POR HELENA OLIVEIRA
No início do ano, e em antecipação à reunião mundial de líderes em Davos, o Fórum Económico Mundial lançou um relatório sobre os principais riscos globais que assolarão o mundo nos próximos meses (?) e sobre o qual o VER escreveu. A tendência (que não é, de todo, nova) que se posicionou em primeiro lugar neste ranking de problemas que mais afligem e afligirão o planeta foi o agravamento pronunciado da desigualdade em termos de rendimentos (e não só). Dois dias antes do início da famosa conferência, a Oxfam International divulgaria um novo estudo – que também iria dar que falar em Davos – sobre a mesma temática: a desigualdade que está fora do controlo, e que é bem representada pela diferença de percentagens entre o 1% da população cuja riqueza combinada corresponderá à que é detida pelos restantes 99% em 2016. O relatório, intitulado Riqueza: ter tudo e querer ainda mais alerta para a explosão da desigualdade, recordando que uma em cada nove pessoas não tem o suficiente para comer e que mais de mil milhões de seres humanos continuam a viver com menos de 1,25 dólares por dia. O relatório e a diferença abissal entre ambas as percentagens deu origem a muitos protestos, foi partilhado nas redes sociais durante alguns dias e, como já é hábito, perdeu força e visibilidade contra novas temáticas mais suculentas e menos confrangedoras.
Entretanto, entre 21 e 24 de Janeiro, Davos receberia a elite mais rica do mundo, e cerca de 1700 jactos privados cruzariam os céus da famosa estância de ski suíça, numa adequada “personificação” dos que pertencem ao 1%, em cuja agenda as temáticas da desigualdade, das alterações climáticas e do desenvolvimento sustentável ocupariam lugar de destaque. As estimativas indicam que o preço destes voos privados rondou os 28 mil dólares (por viagem) e que cerca de 12 mil toneladas de CO2 foram emitidas pelos mesmos.
“Pequenos detalhes” à parte, que ricos contributos e ideias saíram destas reuniões, debates e cocktails?
Seremos obrigados a escolher entre a economia e o futuro?
A afirmação, aqui transformada em pergunta, é feita por Christiane Kliemann, membro da associação de académicos degrowth, num artigo publicado no The Guardian e que afirma que devemos esquecer Davos, sendo tempo para um movimento social que pressione os governos e as empresas a darem prioridade à qualidade de vida em detrimento do crescimento económico. Enquanto participante na cimeira do FEM, esta defensora de um modelo económico alternativo, escreveu, em tom jocoso, que a palavra “crescimento” tem lugar cativo em todas as reuniões de Davos e que este ano não foi excepção: “os participantes continuam a assegurar que a sua própria rentabilidade é vital para salvaguardar a humanidade, enquanto nós, pessoas normais, continuamos com as nossas vidas, conduzindo alegremente os nossos carros, reservando os voos para as próximas férias e criando os nossos filhos como sempre o fizemos”. Convicta de que só com um gigantesco movimento social será possível mudar o status quo, Kliemann referiu ainda que, aparentemente, estamos a assistir a uma negação colectiva das implicações ameaçadoras da realidade, que continuamos a confiar nas velhas narrativas dos benefícios do crescimento e da competitividade, que a tecnologia e os especialistas conseguirão consertar tudo o que está mal e que o capitalismo é e será o grande vitorioso na nossa história.
[pull_quote_left]“Estamos a assistir a uma negação colectiva das implicações ameaçadoras da realidade”[/pull_quote_left]
Colocar todas as apostas no dito “crescimento” parece ser, na verdade, o discurso de muitos dos líderes que estiveram presentes em Davos. “Para reduzir a desigualdade, a melhor resposta é o crescimento”, afirmou Roberto Egydio Setubal, CEO e vice-presidente do Itaú Bank. “Temos de aumentar o impacto que o crescimento global tem nos mais pobres”, corroborou o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, que acrescentou ainda que está provado que a melhoria dos cuidados de saúde e da qualidade da educação reduzem a desigualdade e estimulam o crescimento sustentável.
Passando para o painel de políticos, a conversa não é muito diferente: “a orientação da Europa tem de sublinhar a importância do crescimento e do investimento público e privado e não só a austeridade”, declarou Matteo Renzi, o primeiro-ministro italiano; “a denominada austeridade é muitas vezes utilizada em oposição ao denominado crescimento”, refutou a chanceler alemã Angela Merkel, aproveitando para acrescentar que “precisamos de uma política fiscal coesa e orientada para o crescimento, de investimentos por parte de todos os Estados e de um ambiente no qual os investidores privados sejam encorajados a investir o seu dinheiro”. E o rol de defensores deste “crescimento” poderia continuar interminavelmente.
Muitas cabeças e muitas sentenças depois, o que falta para transformar as palavras em actos?
De acordo com a representante da Oxfam International em Davos, Winnie Byanyma, existem alguns sinais de que os líderes empresariais estão, de facto, a considerar uma nova forma de fazer negócios que seja mais consentânea com os vários desafios globais que estão a pressionar o planeta, sublinhando ainda que a edição de 2015 do FEM se assumiu como “o grande teste para se perceber se as parcerias público-privadas estão realmente a dar resultados”.
[pull_quote_right]“O sistema vigente está feito exactamente para tornar ainda mais ricos os ricos do planeta”[/pull_quote_right]
Ainda com os abjectos resultados do estudo sobre o agravamento da desigualdade publicado pela organização que dirige em mente, Byanyma declarou igualmente que, ao longo das várias sessões de trabalho em Davos, foram muitos os líderes que se mostraram verdadeiramente comprometidos – e prontos – a reduzir a desigualdade e a diminuir o impacto das alterações climáticas, apesar de “os líderes políticos estarem a ficar para trás”. A mesma percepção tem Katherine Garrett-Cox, CEO da Alliance Trust, uma firma de investimento responsável sedeada no Reino Unido, cujas afirmações conferem um renovado sentido de esperança: “o que eu estou a inferir destas reuniões é um enorme sentido de urgência, especialmente por parte da comunidade empresarial”.
Apesar de estas afirmações representarem alguma luz ao fundo do túnel, as dúvidas e a relutância em acreditar que algo irá mudar continuam em cima da mesa, dada a percepção generalizada que transformar o sistema é irrealista, tendo em conta os poderosos interesses destas elites.
O estudo já citado da Oxfam prova que, apesar de todas as boas intenções e de tanta conversa sobre o crescimento inclusivo, o sistema vigente está feito exactamente para o oposto: para tornar ainda mais ricos os ricos do planeta. E, como sublinha também Winnie Byanyma, a instabilidade política e violência deveriam conferir razões adicionais para lidarmos com a desigualdade, com a pobreza e a exclusão, e não novas desculpas para não o fazermos.
Com 2015 a assumir-se como “o ano da sustentabilidade”, e com os olhos postos em Paris que, em Dezembro, será palco de mais uma conferência da ONU para se debater a ideal adopção de um compromisso universal, e “a valer”, sobre as alterações climáticas, quais os níveis percepcionados em Davos, por parte dos CEOs presentes, no que respeita à seriedade e urgência de se abordar este enorme desafio global no planeamento das suas estratégias?
“Acredito que a tirania do curto prazo irá prevalecer ao longo das próximas décadas”
Quem o afirma é o professor norueguês de estratégia climática, Jørgen Randers, da Norwegian Business School, o qual em 1972 já alertava para os limites do crescimento e cujas previsões globais (assustadoras) para o ano de 2052, em livro, deram origem a um excelente site. Há mais de quarenta anos a alertar para as catastróficas formas insustentáveis, as quais a humanidade é especialista em adoptar, o autor da frase que dá título a este artigo, confessa o seu cansaço face às tentativas para despertar os líderes, empresariais e políticos, para estas inegáveis e cientificamente comprovadas realidades.
[pull_quote_left]“O sistema capitalista está cuidadosamente concebido para alocar capital aos projectos mais rentáveis”[/pull_quote_left]
Num novo paper publicado pela revista sueca e citado também pelo The Guardian, Randers afirma estar convicto de que a razão para esta inacção reside no facto de os benefícios prováveis, nos próximos 20 anos, resultantes de uma proposta de impostos extra feita pelo governo norueguês (e chumbada) para lidar com as alterações climáticas – e que custaria cerca de 250 euros anuais por pessoa – serem muito pouco lucrativos. De acordo com o especialista, se o plano tivesse recebido luz verde, teria permitido à Noruega eliminar as suas emissões de gases com efeito de estufa em dois terços até 2050, ao mesmo tempo que teria servido de exemplo para outros países fazerem o mesmo. E, remata, “o sistema capitalista está cuidadosamente concebido para alocar capital aos projectos mais rentáveis. E é exactamente disso que não precisamos na actualidade”.
Todavia, e de acordo com um estudo igualmente debatido em Davos – Joining Forces: Collaboration and Leadership for Sustainability e sobre o qual o VER também já escreveu, apenas um quinto de 3795 executivos e gestores entrevistados, de 113 países, acreditam que os seus conselhos de administração fornecem uma supervisão substancial no que respeita às temáticas da sustentabilidade. O que é a mesma coisa do que afirmar que 75% dos mesmos não acreditam realmente que os impactos das alterações climáticas, por exemplo, constituem uma ameaça credível. Adicionalmente, o mesmo estudo demonstra que 58% dos conselhos de administração nem sequer moderadamente envolvidos estão com uma agenda para a sustentabilidade.
Esta realidade é evidenciada pela responsável da ONU pelas alterações climáticas, Christiane Figueres, também presente em Davos. A verdade é que “ a ‘dor no sapato’ não é grande o suficiente para que as empresas se sintam coagidas a agir”, afirmou.
“Esta é a primeira geração que está a tomar consciência do que fizemos, pois as anteriores gerações não faziam a mínima ideia”, continuou a também directora executiva da UN Framework Convention on Climate Change, acrescentando que a partir de agora não existem quaisquer desculpas para transmitir a responsabilidade para as gerações vindouras.
[pull_quote_right]“A ‘dor no sapato’ não é grande o suficiente para que as empresas se sintam coagidas a agir”[/pull_quote_right]
Recordando que, nessa mesma semana, o senado norte-americano tinha chumbado, mais uma vez, uma resolução que reconhecia que as alterações climáticas são um resultado das actividades humanas, Figueres alertou ainda para o papel principal que o sector privado tem de assumir de forma a dar aos políticos a confiança para agirem, sendo que a ajuda pode vir “embrulhada” mediante três formas: visão, acção e voz. “Isto tem a ver com visão e não com pensamento de curto prazo”, diz. “Não é só sobre medidas de eficiência energética hoje, as quais representam um pequeno e curto primeiro passo, mas sim começar por aí e perceber até onde podemos chegar ao longo dos próximos 50 anos”, acrescenta. Para Figueres, assim que as empresas tiverem um destino claro, precisarão de se concentrar em percorrer a distância entre o ponto em que se encontram agora e aquele que é necessário atingir, sendo que o último passo será o de “vocalizar” a necessidade de uma verdadeira acção transformacional.
Sublinhando ainda que existe uma minoria de empresas que já tem voz sobre estas questões contra uma maioria que continua a escolher o silêncio, a responsável da ONU corrobora também o que habitualmente se diz da inacção empresarial: o facto de, na sua esmagadora maioria, as empresas não acreditarem – ou não o quererem fazer – que as alterações climáticas poderão ameaçar, a curto prazo, a sua própria sobrevivência, algo que ficou igualmente claro num outro estudo apresentado, pela PricewaterhouseCoopers, o qual revela que o clima não faz parte da lista de prioridades ou de preocupações dos CEOs.
O que, mais uma vez, parece um mau presságio.
Editora Executiva
Olá!
“… o qual revela que o clima não faz parte da lista de prioridades ou de preocupações dos CEOs.” E porque motivos teria de fazer?
Já por várias vezes demonstrei (a última escrita) que muitos milhões – mais de 1000 milhões segundo os bacanos – também não querem saber de alterações climáticas antropogénicas, excepto claro se for para fazer um ‘like’ aqui ou acolá!
De resto a farsa continua…
Cumprimentos (sem like’s obviamente)
😎
Está visto que por aqui também são fãs do Salazar e da sua querida PIDE! E ainda escrevem sobre “Valores” 🙄
Exmo. Senhor,
em resposta ao seu comentário aconselho-o a reler novamente o artigo em causa. No VER escrevemos sobre valores, sim, mesmo quando estes não estão presentes nas organizações que os deviam colocar em prática. É, aliás, nossa missão, alertar para a hipocrisia vigente em muitas elites, empresariais ou outras, como é o caso deste artigo em particular. Se perder dois segundos a reler o título, colocado entre aspas, na medida em que é uma citação de alguém que esteve em Davos, deveria perceber o tom sarcástico em que a mesma foi proferida.
Caríssima Helena Oliveira,
Estou algo confuso! Está a referir-se a que comentário por mim escrito?
Se está a falar apenas deste comentário que passou agora no crivo da censura – hoje em dia apelidada de “Moderação de comentários” – e está visível aos restantes navegantes cibernéticos então também deveria saber que ele é apenas a reacção à não publicação do meu primeiro comentário!
Valores há muitos… De facto!
Cumprimentos 😉
Exmo senhor,
queira perdoar a não publicação do seu anterior comentário. Por lapso, “passou-me” e, também por isso, não tinha percebido a sua menção à falta de “valores” no VER.
Cumprimentos,
Helena Oliveira
Caríssima Helena Oliveira,
Sem qualquer espécie de necessidade de perdão! São lapsos que acontecem…
Se porventura desejar remover o comentário “fãs de Salazar” não se acanhe!
Agora, tudo está em equilíbrio…
😎
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