Se os países ricos “têm uma responsabilidade histórica, as economias emergentes têm uma responsabilidade presente e futura”. É com esta convicção que se pode avançar da recente conferência climática das Nações Unidas, que estendeu a vigência do Protocolo de Quioto, para um acordo global em 2015, que Doha tornou claro ser urgente. O VER pediu ao especialista em Alterações Climáticas, Gonçalo Cavalheiro, uma análise ao futuro próximo do Clima. Numa frase, “está bem claro na mente de todos o que tem que ser feito. Faça-se”
A UNFCCC Doha 2012 decorreu entre os dias 26 de Novembro e 8 de Dezembro de 2012 (um dia depois da data inicialmente prevista, o que permitiu chegar ao acordo final), no Centro de Convenções Nacional do Qatar, em Doha, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas, integrando a COP18 – 18ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU para as Alterações Climáticas e a CMP 8 – 8ª Sessão da Reunião das Partes do Protocolo de Quioto. A extensão até 2020 do Protocolo de Quioto – o único tratado internacional que obriga as nações desenvolvidas a reduzirem as suas emissões de gases que provocam o aquecimento do planeta -, que vigorava apenas até ao final de 2012, constitui uma das principais decisões adoptadas na conferência climática das Nações Unidas. Aprovado depois de um dia suplementar de negociações, este segundo período para o cumprimento de Quioto irá vigorar entre 1 de Janeiro de 2013 e 31 de Dezembro de 2020, incluindo novas metas de redução. O especialista em alterações climáticas, Gonçalo Cavalheiro, foi um dos cerca de 17 mil participantes, de 194 países, que fizeram da UNFCCC Doha 2012 um dos maiores eventos alguma vez realizados no Qatar e, em análise ao VER, conclui que da conferência saíram duas resoluções “mesmo muito importantes: as condições necessárias para que o segundo período de cumprimento do Protocolo de Quioto entre em vigor dentro de três semanas, e um acordo que torna claro e imparável o caminho para um acordo global aplicável a todos os países em 2015”. No balanço da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, Gonçalo Cavalheiro ressalva que “depois de Copenhaga, Cancun e Durban (do desaire ao entendimento processual)”, Doha seria, à partida, “uma COP sem grande história para contar”, onde não eram esperadas “grandes decisões”. As negociações foram, por isso, mais umas a caminho da grande conferência de 2015, ano “em que se alcançará um acordo legalmente vinculativo, aplicável a todos os países do mundo”, diz: “É em 2015 que o mundo muda”. O bom exemplo da EU não chega
Vamos por pontos: quanto a resultados práticos (e efectivos) do prolongamento do Protocolo de Quioto até 2020, a verdade é que são “muito poucos”, como alerta Gonçalo Cavalheiro. Para além da UE, só a Austrália, Belarus, Cazaquistão, Mónaco, Noruega, Suíça e Ucrânia assumirão compromissos de redução de emissões no âmbito deste segundo período de cumprimento, recorda. De facto, na lista dos países desenvolvidos que assumem este compromisso, não constam alguns dos que mais contribuem para as emissões globais de gases com efeito de estufa, caso dos EUA, que se recusaram a ratificar Quioto antes mesmo da sua entrada em vigor, em Fevereiro de 2005. Juntam-se-lhe o Canadá, que mantém a sua intenção de abandonar o protocolo ainda este mês, e o Japão, Rússia e Nova Zelândia, nações que continuam a fazer parte de Quioto mas não assumem qualquer compromisso vinculativo de redução de emissões nesta segunda fase do tratado. Contas feitas, o compromisso com as novas metas assumido por um total de 36 países é manifestamente insuficiente para mitigar o aquecimento global do planeta – juntos, estes países não reúnem mais do que cerca de 15% das emissões de CO2 produzidas a nível mundial. Assim sendo, e “tendo em conta que a UE iria reduzir as suas emissões independentemente do Protocolo de Quioto, na prática, pouco se altera. Talvez o mais significativo seja mesmo a continuação dos mecanismos de mercado, nomeadamente o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e a Implementação Conjunta”, conclui o especialista.
Financiamento e cortes de emissões em baixa Mas em termos de decisões concretas, os países em desenvolvimento não conseguiram fazer aprovar a introdução de metas intermédias para começarem a beneficiar já de parte dos cem mil milhões de dólares anuais, previstos a partir de 2020 através do Fundo Climático Verde para canalizar ajuda financeira para fins de mitigação e adaptação. Outra medida importante que foi decidida em Doha refere-se à discussão sobre a compensação por perdas e danos devido aos efeitos do aquecimento global. Ficou estabelecida a possibilidade de criação de seguros internacionais para atender possíveis prejuízos sofridos por países pobres atingidos pelas alterações climáticas, mas o funcionamento do novo instrumento só será negociado no âmbito do novo acordo climático. Já no que respeita a corte nas emissões de gases com efeito de estufa, não se deram avanços significativos, já que muito poucos paísesapresentaram uma meta de diminuição de 25% dos gases, quantidade considerada mínima de acordo com os cientistas do IPCC.
Consequentemente, foi previsto um mecanismo que depende da boa vontade dos governos inseridos no Protocolo de Quioto para que, até 2014, tentem reduzir as suas emissões entre 25% e 40%. E se na história do combate às alterações climáticas os avanços ao nível de corte nas emissões de CO2 sempre foram lentos, certo é que “o mundo hoje não é o mundo branco e preto de 1992! O maior emissor de gases com efeito de estufa é actualmente um país considerado em desenvolvimento – a China”, aponta Gonçalo Cavalheiro. Para o membro da direcção do GRACE, e “como bem disse a Secretária Executiva das Nações Unidas, nenhum país no mundo está a fazer o que deve, nem sequer o que pode. Se os países ricos têm uma responsabilidade histórica, as economias emergentes têm uma responsabilidade presente e futura. Hoje todos sabemos mais do que sabíamos há cem anos, ou há trinta”. Neste contexto, “não deve haver desculpa para a inacção, defende o especialista. No entanto, diz, “as consequências geoestratégicas de um acordo global de controlo das emissões são impressionantes”, pelo que “não podemos esperar grandes avanços nessas matérias nos próximos anos. Talvez nem mesmo em 2015”. Defendendo que o pacote de acordos alcançado em Doha para combater as alterações climáticas e prolongar a vida do Protocolo de Quioto abre caminho para um “acordo exaustivo e legalmente vinculativo para 2015”, o secretário-geral da ONU pediu “aos governos, às empresas, à sociedade civil e aos cidadãos que acelerem as acções, de forma a que o aumento da temperatura global possa ser limitado a dois graus”. Dando o exemplo, Ban ki-moon prometeu mesmo fortalecer o seu “envolvimento pessoal nos esforços para aumentar a aspiração, ampliar o financiamento e comprometer os líderes mundiais no momento em que avançarmos para o acordo global”. Este novo tratado deverá ser aprovado em 2015, para vigorar a partir de 2020. Se as Nações Unidas conseguirem, como pretendem, reforçar as negociações nos próximos anos, com a presença directa de líderes mundiais na próxima conferência climática, que terá lugar em Varsóvia, na Polónia, no final de 2013, sobra uma réstia de esperança de chegar a 2015 com uma estrutura consolidada que permita avançar, nessa altura, com um novo tratado internacional climático. Isto é, com um acordo que envolva o controlo das emissões de todos os países, e não apenas das nações do mundo desenvolvido. Para tanto, e como se conclui facilmente, será preciso que grandes emissores globais de gases com efeito de estufa, como a China, a Índia ou o Brasil, assumam algum tipo de compromisso. Para já, e dando resposta às suas próprias preocupações, comuns às de alguns governos e organizações não-governamentais que marcaram presença em Doha, a ONU remeteu para 2013 a avaliação de possíveis acções para mitigar as causas das alterações climáticas antes do novo acordo. E se a próxima etapa nos esforços das Nações Unidas passa por conseguir um acordo com responsabilidades globais, comuns a nações desenvolvidas e em desenvolvimento, em benefício do planeta, a clarificação do processo para adoptar um potencial novo tratado em 2015, com o alargamento do prazo para cumprir Quioto e a possibilidade de rever os objectivos pré-2020, constitui “precisamente o ponto onde jaz o sucesso de Doha: tornou claro, imparável e urgente a necessidade de se trabalhar com vista ao acordo de 2015”, defende Gonçalo Cavalheiro. “Está bem claro na mente de todos o que tem que ser feito. Faça-se!” |
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Jornalista