Os portugueses são, surpreendentemente, felizes
Considerando que o autor procurou não só analisar os valores “gerais” da sociedade, mas também o que estes significavam para a população portuguesa, no seu dia-a-dia, o nível de felicidade e de bem-estar foram igualmente levados em consideração no estudo em causa. E a conclusão pode causar surpresa: apesar do contexto de recessão e das dificuldades sentidas ao longo da última década, é possível afirmar que os portugueses consideram-se felizes.
O estado civil e o nível de rendimentos influenciam claramente este estado, tendo em conta que os indivíduos em relação conjugal se consideram mais felizes comparativamente aos viúvos e os divorciados. O nível de rendimentos revela-se tão interessante como preocupante, quando se percebe que os níveis de felicidade dos inquiridos com mais de 4000€ são os mais baixos da tabela, ao lado dos inquiridos do extremo oposto (com menos de 500€). A conclusão que o autor retira é a de que “se não fossem os mais ricos os menos solidários, tanto estes, como os pobres que estes ajudassem, seriam ambos mais felizes” e “Portugal poderia trazer o índice para níveis de felicidade plena na população”. Neste item em particular, os inquiridos que auferem valores entre os 2500 e os 4000€ lideram a tabela, logo seguidos dos inquiridos com rendimentos entre os 500 e os 750€.
O bem-estar e a felicidade estão também associados ao tempo livre dedicado à meditação, introspecção, contemplação ou oração, verificando-se que os inquiridos que mais felizes se sentem, são os que mais uso fazem destas práticas. Sobre este assunto, o autor questiona os valores que predominam na sociedade, bem como o papel das instituições sociais na transmissão, conservação e ruptura dos mesmos.
Uma proposta de Literacia Social
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Após a caracterização da população portuguesa, no geral, o autor procedeu a um estudo de caso com vista a uma proposta de literacia social, no concelho de Mafra. Neste estudo, participou uma escola de cada um dos agrupamentos do concelho, tendo sido convidados 72 professores de todas as escolas do concelho, todos os 19 coordenadores das escolas e as direcções dos quatro agrupamentos para responderem a um inquérito online; foram ainda inquiridos, presencialmente, 332 alunos de todas as escolas do concelho.
Além de aprenderem a ler e a escrever, os alunos consideraram que a escola é favorável na formação de “boas pessoas” e “bons cidadãos adultos”, sendo que os jovens entrevistados classificam estes dois termos como “ser educado, simpático, bem comportado, que não fala alto, que não gasta muito dinheiro…”.
A obediência à lei é, por estes alunos e na generalidade da comunidade inquirida, a característica cívica mais importante.
O Programa de Literacia Social, também denominado Programa LED, revelou uma série de benefícios “ao nível da aquisição e desenvolvimento de competências pessoais e interpessoais, registando-se uma mudança de atitudes e comportamentos em alguns alunos, principalmente nas turmas que trabalharam o programa de forma sistemática ao longo do ano lectivo em causa (2010/11)”. Os mesmos resultados positivos foram também sentidos por parte da comunidade docente, considerando que “os alunos ficam mais despertos para questões como respeitar, tolerar e aceitar a diferença, ajudarem-se e cooperarem uns com os outros em diversas tarefas, curriculares ou não”. É reconhecido, portanto, o impacto dos processos de Literacia Social ao nível das competências pessoais e interpessoais, estimulando melhores atitudes e reforçando o sucesso escolar.
Os professores revelam, no entanto, uma dificuldade em aplicar este programa e até em compreendê-lo no seu todo, considerando, muitas vezes, que não é sua função envolverem-se nele. A indisponibilidade e a falta de predisposição individual para actividades de voluntariado fora da escola revela-se como outro factor que dificulta a implementação do programa – verificando-se mais ao nível dos dirigentes do que dos próprios professores -, assumindo-se estes últimos como mais motivados para a implementação de projectos deste tipo e tendo em consideração a “crise de valores na nossa sociedade”. No cômputo geral, todos defendem que a Literacia Social deve ser implementada no horário lectivo, e mais de metade dos inquiridos defende que esta deverá ser integrada em certas disciplinas – os dirigentes consideram até que “o conceito está naturalmente introduzido nas escolas, ainda que de uma forma pouco estruturada e pouco evidente”.
Ou seja, há uma clara dificuldade em materializar e operacionalizar esta “disciplina”, visto que é “vasta, vaga, muito abrangente e pouco concreta”, afirmam.
Os dirigentes inquiridos defendem que os professores titulares das disciplinas devem ser os principais responsáveis para atingir resultados satisfatórios no âmbito deste tipo de programas, sendo os encarregados de educação os segundos apontados para o mesmo efeito.
O Programa LED propõe a integração da Literacia Social enquanto disciplina nos currículos vigentes. Verifica-se que, para os alunos, os professores são o principal meio pelo qual tiveram conhecimento deste programa. Já os professores e dirigentes tiveram acesso ao mesmo a partir das direcções dos agrupamentos e da Câmara Municipal. Os alunos são aqueles que menos percepcionam a frequência da implementação do programa, possivelmente porque já antes eram abordados temas de cidadania e já eram incutidos valores de forma mais implícita e sem recurso a um programa específico para o efeito.
A principal vantagem apontada pelos alunos no que respeita às actividades do LED é o facto de se divertirem e aprenderem ao mesmo tempo, de se sentirem melhores pessoas e de poderem dar uma opinião sobre os diversos temas. Consideram que aprendem “a ajudar e a respeitar os outros, a ser solidários, a partilhar, a ter bons pensamentos”, por exemplo.
Os dirigentes das escolas onde o programa foi implementado reconhecem a importância e adequação do programa ao seu público-alvo: “As propostas do LED são muito boas, o problema é que os professores estão muito sobrecarregados”.
Após a implementação do Programa nas escolas referidas, os alunos revelaram-se mais autoconfiantes, menos sozinhos e com uma melhor relação com os pais. É notório o reconhecimento, por parte destes, da importância das regras na escola, bem como do benefício, para os próprios, de participarem em grupos e clubes da escola, sem que isso signifique desperdício de tempo. Já os professores e dirigentes asseguram que as atitudes dos alunos face ao desempenho escolar e o respeito destes pela instituição escolar são muito positivos.
O desafio, após as conclusões do estudo, é que se eduque para os valores e para a felicidade, privilegiando-se a dimensão humana individual e relacional, em detrimento da dimensão materialista e vazia de valores éticos e morais.
A abordagem sugerida passa pela auto-reflexão, pela experiência (aprender, fazendo) e pela consciência individual, não descurando as capacidades de respeito, obediência e disciplina perante padrões morais, assentes e reflectidos em normas sociais e legislação formal.
Valores, Ética e Responsabilidade