Aluno doutorado, com projecto pioneiro a nível mundial, na área das acessibilidades, procura emprego. Professor dedicado envia Carta Aberta a governantes, gestores e empresários. O VER conta a história de ambos. Até agora, ninguém foi contactado. Problemas de comunicação no mundo das tecnologias?
Paulo Condado é um jovem doutorado que, de acordo com várias vozes do mundo académico e científico, realizou um trabalho absolutamente brilhante, tendo contribuído de forma significativa para o avanço do estado de arte na área das acessibilidades. Para além do mais, o Paulo é persistente, teimoso, curioso e transforma adversidades em oportunidades. Com muitas das competências considerados pelos caçadores de talentos como as indicadas para o exigente mercado de trabalho da actualidade, que empregador não gostaria de ter Paulo integrado nas fileiras da sua empresa? Bem, na verdade e até agora, nenhum! É que o Paulo tem paralisia cerebral, um “palavrão” muito mal compreendido pela sociedade em geral, mas que os líderes bem informados teriam obrigação de conhecer e/ou desmistificar. Para poupar trabalho aos gestores, empresários e até aos governantes deste nosso país pouco dado a inclusões, o VER conta a história de Paulo, com a ajuda inestimável de um dos seus professores, Fernando Lobo, que resolveu utilizar a sociedade da informação (?) para disseminar a história deste aluno brilhante. Numa Carta Aberta, Fernando Lobo, apela ao apoio para “jovem recém-doutorado com paralisia cerebral”, na qual enumera um sem número de diligências que levou a cabo, até agora sem sucesso algum, para que alguém tenha a coragem – aqui antes traduzida por bom senso – para contratar o Paulo. A presente história cruza não só o percurso académico do jovem, os obstáculos que teve de superar e o apoio inestimável das Tecnologias de informação e Comunicação (TIC) que tornaram possível não só a sua já longa caminhada, mas também a cruzada de muitas pessoas com necessidades especiais que, através das novas tecnologias, conseguem fazer o que era impossível antes da sua existência: integrarem-se, de forma digna, na sociedade em geral e no mundo profissional em particular. A família, a velha máquina de escrever e o projecto Minerva Quando entrou no ensino primário, a professora aconselhou a mãe a colocá-lo no ensino especial, mas esta, conhecedora da lei que permitia a integração de pessoas com este tipo de deficiência no ensino regular, recusou o “conselho” e manteve Paulo na escola. Como a caligrafia de Paulo era dificilmente perceptível, o seu primeiro contacto com uma “tecnologia” foi feito através de uma máquina de escrever que, graças a eternas questões burocráticas, levou algum tempo a chegar às suas mãos. Ao longo de toda a escola primária, Paulo realizou exactamente as mesmas provas que os seus colegas, com a única diferença de que estes usavam papel e lápis para escrever. Estávamos nos anos 80 e a turma de Paulo teve a felicidade de ser escolhida para integrar o projecto Minerva, uma iniciativa nacional que teve início em 1985 e cujo principal objectivo era a introdução das tecnologias de informação e comunicação nas escolas, para estudantes e professores. E Paulo apaixonou-se por este novo mundo que viria a ser o seu universo por excelência no futuro. Ao longo do projecto, interagiu com o software Logo, uma linguagem de programação especialmente concebida para crianças, inventada no final dos anos 60 por Seymour Papert. A filosofia subjacente ao Logo (com influências na obra de Jean Piaget) era de que as pessoas (e especialmente as crianças) aprendiam melhor quando lhes era dada a oportunidade de experimentar e aprender a partir dos seus próprios erros. E já nesta altura Paulo Condado foi mais longe e, de forma inconsciente, começou a dar os primeiros passos na programação informática. Foi graças ao projecto Minerva que Paulo Condado despertou para o desejo de vir a trabalhar em alguma actividade relacionada com as maravilhas do novo mundo da informática, desejo esse que o acompanha até aos dias de hoje. Ainda com o software Logo, Paulo foi mais longe do que o simples obedecer a determinados comandos e conseguiu escrever pequenas mensagens que conseguia enviar aos seus colegas e professores. Para quem vivia limitado por uma velha máquina de escrever e uma fita correctora, esta descoberta foi tão importante como o homem pisar a Lua. Um grande passo para Paulo, sem qualquer dúvida.
Os computadores, o Renato e a universidade O facto de terem uma tecnologia “transportável” para a sala de aula, não só os ajudou a acompanhar mais facilmente as matérias dadas, como lhes abriu o caminho para poderem comunicar com o mundo exterior. Renato também recebeu uma outra inestimável ajuda tecnológica: uma cadeira de rodas eléctrica, o que lhe permitiu movimentar-se sem ajuda externa e, desta forma, ganhar a tão desejada independência numa sociedade com escassez graves de acessibilidades. Seguiu-se o ensino secundário e a altura em que os alunos têm que escolher a área que lhes permitirá transitar para o ensino superior. Paulo não teve qualquer dúvida, escolheu a Informática, embora detestasse fazer exercícios que envolvessem fórmulas matemáticas digitadas no computador. Começou a concentrar-se na sua própria mão e esforçou-se para escreve-las sem a ajuda do seu mais fiel amigo. Na verdade, ao se preocupar em demasia com a busca e inserção de símbolos no teclado, percebeu que o seu raciocínio era, de alguma forma, interrompido. No início do 12º ano, Paulo conseguiu incluir algumas actualizações no seu computador de forma a que este pudesse comportar programas mais modernos e a aumentar a velocidade na execução de várias tarefas.
Quando chegou à Universidade [do Algarve] para estudar Informática e Gestão – cujo campus possuía um parque de estacionamento para pessoas com necessidades especiais, uma novidade ainda não experimentada por Paulo – o seu percurso foi firme e sem problemas de maior. Os professores e colegas acabaram por aprender a a comunicar com ele e foi quando se viu obrigado a fazer uma apresentação pública sobre o seu projecto final de curso, que o jovem utilizou, pela primeira vez, um sintetizador de texto para fala para que toda a gente o pudesse compreender. Com a ajuda de um professor, Hamid Shahbazkia e de um colega, Filipe Tomaz, que o ajudou a implementar o dito sintetizador, Paulo conseguiu, como qualquer outro colega, fazer a sua apresentação. Contudo e apesar de um computador tradicional permitir a síntese de voz, não é algo muito prático devido a questões de mobilidade. Devido a esse motivo, a universidade utilizou uma máquina compatível, de dimensão reduzida, que Paulo poderia transportar consigo para qualquer parte. Tal constituiu um pequeno mas importante passo para o futuro imediato: a denominada wearable computing, ou a “computação vestível” que, na actualidade, é objecto de um número significativo de investigação e avanços tecnológicos impressionantes. Depois de esta experiência, Paulo tinha mais um objectivo: fazer um doutoramento na área das Tecnologias da Informação e da Comunicação, comprovando os benefícios que estas podem oferecer a pessoas com necessidades especiais. E se bem o pensou, melhor o fez (v.caixa) Nota: O VER agradece o contributo dado pelo Professor Fernando Lobo que, na sua Carta Aberta, que pode (e deve) ser lida na íntegra, tudo faz para que o caso de Paulo seja conhecido. |
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© 2009 – Todos os direitos reservados. Publicado em 2 de Dezembro de 2009 | |||||||||||||||||
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