três grupos era, assim, pedido que, num tempo relativamente reduzido, fossem capazes de produzir, pelo menos, 15 opções e, entre elas, selecionar 5 opções ou temas que, enquanto grupo, e de acordo com critérios definidos antecipadamente, entendessem que não podiam deixar de ser considerados.
Destacamos a seguir alguns dos resultados obtidos que, com entusiasmo, os grupos quiseram partilhar. São questões que poderão ser impulsionadoras de reflexão e implementação de medidas concretas por cada organização que pretenda desenvolver ou reforçar a sua cultura organizacional.
Valores
- O que são valores éticos, quais são os valores éticos da organização e como os podemos promover?
- Como saber se as pessoas se sentem à vontade para falar sobre valores éticos?
- Como saber se os valores éticos declarados pela organização estão alinhados com as políticas e as práticas diárias?
- Como implementar, sistematicamente, discussão sobre a promoção de valores éticos, por departamentos?
- Como orientar os processos de recrutamento e seleção e o de avaliação de desempenho para os valores éticos da organização?
Liderança ética
- Como é que um líder reconhece o que é a liderança ética?
- Como assegurar que a liderança de topo está ciente da importância da cultura organizacional ética?
- Poderá um líder não ético ser moldado por um Programa de Ética?
- Como deve a liderança comunicar os princípios éticos, interna e externamente?
- Qual o papel dos líderes no sucesso do Programa de Ética?
Programa de ética
- Quais os principais instrumentos que devem fazer parte de um Programa de Ética formal?
- Que modelo de governo se deve implementar na (nossa) organização para gerir o Programa de Ética?
- Porque se considera que, sobretudo nas grandes organizações, é necessário um Programa de Ética formal para garantir uma cultura ética?
- De que forma se assegura o cumprimento e a monitorização do Programa de Ética e, dessa forma, a sua eficácia?
- Por que motivo a existência de um sistema (eficaz) de reporte de comportamentos não éticos deve fazer parte do programa de ética?
Esta reflexão é ainda mais premente se lembrarmos que, neste estudo, os trabalhadores portugueses, em 2024, sentiram-se “mais pressionados a comprometer os atuais princípios e normas de atuação ética da organização” (+7 p.p.) do que a média global. Assinalam também que o “conhecimento de condutas que tenham violado a lei ou as normas éticas da sua organização” é equivalente à média global (-1 p.p.), mas reportam-nas menos (-6 p.p.), ou seja, “levantaram a questão ou falaram, sobre os seus receios junto da direção, com outra pessoa adequada ou outro mecanismo” e, igualmente preocupante, sofrem de mais retaliação (+5 p.p.), designadamente que “depois de reportar a questão ou de falar sobre os seus receios, sentiram algum desfavorecimento pessoal ou forma de retaliação”.
Estas e muitas outras questões serão exploradas no próximo Livro Coletivo da Coleção do Fórum de Ética que complementará o estudo “Ethics at Work”, integrando o KIT “Pensar com e sobre Ética no Trabalho”.
Recordar os valores da organização, assumidos como o conteúdo da motivação para agir eticamente pelos colaboradores e liderança, e analisar de que modo estes valores estão plasmados na prática diária e a moldam, é essencial para alimentar a cultura e o clima éticos. No centro de nossa reflexão coletiva do Fórum de Ética está o compromisso de contribuir para criar um ambiente de trabalho mais ético, “através da troca de experiências, da reflexão conjunta e da criação e partilha de conhecimento”. Saber Ser e Saber Estar são pilares da ética organizacional, que só podem ser construídos e preservados em espaços seguros de reflexão ética.
Envie-nos novas perguntas ou algumas respostas a estas perguntas para [email protected]. Esperamos pelos seus contributos!
Ilustração: ©Maria Sottomayor
Este artigo é parte integrante do Especial “Ética no Trabalho”, do qual fazem parte 4 artigos
Leia também:
- As vozes dos trabalhadores: um copo meio cheio
- O Retrato da Ética no Trabalho: O que mudou entre 2018 e 2024
- A voz de gestores: experiências de gestão da ética e compliance
[i] A Voz dos Portugueses: Conferência Anual do Fórum de Ética revela aumento da consciencialização dos trabalhadores nacionais
[ii] Ethics at Work é um estudo internacional realizado pelo Institute of Business Ethics (IBE) e que, em 2018, através de uma parceria com o Fórum de Ética da Católica Porto Business School, incluiu pela primeira vez Portugal. Em 2024, o IBE lançou os resultados do seu sétimo inquérito trienal, abrangendo cerca de 12.000 trabalhadores de 16 países em seis continentes. O inquérito aborda temas como a disposição para denunciar más condutas, a frequência de retaliações e a pressão para comprometer valores éticos para obter resultados. As conclusões desta edição em Portugal foram apresentados na Conferência Anual do Fórum de Ética, na CPBS.
[iii] Schwartz, M. S., 2013. Developing and sustaining an ethical corporate culture: The core elements. Business Horizons, January–February, 56(1), pp. 39-50
[iv] Kaptein, M. (1998) The Ethics Thermometer: An Audit-tool for Improving the Corporate Moral Reputation