A pandemia do coronavírus está a testar sem piedade os líderes empresariais em todos os sectores e em todo o mundo. As suas consequências serão de longa duração e dificuldades ainda maiores, que ninguém está a antecipar ainda, podem igualmente surgir. A incerteza prolongada obriga a um conjunto de comportamentos que os líderes devem seguir, para bem da empresa e de todos os seus stakeholders
POR HELENA OLIVEIRA
A presente crise colocada pelo coronavírus está a exigir esforços monumentais às empresas e respectivos líderes, na medida em que não existem precedentes para a mesma e muito menos cartilhas que possam orientar as suas acções. A sequência de eventos de grande escala e rapidez esmagadora está a potenciar um nível elevado de incerteza que dá origem à desorientação, a sentimentos de perda de controlo e a distúrbios emocionais. Se liderar já não é tarefa fácil em tempos de normalidade, neste período de excepção torna-se ainda mais complexo fazê-lo.
Na tentativa de seleccionarmos conteúdos que possam ajudar os nossos líderes empresariais a melhor lidar com desafios jamais experimentados e dada a extensa literatura já existente que oferece “dicas” para aumentar a resiliência ao longo deste período de completa incerteza, optámos por partilhar algumas sugestões veiculadas pela McKinsey & Company, a qual está a fazer um trabalho de excelência junto de líderes e gestores de todo o mundo. De acordo com a consultora, o que os líderes precisam durante uma crise não é um plano de resposta predefinido, mas de um conjunto de comportamentos e raciocínios que os ajude a evitar reagir de forma exacerbada aos desenvolvimentos de ontem, mas antes a ter em atenção os potenciais acontecimentos de amanhã. Partilhamos de seguida esses comportamentos na esperança que possam servir de bússola orientadora neste céu sem estrelas.
A importância da rede de equipas
Ao longo de uma crise, os líderes têm de abandonar a crença de que uma resposta do topo para as bases irá fornecer a estabilidade necessária para se seguir em frente neste caminho repleto de obstáculos, muitos deles ainda invisíveis. Nas emergências de rotina, uma empresa pode confiar na sua estrutura de comando e controlo para gerir as operações seguindo um guião já experimentado. Mas em crises caracterizadas pela incerteza extrema, os líderes enfrentam problemas que não lhes são, de todo, familiares e que são muito escassamente compreendidos. E um pequeno grupo de executivos, mesmo que pertencente ao mais alto nível da organização, não consegue recolher informação suficiente ou tomar decisões suficientemente rápidas para responder de forma eficaz aos desafios que vão surgindo. De acordo com a McKinsey, os líderes poderão mobilizar melhor as suas organizações através do estabelecimento de prioridades claras para a resposta que pretendem dar e delegar poder a outros para descobrirem e implementarem soluções que sirvam essas mesmas prioridades.
Assim, e para promover a rápida resolução de problemas e a execução sob condições caóticas e caracterizadas por níveis elevados de stress, os líderes devem organizar uma rede de equipas, um conceito que não é novo, mas que carece ainda de experiência de implementação. Por definição, uma rede de equipas consiste num conjunto de grupos extremamente adaptáveis que estão unidos por um propósito comum e que trabalham em conjunto de uma forma muito similar à dos indivíduos que colaboram numa determinada equipa.
Algumas partes dessa mesma rede têm como objectivo prosseguir acções que têm lugar fora das operações de negócio regulares, enquanto outras partes identificam as implicações da crise para as actividades do negócio, fazendo os necessários ajustamentos, como por exemplo ajudar os empregados a adaptarem-se a novas regras de trabalho. Em muitos casos, a rede de equipas incluirá um “centro nervoso” integrado que cobre quatro domínios por excelência: a protecção da força de trabalho, a estabilização da cadeia de fornecimento, o envolvimento dos clientes e a realização de testes de stress financeiros.
Independentemente do seu âmbito funcional, as redes de equipas eficazes exibem várias qualidades. São multidisciplinares: a experiência demonstra que as crises apresentam graus de complexidade que exigem o envolvimento de especialistas de várias áreas; são formadas para agir, o que significa que solicitar ideias provenientes desses mesmos especialistas não é suficiente, ou seja, os especialistas deverão reunir informação, elaborar soluções, colocá-las em prática e proceder à sua “refinação” ao longo do processo; e são também adaptáveis e passíveis de se reorganizarem, podendo ser expandidas ou contraídas à medida que forem aprendendo mais sobre a crise em causa e acompanhando as suas alterações.
Importante é o facto de os líderes deverem estimular a colaboração e a transparência entre toda a rede de equipas. Uma forma de o fazer é distribuindo autoridade e partilhando informação, ou, por outras palavras, demonstrando como é que as próprias equipas deverão operar. Em situações de crise, o instinto dos líderes leva-os, muitas vezes, a consolidar a autoridade na tomada de decisão e a controlar a informação, fornecendo-a apenas quando é estritamente necessário. Mas fazer exactamente o contrário é uma boa forma de encorajar as equipas a fazerem o mesmo.
Uma outra característica crucial que deve fazer parte das funções do líder, em particular nos ambientes de tensão emocional que caracterizam uma crise, é promover a segurança psicológica para que as pessoas se sintam à vontade para discutir ideias, questões e preocupações sem terem medo de qualquer tipo de repercussão. Tal permite à rede de equipas estar a par da situação e saber como lidar com ela, através de um debate saudável e alargado.
Calma deliberada e optimismo limitado
Tal como os executivos seniores devem estar preparados para, temporariamente, delegarem algumas responsabilidades próprias da sua hierarquia de comando e controlo para a rede de equipas, devem, igualmente, conferir poder a outros para direccionarem a resposta à crise por parte da organização. Tal envolve conceder-lhes a autoridade necessária para tomar e implementar decisões sem terem de pedir aprovação. Uma função importante dos executivos seniores é a de estabelecerem rapidamente uma “arquitectura” para a tomada de decisão, para que a responsabilização seja clara e para que as decisões sejam tomadas pelas pessoas apropriadas nos diferentes níveis da organização.
Os líderes deverão igualmente assegurar que estão a dar este poder às pessoas certas para que as decisões de resposta à crise sejam tomadas em toda a rede de equipas. Na medida em que alguns decisores cometerão erros, estes devem ser capazes de aprender rapidamente com os mesmos e fazer correcções sem exagerarem na reacção ou paralisarem a organização.
No início da crise, os líderes seniores terão de nomear os decisores para direccionar as respostas ao contexto particularmente complexo em que vivemos. Mas, e à medida que esta evolui, é natural que emerjam novos líderes de resposta à crise na rede de equipas, sendo que estes não serão, em todos os casos, executivos seniores. Nas emergências de rotina, a experiência é talvez a mais valiosa qualidade de um líder. Mas em crises de contornos inovadores e incertos como a que estamos a viver, é o carácter que mais importa. Os líderes têm de ser capazes de unificar as equipas em torno de um propósito comum e os melhores exibirão um conjunto de qualidades. Uma delas é a denominada “calma deliberada”, ou seja, a capacidade de se “distanciarem” de uma situação inquietante e pensarem claramente em formas de a ultrapassar.
Uma outra qualidade importante é o chamado “optimismo limitado” ou a confiança combinada com o realismo. Em particular no início de uma crise, se os líderes exibem níveis de confiança excessivos apesar das condições obviamente complexas, podem perder credibilidade. Ou seja, é mais eficaz projectarem, ao invés, uma ideia de confiança de que a organização encontrará um caminho para atravessar a crise, mas demonstrar igualmente que reconhecem a incerteza que a caracteriza e que, por isso mesmo, terão de lidar com ela recolhendo o maior número de informação possível. Quando a crise passar, o optimismo será muito mais benéfico e pode ser muito menos limitado.
Pausa para avaliar, antecipar e só depois agir
Esperar que surja um conjunto “completo” de factos antes de se determinar o que tem de ser feito é outro erro comum feito pelos líderes em tempos de crise. Porque esta envolve muitas incógnitas e surpresas, os factos podem não tornar-se claros dentro do período necessário à tomada de decisão. Todavia, recorrer somente ao instinto também não é de todo aconselhável. Os líderes podem lidar com a incerteza e com o sentimento de jamais vu (o oposto do déjà vu) recolhendo continuamente informação à medida que a crise se for desenrolando e observar, naturalmente, o quão bem ou mal as suas respostas estão a funcionar.
Na prática, tal significa fazer pausas frequentes na gestão de crise, avaliar a situação a partir de pontos de vantagem múltiplos, antecipar o que pode vir a acontecer de seguida e só depois agir. O ciclo “pausa-avaliaçao-antecipação” deve ser contínuo, servindo para ajudar os líderes a manter o estado de calma deliberada e a evitar reacções exacerbadas à medida que novas informações forem chegando. Apesar de existirem momentos que exigirão acção imediata, os líderes terão de encontrar ocasiões para parar, reflectir e pensar antecipadamente antes de agirem.
Existem dois comportamentos cognitivos que os podem ajudar nesta avaliação e antecipação. Um deles, denominado “actualização”, envolve reavaliar ideias baseadas em novas informações que as equipas recolhem, bem como nos conhecimentos que vão desenvolvendo. O segundo, “duvidar”, ajuda os lideres a considerar, de forma crítica, acções contínuas e potenciais e a decidir se estas precisam de ser modificadas, adoptadas ou abandonadas.
Actualizar e duvidar ajuda os líderes a mediar os seus impulsos para arranjarem soluções baseadas em acções tomadas previamente e a divisarem novas soluções sem chamar para o caso lições passadas. E assim que decidem o que fazer, têm de agir com determinação. Uma determinação visível não só ajuda a construir a confiança nos líderes da organização, como também motiva a rede de equipas a manter a sua busca por soluções aos desafios que esta enfrenta.
Empatia e saber marcar a diferença
Em crises com contornos similares à que estamos a atravessar, as mentes das pessoas voltam-se, em primeiro lugar, para a sua própria sobrevivência e para outras necessidades básicas. Será que vou adoecer? Ou a minha família? E o que acontece depois? Quem tomará conta de nós? Os líderes não devem deixar estas perguntas para serem respondidas pelos departamentos de comunicação ou legais da empresa. É que é exactamente em tempos de crise que estes devem assegurar um aspecto vital das suas funções: fazer uma diferença positiva na vida das pessoas.
E para o fazerem têm de conhecer os desafios pessoais e profissionais que os seus empregados e respectivas famílias estão a viver. Na medida em que a crise irá afectar as pessoas de formas diferentes, devem estar particularmente atentos à forma como as pessoas estão a travar a sua luta e tomar medidas correspondentes que as possam ajudar.
Por último, é vital que os líderes não demonstrem apenas empatia mas que estejam abertos à empatia de outros, permanecendo atentos ao seu bem-estar. À medida que o stress, a fadiga e a incerteza aumentam, estes podem sentir que as suas capacidades para processar informação, para manter a lucidez e para exercer um bom julgamento estão diminuídas. Assim, é igualmente necessário que invistam no seu próprio bem-estar por forma a manter a sua eficácia ao longo das semanas ou meses que a crise durar.
Transparência na informação é fundamental
A comunicação em tempo de crise partilhada pelos líderes geralmente não funciona da melhor maneira. É comum utilizarem um tom optimista e de excesso de confiança nas fases iniciais da crise – o que aumenta as suspeitas por parte dos stakeholders sobre o que os líderes realmente sabem e o quão bem estão a lidar com a crise. As figuras de autoridade têm igualmente tendência para suspender qualquer tipo de anúncio durante períodos longos enquanto esperam que surjam mais factos e decisões que podem ser tomadas.
E nenhuma destas abordagens é tranquilizadora. Na verdade, a transparência é a “tarefa número 1” para os líderes em tempo de crise e significa ser-se claro relativamente ao que se sabe, ao que não se sabe e ao que se está a fazer para se saber mais. Uma comunicação frequente e fundamentada demonstra que os líderes estão a seguir a situação e a ajustar as suas respostas à medida que vão aprendendo mais coisas.
Esta atitude permite garantir aos seus stakeholders que estão a lidar convenientemente com a crise. Os líderes devem igualmente ter um cuidado especial em assegurar que as preocupações, interrogações e interesses de cada uma das suas audiências sejam devidamente abordados. E ter membros da equipa de resposta à crise a falarem em primeira mão sobre o que estão a fazer é particularmente eficaz.
Por fim, a comunicação não deve parar quando a crise passar. Oferecer uma visão optimista e realista pode ter um efeito poderoso nos trabalhadores e demais stakeholders, inspirando-os a apoiar a recuperação da empresa.
Editora Executiva