POR SUSANA GARRETT PINTO
Sempre gostei de acompanhar as várias histórias de organizações que ensinavam e ajudavam as crianças mais desfavorecidas. Trabalhei até há três meses na minha área de formação, a Publicidade, e em Julho deste ano decidi arriscar numa mudança radical e trabalho agora numa diferente área e empresa. Sei que todo o meu percurso até agora me formou para algo de maior que pretendo fazer, e que todos os conhecimentos um dia serão úteis.
Confesso que muitas vezes sonhei dedicar a minha vida ao voluntariado e fundar uma organização não-governamental. O voluntariado, a Índia e a história de Gandhi sempre foram uma paixão. Talvez por isso tenha dedicado a minha primeira experiência como voluntária, em 2006, neste país. Fiz um projecto com enquadramento sócio-cultural com o objectivo de trabalhar como voluntária com crianças num orfanato em Bangalore, apresentei-o à Fundação Oriente e foi aprovado.
Já em 2012, voltei finalmente à Índia, e embora como turista, não consegui separar o lazer da missão, e antecipei a visita a uma ONG em Goa que trabalha com as crianças e famílias mais desfavorecidas, a El Shaddai Charitable Trust. Visitei alguns bairros de lata, visitei centros de dia para crianças, os escritórios e todos os orfanatos. De Portugal voluntariamente ajudei na angariação de padrinhos e no apoio a potenciais voluntários que quisessem ajudar a ONG.
[pull_quote_left]O Teach How to Fish é um projecto voluntário que, no seu arranque, ajuda crianças carenciadas e as suas famílias numa aldeia em Siem Reap, no Cambodja[/pull_quote_left]Sou parte de um todo e não consigo conceber que a ajuda tenha fronteiras, raças ou religiões. Sempre numa constante procura e interesse pelo voluntariado no mundo, em Março desde ano segui rumo a Siem Reap no Camboja, onde estive dez dias.
Foram dez dias que mudaram a minha vida, e que me fazem desde então trabalhar sempre apaixonadamente, para mudar a vida de todas as crianças pobres que estudam, gratuitamente, inglês e khmer, na escola Kindergarten Siem Reap, e das famílias da aldeia onde a mesma se situa. E assim, em Maio deste ano, nasceu o Projecto de Voluntários Teach How to Fish.
Em Siem Reap visitei orfanatos, aldeias e algumas escolas. Foi terrível ver crianças a trabalhar, e visitar orfanatos no Camboja é uma experiência a não repetir: são na maioria um negócio, onde as crianças são entregues muitas vezes pelos pais, em troca de pequenas quantias. Isto mantém as crianças desprotegidas, abandonadas e profundamente infelizes. Na aldeia de Chen Raom conheci duas meninas que fugiram de um orfanato em Tuek Vill e que actualmente ainda evitam partilhar os motivos e o que as atormenta desse passado. Como os orfanatos ganham dinheiro? Com as visitas e donativos de turistas e voluntários.
Fiquei profundamente sensibilizada com toda a pobreza extrema que vi e o negócio que senti existir à volta da pobreza, mas também pela beleza e pureza do permanente espírito de perdão, solidariedade, partilha e bondade. Falei com crianças, adultos e idosos, monges ou não, sempre com o máximo respeito, sem barreiras e com total confiança naquelas pessoas. O povo Cambojano deu-me todos os dias lições, aprendi com todos e continuo a aprender.
Mas estas forças são também as suas maiores fragilidades, e estou convicta de que a caridade está a mantê-los neste processo de pobreza e dependência de outros. Tudo o que vi, tudo o que senti, tudo o que ouvi…constituiu, de facto, a abertura do caminho para o projecto.
Dar brinquedos, pintar e cantar é, sem dúvida, muito divertido para as crianças e para nós, e resulta em fotografias maravilhosas, que trazem donativos de familiares e amigos, mas não é de todo o que elas necessitam para crescer e viver com dignidade. Tentei incluir desporto no meu trabalho como voluntária e consegui: dei bolas de futebol, redes e bolas de voleibol, joguei com as crianças e os adultos. Mas também isto não mudará as suas vidas.
[pull_quote_left]A pequena So representa para mim todas as crianças que, como ela, vivem na pobreza extrema. Temos de mudar a sua vida para além da dita caridade[/pull_quote_left]
Fiquei muito sensibilizada com uma menina muito pobre que vive na aldeia de Chen Raom, a pequena So. A So tem seis anos e três irmãos mais novos. Sempre discreta e de olhar triste, naquele dia observava a roda que formámos no Kindergarten Siem Reap. Segurei-a pela mão e levei-a até ao centro para que me ajudasse a mostrar aos outros meninos como podem manter alguns cuidados básicos de higiene. Quando terminámos na roda, limpei-lhes os pés, pernocas e o rosto, e a So seguia o perfumado toalhete com um pestanejar mais lento e um sorriso tímido. Depois tirámos uma fotografia juntas e vi-a sorrir de coração pela primeira vez. Aquele momento nunca mais saiu do meu coração.
Chegada ao hotel onde estava, não conseguia parar de pensar no que tinha acontecido e em como estaria aquela criança naquele momento. Como viveria? O que teria para comer? Porque estaria sempre tão triste? Tinha estado talvez duas horas com aquelas crianças naquele dia, voltei ao meu hotel para tomar o meu banho quente, ir jantar ao centro da cidade e depois regressar para dormir numa cama confortável. E percebi que de facto a caridade é isto, ajudamos num segundo, num momento. Damos é certo, mas recebemos sempre mais. E depois? O que sabemos de todos por quem passámos? Que diferença fizemos nas suas vidas?
Quando cheguei a Portugal tive momentos muito difíceis por não ter feito mais para ajudar a So a ter comida à mesa, acesso a educação.
Foi ai que pensei que a pequena So representaria para mim todas as crianças que como ela vivem na pobreza extrema, foi aqui que percebi que teria de fazer qualquer coisa de fundo para mudar a vida destas crianças para além da dita caridade. Na altura criei um grupo no facebook chamado Teach How to Fish, com o qual tencionava formar uma espécie de fórum onde discutiríamos ideias e faríamos um projecto. Convidei todos os cambojanos que tinham facebook e convidei-os a convidar os amigos. Com várias opiniões e ideias, facilmente percebi que precisaríamos de ajudar as famílias das crianças. Foi então que avançámos para a Página e Link de Apresentação que pretendemos que seja a primeira versão do projecto, feito por voluntários e para voluntários.
No âmbito desta causa, pago todas as despesas da minha viagem sozinha, desde avião, alojamento, transportes e alimentação. Todos os apoios que tenho por parte dos meus familiares e amigos (meus e do projecto) são 100% investidos nas crianças e nas suas famílias. Não enviamos nem recebemos bens para não pagarmos os absurdos custos de transporte. Suporto também os fees de moneygram de qualquer quantia que envie, sempre directamente para o fundador da escola e responsável do projecto no Camboja, o Sovann Touth.
O projecto exige dedicação total e muito trabalho no terreno. Temos que investir muito na formação e nos primeiros donativos no arranque, por exemplo na compra de terras, ferramentas de trabalho, sementes e animais. Vamos recuperar as casas onde vivem estas pessoas, normalmente feitas de folhas de palmeira e a maioria em estado muito frágil, e fazer alguns melhoramentos nas que já reconstruímos. Queremos dar aulas às crianças mas também aos mais velhos. Queremos arranjar voluntários para trabalharem junto das crianças e com os adultos, arranjar soluções para angariar donativos, soluções para os problemas da aldeia que vão surgindo. Vamos trabalhar permanentemente para encontrar as melhores parcerias, com organizações locais ou não, e com outros projectos que sejam idóneos e trabalhem com os mesmos princípios.
Todos podem ajudar o Teach How to Fish: através da partilha, como voluntários no local, dando ideias e sugestões que nos ajudem a melhorá-lo e promovendo eventos que nos permitam divulgar o projecto ou angariar donativos. Actualmente os donativos podem ser feitos através de transferência bancária ou no separador Donativos, na Página de Facebook do projecto. Com o valor angariado, compramos tudo o que conseguirmos em segunda mão, pedindo sempre orçamento e optando pela mão-de-obra de pessoas da aldeia sempre que possível. Documentamos o resultado final com fotografias, filmes e sorrisos.
A minha viagem de regresso está agendada para o início de 2016 e já comecei todos os preparativos. Conto com todos vocês, como a So contou comigo e como todas as 106 crianças e as suas famílias contam connosco. Temos muito trabalho pela frente, mas ainda bem, vamos com um propósito e uma missão: Ajudar e mudar as suas vidas! O sentido de tudo isto é dar, é distribuir com amor, ajudar todas as crianças! É sempre a dar que mais recebemos.
Fundadora 𝗧𝗘𝗔𝗖𝗛 𝗛𝗼𝘄 𝘁𝗼 𝗙𝗶𝘀𝗵 e 𝗯𝘆 𝗧𝗛𝗙 | Empreendedora Social