Num mundo onde desafios como a pobreza crónica e a integração de pessoas com deficiência persistem, o empreendedorismo social oferece esperança, procurando soluções eficazes para problemas sociais e ambientais. Exemplos em Portugal incluem a Biovilla, que promove a sustentabilidade dos recursos naturais, o restaurante Mezze, que integra migrantes do Médio Oriente através do emprego, e a Refood, que combate o desperdício alimentar redistribuindo excedentes a quem mais precisa
POR CARMEN LAGES
Podemos dizer que o empreendedorismo social é uma atividade inovadora e criadora de valor social, que pode ocorrer dentro ou entre os setores sem fins lucrativos, empresarial ou governamental, com o objetivo de aliviar ou resolver um problema societal (social ou ambiental) que afeta uma comunidade de alguma forma negligenciada ou a sociedade como um todo.
Embora a importância das soluções criadas pelos empreendedores sociais seja reconhecida, a falta de recursos é endémica e continua a ser um enorme desafio. Para superá-lo, os empreendedores desenvolvem modelos de negócio inovadores, sobre os quais ainda há muito a descobrir. Com o objetivo de compreender a diversidade de modelos de negócio em empreendedorismo social, foi realizado um estudo em conjunto com a Professora Filipa Lancastre, atualmente na Católica Business School, com base no seu doutoramento na Nova School of Business and Economics.
Podemos dizer que um modelo de negócio (apesar da designação de sentido restrito aqui deverá ser lido como “modelo de criação de valor”) é um sistema de elementos interdependentes (atividades, estrutura e governança), que cria valor para a organização e os seus stakeholders. Enquanto que no empreendedorismo tradicional, os principais stakeholders são clientes, funcionários, acionistas e fornecedores, no empreendedorismo social, o beneficiário – aquele para quem a missão social é direcionada – desempenha um papel central.
Muitas vezes, clientes e beneficiários não são os mesmos, o que torna os modelos de negócio mais complexos e variados. As organizações de empreendedorismo social têm de equilibrar o foco nos clientes, que podem financiar a sua missão social, e nos beneficiários, que são o objetivo último da sua missão. Este equilíbrio torna os modelos de negócio mais diversificados, indo desde a filantropia até métodos comerciais, e combinando frequentemente parcerias com o setor público e privado.
Este estudo, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), combinou entrevistas qualitativas e inquéritos quantitativos para analisar uma amostra representativa de empreendedores sociais portugueses, explorando as suas motivações e características.
Concluímos que o empreendedorismo social é um esforço inovador que visa criar valor social, enfrentando questões sociais complexas para as quais ainda não existe uma solução ideal. Concluímos também que estes esforços não estão confinados a um único setor económico, ocorrendo transversalmente nos três setores tradicionais — privado, público e social.
O estudo produziu dois resultados principais: um mapa de modelos de negócio, que identificou oito modelos comerciais e seis não comerciais, e quatro tipos de evolução dos modelos de negócio, que variam entre uma missão social focada e uma missão adaptada a oportunidades emergentes.
Os oito tipos de modelo de negócio comercial têm designações estabelecidas na literatura e incluem ‘fees for service’ (uma terceira parte, por exemplo, a câmara municipal, paga o serviço providenciado ao beneficiário), ‘Robin Hood’ (serviço é oferecido tanto a beneficiários como à comunidade, mas beneficiarios não pagam ou pagam menos), ‘bottom of pyramid’ (serviços redesenhados para permitir acesso a beneficiários sem recursos), ‘employment’ (os beneficiários são contratados como funcionários e participam na criação de valor), ‘pollination’ (serviço é vendido à comunidade com níveis adicionais de valor social ou externalidades sociais positivas), ‘not related’ (serviços vendidos não estão relacionadso com os serviços vendidos aos beneficiários) e ‘licensing’ (uma terceira parte paga por usar a marca da organização).
Os seis modelos de negócio não-comerciais incluem a filantropia tradicional (doação de recursos, geralmente financeiros, para apoiar causas benéficas à sociedade), a subsidiarização (financiamento estatal que vincula as atividades da organização a requisitos específicos), filantropia de impacto (contratos com fundações ou outras instituições para receber pagamentos à medida que se comprovam evidências de impacto social), troca direta (de bens/serviços), modelo distributivo (recolha de doações em espécie a fornecedores e entrega aos beneficiários) e voluntariado (entrega de trabalho não remunerado para atividades sociais).
O estudo identificou quatro tipos de evolução dos modelos de negócio. Num extremo, a missão social inicial mantém-se ao longo do tempo e guia o modelo de negócio. No outro extremo, as oportunidades de financiamento determinam mudanças da missão social. Entre esses extremos, existem dois outros modelos, que variam conforme o grau de influência de stakeholders (parceiros ou financiadores) na diversificação da missão.
Há duas grandes implicações do estudo para os profissionais. Uma primeira implicação é que existe uma vasta gama de modelos de negócio que podem servir diferentes missões sociais. Os empreendedores sociais podem adotar o modelo de negócio que melhor se adeque às necessidades das suas organizações, combinando elementos dos setores público, social e privado. As organizações sociais estudadas frequentemente têm iniciativas distintas que combinam diferentes modelos de negócio, complementando-se mutuamente.
Uma segunda implicação é que os gestores podem limitar inconscientemente as opções e reduzir a eficácia das organizações. Para evitar isso, devem refletir sobre como suas crenças influenciam a escolha do modelo de negócio e interagir com stakeholders diversos – consultores, financiadores, academia, parceiros – para ampliar essas opções. Também é essencial reconhecer a necessidade de compromissos entre uma missão focada e uma missão evolutiva, (que pode eventualmente se distanciar da missão original).
Os principais contributos deste estudo são o enriquecimento da literatura e a criação de um mapeamento dos modelos de negócio disponíveis, oferecendo aos empreendedores sociais uma ferramenta que os ajude a escolher o modelo mais adequado para as suas soluções.
Se a sua organização social está à procura de apoio para aumentar o impacto das suas iniciativas e encontrar sustentabilidade financeira através de um modelo de criação de valor, considere candidatar-se ao programa Social Leapfrog . Um programa de capacitação a longo prazo que conta com o suporte de toda a comunidade da Nova SBE, inlcuindo docentes, alunos, colaboradores, parceiros e antigos alunos. Ao participar do Social Leapfrog, as organizações têm acesso a formação da Escola, workshops, mentoria e projetos de consultoria, em temas como estratégia, marketing, governança, medição de impacto e operações. Este programa faz parte da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação ”la Caixa”, o BPI e a Nova SBE, com coordenação do Nova SBE Leadership for Impact Knowledge Center e que tem como objetivo impulsionar o setor social em Portugal.
Carmen Lages
Professora Associada com Agregação na Nova SBE, obteve o seu doutoramento em Marketing pela Warwick Business School, Inglaterra. Co-fundadora do Leadership for Impact Knowledge Center e Diretora Académica do Programa Social Leapfrog. Os seus interesses de investigação atuais incluem o papel do marketing no Empreendedorismo Social e no Impacto Social.
Sao estes artigos que destacam a importancia e o valor das entidades da economia social em Portugal
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