Apesar de parecer insólito, são já algumas empresas que o fizeram e muito provavelmente a moda poderá pegar em muitas mais. Afinal, um robot é capaz de monitorizar números, analisar o progresso do negócio, aceder a pesquisas e relatórios e optimizar a estrutura de uma organização. Mas enquanto os mais progressistas se atrevem a pensar ou a adoptar esta possibilidade, os argumentos que sustentam que um líder tem de ter características e competências humanas que as máquinas não conseguem replicar continuam a imperar. Na verdade, a função de um CEO dificilmente poderá vir a ser substituída pela inteligência artificial. Mas também é certo que os líderes que não a souberem implementar e aplicar serão decerto substituídos por outros que o saibam fazer
POR HELENA OLIVEIRA
A NetDragon Websoft, sediada na China, afirma ser a primeira empresa do mundo a nomear um robot com inteligência artificial como sua CEO (e não é a primeira a anunciar este acto pioneiro). O programa de IA, baptizado de Tang Yu, visa apoiar a tomada de decisões para as operações diárias da empresa. Este robot humanóide virtual alimentado por inteligência artificial conseguiu superar o desempenho do índice Hang Seng de Hong Kong seis meses depois de ter sido nomeado, com o preço das acções da NetDragon Websoft a subir 10%, elevando a avaliação da empresa para mais de mil milhões de dólares.
A Dictador anunciou a contratação do primeiro robot com IA do mundo como CEO de uma empresa global. O novo director-geral é um robot semelhante a um ser humano, que incorpora IA. O robot, “feminino”, chamada Mika e será o rosto oficial da Dictador, o produtor de rum de luxo mais vanguardista do mundo. Este passo ousado consolida a posição da empresa como uma das organizações mais avançadas a nível mundial, sublinhando a paixão da marca pelas novas tecnologias e por uma ruptura positiva ao trazer o futuro para um mundo que ainda pode ser muito tradicional.
Mika é uma versão feminina e mais avançada do protótipo da sua irmã, Sophia, “activada” em 2015 em Hong Kong, pela Hanson Robotics Ltd. A primeira mulher robot CEO será um membro do conselho de administração, responsável pelo projecto Arthouse Spirits DAO e pela comunicação com a comunidade existente em torno desta plataforma, em nome da Dictador. Um contrato com a primeira robot CEO de IA do mundo foi assinado no dia 30 de Agosto, lançando a sua carreira oficial na Dictador a 1 de Setembro de 2022.
Os dois exemplos acima não saíram de nenhum livro de ficção científica (que, na verdade são cada vez menos ficção) nem são anedotas dos tempos modernos em que, e quase de repente, a IA generativa inundou as notícias, em particular desde que foi lançado o ChatGPT, utilizado por largos milhões de pessoas e que tanta tinta já fez correr. Mas sendo a substituição dos humanos pela automação e pelas máquinas inteligentes uma das maiores preocupações já do presente mas essencialmente do futuro do trabalho, é assim tão descabido perguntarmo-nos se a posição de CEO poderá estar entre as profissões que, em anos vindouros, poderá vir a ser tomada por um robot?
Para a maioria dos observadores, pelo contrário, a cadeira de um líder jamais poderá ser ocupada por um robot (e será que os robots humanóides precisariam de uma cadeira? E, com os exemplos acima referidos, seriam sempre “mulheres”?) e, a priori, os argumentos para que tal não aconteça são múltiplos e variados. Mas também há quem preveja que o cenário não é assim tão inconcebível.
Por exemplo, o CEO da Alibaba, a maior plataforma de negócios online B2B do mundo, Jack Ma, acredita que no futuro “será muito provável que seja um robot a estar na capa da revista Time como o melhor CEO”. Disse-o mais do que uma vez, apontando, no Twitter, o ano de 2030 como uma altura provável para que tal feito possa vir a ser a uma realidade. Sendo que a primeira vez que falou em tal probabilidade foi já em 2017, uns bons anos antes de a IA ter finalmente chamado a atenção do mundo inteiro, apesar de estar já integrada em muitos dispositivos e tarefas que executamos no nosso quotidiano, já para não falar do poder dos algoritmos que, sem nos apercebermos, comandam já muitos aspectos das nossas vidas.
Um outro exemplo de um gigante da tecnologia que diz não pôr a mão no fogo no que respeita a esta possibilidade é Sreeram Visvanathan, CEO da IBM no Reino Unido, o qual confessou há pouco tempo que admite que há muitas tarefas no seu trabalho que um motor de inteligência artificial seria capaz de fazer. Por exemplo, poderia monitorizar números, analisar o progresso de negócios, aceder a pesquisas e relatórios e optimizar a estrutura de uma empresa, afirmou. Mas e no entanto, há uma grande quantidade de atributos críticos inerentes ao papel de um CEO em que um robot ficaria sempre aquém, declarou. “ Não sei se seria capaz de interagir com os humanos num ambiente social ou de direcção, mas é um futuro que está à porta e, em vez de o negarmos, devemos aceitar esta possibilidade. Devemos pensar na regulamentação e noutras salvaguardas, como a IA ‘explicativa’, para que os humanos possam ver como foi tomada uma decisão”, acrescentou.
Adicionalmente e também no ano de 2017, o Fórum Económico Mundial (FEM) abordou igualmente a questão. Na altura e tendo como base as previsões – certas – que a IA iria significativamente evoluir de modo a compreender melhor o comportamento humano, tal poderia significar que os robots tomariam decisões por si próprios em situações mais complicadas. E à medida que fossem ficando mais inteligentes, poderiam assumir tarefas cada vez mais exigentes, ajudando a libertar o trabalhador humano para ser mais produtivo. Especificamente no que ao cargo de CEO diz respeito, o FEM escrevia na altura que existiam pelo menos três razões que poderiam ajudar a imaginarmos um robot a liderar uma empresa.
Em primeiro lugar, o robot pode ser capaz de tomar decisões melhores e mais responsáveis. O “ruído” de fundo pode afectar enormemente o processo de tomada de decisões. Se um CEO tiver tido uma má reunião, se estiver a sofrer de jetlag ou simplesmente se tiver outras preocupações na sua mente, o facto é que as suas decisões podem ser prejudicadas e prejudiciais. Ou seja, os robots não enfrentam a imprevisibilidade que nós, humanos, enfrentamos, pelo que é mais provável que as suas decisões fossem consistentes e baseadas em factos.
Em segundo lugar, a gestão da agenda deixaria de ser um problema. Os robots podem trabalhar todo o dia, todos os dias. Não precisam de dormir, nem de fins-de-semana, nem de férias. Nenhum ser humano pode dizer o mesmo, por muito que tente cultivar essa impressão.
E as reuniões com colaboradores ou clientes? Na medida em que se previa que os níveis de automação aumentassem celeremente, o networking com o chefe robótico não estaria totalmente fora de questão. única. A tecnologia permite-lhes interagir onde quer que os seus clientes estejam, reduzindo ainda mais os custos de deslocação e ajudando o ambiente.
Mas serão estes argumentos suficientes, mesmo que pensemos no futuro, para acreditarmos que um líder possa um dia vir a ser substituído por um robot humanóide?
Provavelmente, a função de CEO será uma das últimas a ser substituída pela IA
De acordo com Pieter Buteneers, especialista em IA, fundador e Chief Technology Officer da Transfo.Energy, pelo menos agora, a IA não está madura o suficiente para que possa interpretar o papel de CEO. Na medida em que um dos pontos mais fortes da inteligência artificial consiste na automatização de tarefas repetitivas e que, com os exemplos de treinos adequados possa vir a automatizar quase qualquer profissão no futuro, “são poucas as funções executivas nas empresas que realmente são repetitivas, a par do facto de os CEOs enfrentarem desafios únicos diariamente. Assim, penso que a função de um CEO será uma das últimas a ser substituída pela IA”, afirma.
Por outro lado, o CEO da IBM no Reino Unido afirma igualmente que o momento é indiscutivelmente mau para se pensar nesta hipótese, mesmo que longínqua. Como afirma relativamente à robot Mika acima mencionada, os líderes empresariais estão a tentar mostrar o seu lado mais humano e a criar organizações centradas nas pessoas preocupando-se mais com os diferentes stakeholders, internos e externos e seria um contra-senso “eleger” um humanóide dotado de inteligência artificial para liderar uma empresa. Mas e por outro lado, há quem pense no assunto a partir de um outro ângulo, como é o caso de Aaron Hutchinson, director-geral da agência criativa global Across the Pond, que afirma que apesar de ser pouco provável que a “moda” pegue, é uma boa forma de levar as peças a falar de inovação. “Seguir, explorar e conhecer os limites das tecnologias é uma óptima estratégia”, defende.
De qualquer das formas, continua a ser claro que a IA tem o potencial de resolver alguns dos maiores problemas do mundo laboral, seja acelerar processos, analisar massas de dados com facilidade e assinalar potenciais problemas antes de o nosso cérebro se aperceber deles. Ou seja, não existem dúvidas que pode e irá ter uma grande influência no ambiente de trabalho das empresas, empurrando a liderança numa nova direcção. Isto significa que as equipas de gestão serão as principais responsáveis pelo processo de adopção da IA, criando planos estratégicos para desenvolver objectivos e visões fortes sobre a forma como a IA irá melhorar a sua força de trabalho complmenetando-a com as características que são puramente “humanas”.
A IA não vai substituir os líderes, mas aqueles que não a usarem irão ser substituídos
Se pensarmos no acto de liderar e da utilização da tecnologia ao longo dos tempos, sabemos que na era moderna os líderes mais procurados eram aqueles que conseguiam gerir o uso das tecnologias enquanto “administradores” focados em criar as condições necessárias para que os seus trabalhadores pudessem retirar dela os maiores benefícios. Na era digital, o líder enquanto administrador é, na maioria das vezes, um executivo experiente que assume o papel e a responsabilidade de quem cria os sistemas, as estruturas e a formação dos trabalhadores para usar a tecnologia em benefício da empresa. E a verdade é que as empresas que não adoptarem sistemas inteligentes na sua estratégia e operacionalização serão deixadas para trás face às suas concorrentes que o fizerem. E se já está comprovado que uma das grandes vantagens da IA é a de libertar tempo para tarefas mais criativas, por exemplo, a ideia é que o líder crie as condições necessárias para que a sua força laboral use os seus conhecimentos e competências aproveitando esta “folga”..
A falta de tempo não é o motivo pelo qual os líderes possam ser maus com emoções e conversas difíceis. Por isso, em vez de perguntarem como utilizar a tecnologia para libertar tempo, os líderes que querem ter sucesso na era digital devem aceitar o seu tempo limitado como a característica especial que os torna humanos, e aos seus empregados, colegas e clientes. A melhor maneira de o fazer é prestar atenção ao equilíbrio entre a utilização da inteligência artificial para compensar, complementar e ultrapassar a nossa natureza limitada e a necessidade de nos lembrarmos sempre que temos de utilizar a nossa humanidade. Para praticar a arte de liderar, nunca é suficiente perguntar como podemos usar a tecnologia. Os líderes devem também perguntar o que é que a tecnologia nos impede de fazer, para que possamos dedicar o nosso tempo às coisas mais importantes. Ou e em suma, a liderança nunca poderá ser um produto da tecnologia, o que comprova que a tecnologia por si só não melhora a liderança.
Por outro lado, são várias as pesquisas que demonstram que a participação dos stakeholders e a criação de transparência no contexto da liderança são extremamente importantes, mas também que a adopção da IA implica uma mudança nos papéis exigidos aos líderes. Isto pode significar que podem ser necessárias mais qualificações para expandir as competências e, especialmente para os líderes e gestores, a tónica passará a ser colocada nesta nova e necessária capacitação.
Como é provável que a IA venha a substituir os elementos “técnicos” da liderança, incluindo a cognição necessária para processar factos, dados e informações concretas, é natural que este facto dê origem a uma procura de líderes que aperfeiçoem as suas competências interpessoais, algo que a IA não consegue igualar. Estas incluem os traços de personalidade, atitudes, valores e comportamentos que permitem aos indivíduos ajudar os outros a manter um objectivo ou a alcançar um propósito comum.
Apesar das preocupações com o facto de certos empregos se tornarem obsoletos, muitas funções futuras serão criadas pela quinta revolução industrial e pela digitalização do local de trabalho. Dado que já não restam dúvidas que muitas funções e profissões serão parcial ou completamente automatizadas, tal significa que os líderes empresariais precisarão de um conjunto de competências básicas: cognitivas, digitais, interpessoais e de auto liderança, incluindo auto consciência, autogestão e competências de empreendedorismo. E tal como afirma a professora de Liderança e Gestão da Arden University, Alison Watson, “com a IA, os desenvolvimentos tecnológicos e a automação a ajudarem o mercado de trabalho, os talentos que os trabalhadores trouxerem para a mesa têm de complementar os avanços digitais”. O mesmo se passa com os líderes.
Para o efeito, a implementação e a utilização da IA devem ser centradas no ser humano e, para isso, é necessária uma cultura de apoio e colaboração no local de trabalho – uma cultura que a liderança e a gestão são responsáveis por criar. Para tal, é vital desenvolver uma mentalidade holística. A tecnologia, entre muitas outras coisas, permitirá às empresas acolher uma equipa mais diversificada. Permitirá que os líderes se relacionem com pessoas de várias especialidades e sectores, o que lhes permitirá alargar os seus horizontes e informar continuamente a sua visão do mundo em desenvolvimento. Esta interacção ajudará a ajustar as suas perspectivas, permitir-lhes-á construir relações fortes e duradouras com os principais interessados e reforçará a compreensão das pessoas de várias culturas e origens, permitindo-lhes tornarem-se defensores acérrimos da diversidade e da flexibilidade.
Por conseguinte, os líderes do futuro (e do presente) devem ter um profundo conhecimento das pessoas e saber como as capacitar, obter o melhor das suas equipas e ter uma profunda inteligência emocional e social que lhes permita compreender e avaliar o impacto das decisões que tomam em todos os que os rodeiam.
Ou seja, desejos e preocupações que os robots não têm simplesmente porque não são… humanos.
Editora Executiva