Nos últimos 20 anos, mais de 450 voluntários ao serviço dos Leigos para o Desenvolvimento garantiram apoio educativo a mais de 3200 alunos imigrantes, fornecendo-lhes competências e qualificações para a sua integração escolar, social e profissional, e contribuindo para a sua entrada no mercado de trabalho nacional, ou nos países de origem. 2014 é o ano em que a ONGD celebra duas décadas da sua missão no nosso País, mas também um ano decisivo para a sua sustentabilidade financeira, “por via do lançamento de um futuro negócio social que possa garantir uma maior autonomia face a financiamentos externos”, essencial numa altura em que a crise global ameaça a cooperação para o desenvolvimento
POR GABRIELA COSTA

Os Leigos para o Desenvolvimento assinalam em 2014 duas décadas de actuação do Centro São Pedro Claver, projecto educativo de apoio à comunidade imigrante, que constitui a missão da ONGD em Portugal. Proporcionando explicações de nível secundário e superior e o ensino de português para não falantes, entre outras acções de educação formal e não-formal, como cursos de inglês e informática, orientação vocacional ou apoio psicológico, o Centro São Pedro Claver já acolheu mais de 3200 alunos, envolvendo o trabalho de mais de 450 voluntários, desde 1994.

O vigésimo aniversário deste Centro foi assinalado a 23 de Março na sua sede em Lisboa, o Centro Universitário Padre António Vieira (CUPAV), reunindo colaboradores e amigos que tornaram possível atingir uma média anual de cerca de 150 alunos (na sua maioria de nacionalidade angolana, guineense e santomense, mas também oriundos de Cabo Verde, Brasil, Ucrânia, Roménia, Índia e Paquistão, entre outros países), e 40 voluntários, cujo trabalho tem permitido “diminuir o desnível entre a formação adquirida pelos alunos nos seus países de origem e o sistema de ensino português”, segundo divulgou a organização.

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Missionários promovem comunidades autónomas
Fundados em 1986, os Leigos para o Desenvolvimento (LD) têm hoje projectos de Desenvolvimento em  Angola, Moçambique, Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Dedicada em especial à educação formal, não formal e informal, a associação dotada de personalidade jurídica canónica e civil, e reconhecida como uma ONGD, actua nas áreas da Dinamização e Organização Comunitária, Educação e Formação, Empreendedorismo e Empregabilidade, Capacitação de Agentes Locais, Promoção do Voluntariado e Pastoral.
Os voluntários são o cerne de todo o trabalho realizado pelos Leigos para o Desenvolvimento, permanecendo no terreno por períodos mínimos de um ano. O objectivo é privilegiar a relação, o conhecimento local e a simplicidade de meios, criando assim a possibilidade de auto-desenvolvimento das comunidades.

A missão é promover o desenvolvimento integral e integrado de pessoas e comunidades, em países em desenvolvimento e em Portugal, com vista à sua capacitação e autonomização, através do testemunho e da intervenção preferencial de voluntários missionários qualificados.

Segundo a organização, para além do tempo de missão, dos projectos e serviços desenvolvidos, os Leigos “são, para os seus voluntários, uma ‘escola’ de vivência intercultural, de respeito e valorização das diferentes culturas e de participação cívica”.

Na maioria jovens licenciados, estes voluntários têm incentivado, promovido e apoiado diversas iniciativas na área da educação formal e informal – área fundamental da cooperação para o desenvolvimento, para os LD -, como criação de escolas, bibliotecas, centros infantis e de apoio escolar, apoio à leccionação de aulas, cursos de alfabetização, cursos técnico-profissionais e promoção de actividades de tempos livres.

E porque “a formação tem uma interligação com outras áreas, como a saúde e o desenvolvimento comunitário”, várias são também as acções de capacitação dos vários agentes de desenvolvimento (professores, técnicos de saúde, líderes associativos, etc.), assim como de reforço institucional dos parceiros locais. Na área da Saúde, a ONGD apoia, através de médicos e enfermeiros, programas de combate à subnutrição e de vacinação de crianças, programas de medicina curativa nos postos de saúde e hospitais, e acções de educação para a saúde e de formação de técnicos locais.

No âmbito da Promoção Social, os Leigos para o Desenvolvimento já criaram e apoiaram diversas infra-estruturas (por vezes tão simples como a construção de tanques e canalizações de água), e promovem a agricultura de subsistência, a abertura de lojas comunitárias e actividades de micro crédito. A organização apoia ainda grupos desfavorecidos, nomeadamente através da integração familiar de “meninos de rua”, de cozinhas sociais para idosos e de programas de promoção da mulher.

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Benguela, Angola
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Menos cooperação ameaça desenvolvimento
De acordo com o seu Plano de Actividades para 2014, os Leigos para o Desenvolvimento continuam a ter activas seis missões, cinco em África – Uíge e Benguela (Angola), Porto Alegre e São Tomé (São Tomé e Príncipe), Cuamba (Moçambique) – e uma em Portugal – Lisboa.

Enquadrado no Plano Estratégico 2011-2015 (PE) que, após uma revisão em Maio de 3013, reflecte “o contínuo agravamento da situação de crise económica e financeira que penaliza de forma expressiva o sector da cooperação para o desenvolvimento”, o documento é traçado “num cenário de contenção” por comparação aos anos anteriores, e não equaciona, nos seguintes, o crescimento de missões, “enquanto não voltarem a existir condições favoráveis a um alargamento sustentável dessas potenciais novas missões”.

Assim, em 2014, e excluindo Portugal, estarão no terreno 16 voluntários missionários respondendo às principais prioridades de cada missão, o que corresponde a uma redução face a 2013, ano em que todas as missões sofreram a redução de um voluntário, à excepção do Uíge. Alguns projectos foram reorganizados ou reagrupados, outros que se encontravam numa fase inicial foram adiados e não se equaciona o lançamento de novos projectos, lê-se no Plano de Actividades 2014. Com 17 projectos em curso, este será “um ano de focalização e de consolidação, o que continuará a permitir um investimento em 80 técnicos e 300 voluntários locais”.

Resultando de “um abrandamento dos objectivos” definidos no Plano Estratégico 2011-2015, decorrente “das enormes exigências de sustentabilidade vividas nos últimos anos”, o actual plano representa “um grande desafio” face ao objectivo de manutenção do número de missões e de voluntários nos próximos anos. 2014 será pois, para os Leigos para o Desenvolvimento, um ano “extremamente relevante para o futuro da associação, já que se tomarão decisões importantes ao nível da sua sustentabilidade financeira por via do lançamento de um futuro negócio social, que proporcione a geração de receitas e possa garantir uma maior autonomia face a financiamentos externos”.

Tal como no terreno, os desafios são enormes ao nível do modelo de gestão sustentável da organização que, para vencê-los, continua a estruturar a sua acção em torno dos sete eixos estratégicos definidos no seu Plano Estratégico: Projectos e Áreas de Intervenção; Voluntários para o Desenvolvimento; Gestão e Funcionamento; Anciãos e Dinâmica Associativa; Angariação de Fundos e Sustentabilidade; Imagem e Comunicação Externa; e Parcerias e Boas Práticas.

O voluntariado missionário dos LD dirige-se a cristãos entre os 21 e os 40 anos de idade, licenciados ou com curso profissional, que frequentem a formação da organização para os seus voluntários, e tenham disponibilidade para partir, pelo menos durante um ano, em missão ao serviço do desenvolvimento.

A estes missionários, pede-se espírito de equipa, dedicação à causa e capacidade para viver com simplicidade durante a missão, e oferece-se acompanhamento permanente, suporte de despesas e acolhimento após o regresso.

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Filme de Aleksandar Miljailovic, realizador e aluno
do Centro São Pedro Claver em 2012/2013

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Igualdade de oportunidades constrói-se
No que respeita ao voluntariado nacional, ele pode ser praticado quer na sede dos Leigos para o Desenvolvimento, quer no Centro São Pedro Claver. Os ‘candidatos’ deverão ter, no mínimo, frequência universitária, solicitando-se gosto pelo ensino e disponibilidade semanal para colaborar com os Leigos, por exemplo através do acompanhamento dos alunos imigrantes não só a nível escolar, através das explicações, mas também ao nível da sua formação cívica.

Nos últimos vinte anos, mais de 450 voluntários que acreditaram na premissa dos LD – contribuir para a construção de uma sociedade mais tolerante e solidária – permitiram que mais de 3200 alunos imigrantes, ou descendentes de imigrantes, “alcançassem, com sucesso, os seus objectivos escolares”. Para a organização, este número expressa “um compromisso claro com o acolhimento e apoio a estudantes oriundos de outras culturas, contribuindo para que haja igualdade de oportunidades e uma integração mais digna”.

Em comunicado de imprensa, a ONGD sublinha que “actualmente, e adaptando-nos à nova realidade, o Centro apoia todos os imigrantes que necessitem de apoio nos diferentes níveis de ensino”.

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A educação e a formação para a igualdade de oportunidades são a aposta chave do Centro São Pedro Claver, e as suas grandes ferramentas para a inclusão de imigrantes em Portugal. Fornecendo-lhes competências e qualificações, o apoio escolar extensível do 9º ano de escolaridade até ao ensino superior (e complementado, entre outros, por cursos de Português para Estrangeiros), vem sendo garantido, desde o nascimento do Centro São Pedro Claver, por um número crescente de voluntários, entre alunos universitários, professores, empresários e profissionais reformados. Pessoas que se comprometem “a ajudar na transformação social para construir um país melhor”, ajudando estes imigrantes a prosseguirem os seus estudos, evitando a sua exclusão social através de uma estrutura que facilita a integração escolar, social e profissional deste grupo, contribuindo para a sua futura entrada no mundo do trabalho, em Portugal ou nos países de origem.

Actualmente, para além da coordenadora, Paula Ferrinho,o Centro dispõe de um corpo docente composto por professores destacados pelo Ministério da Educação e dezenas de professores voluntários. Mais de uma centena e meia de alunos frequentam anualmente explicações de várias disciplinas, bem como cursos intensivos de português, inglês e informática, entre outros. Estes imigrantes e descendentes de migrantes recebem ainda orientação vocacional e apoio psicológico.

Curiosamente, dos 3200 alunos que já frequentaram este Centro, vários são hoje professores voluntários. Tendo passado pelo mesmo tipo de dificuldades “podem, melhor que ninguém, perceber e ajudar imigrantes como eles”, concluem os Leigos para o Desenvolvimento.
Em entrevista ao VER, Paula Ferrinho explica como “os voluntários são o grande pilar deste projecto”.

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Paula Ferrinho, coordenadora
do Centro São Pedro Claver
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Que balanço faz dos 20 anos de actuação do Centro São Pedro Claver ao nível dos resultados obtidos com a capacitação da comunidade imigrante em Portugal, através de acções de educação como o ensino de português para estrangeiros ou explicações de nível secundário e superior?
Claramente um balanço bastante positivo. Muitos dos alunos concluíram o 12º ano e ingressaram no ensino superior encontrando-se hoje integrados no mercado de trabalho, quer em Portugal quer nos seus países de origem. Em relação ao ensino do português para não falantes, todos sabemos que um dos maiores problemas dos imigrantes é o desconhecimento da língua do país de acolhimento, por isso o seu domínio é um factor determinante para a integração dos mesmos, sendo também positivos os resultados deste curso.

Pelo Centro passaram já mais de 3200 alunos, na sua maioria dos PALOP. Quais são as principais nacionalidades de origem destes jovens, e que percepção tem do percurso socioprofissional destes alunos depois do apoio que receberam?
As principais nacionalidades dos nossos alunos dos PALOP são angolana, guineense e santomense, havendo ainda um grupo relevante de alunos que frequentam o Centro de origem ucraniana, indiana e paquistanesa, entre outras. Não sendo possível acompanhar o percurso socioprofissional de todos aqueles que apoiamos, podemos afirmar que alguns destes, que mantêm contacto com o Centro devido a fortes laços de amizade que se criaram, estão inseridos profissionalmente nas suas áreas de estudo.

Que relevância assume o voluntariado para este projecto, atendendo a que os professores são voluntários, e como comenta o facto de diversos alunos serem hoje professores no vosso Centro?
Os voluntários são quem garante as explicações dos alunos. É com grande dedicação e profissionalismo que dedicam parte do seu tempo a ensinar aqueles que nos procuram. Os voluntários são, portanto, o grande pilar deste projecto. Por outro lado, também temos antigos alunos que se tornaram voluntários no Centro, confirmando assim a importância que este Centro teve na sua vida.

No difícil contexto socioeconómico, quais são as prioridades ao nível da vossa actuação para 2014?
O Centro continuará a apostar na inclusão social promovendo o apoio escolar através das explicações (do 9º ano até à universidade), dos Cursos de Português para Estrangeiros e outras formações não formais (por exemplo cursos de inglês, de informática e sessões de esclarecimento sobre temas de interesse do público-alvo), com a qualidade e exigência que tem sido seu apanágio ao longo destes 20 anos.

Princípios para o desenvolvimento local e participativo

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Jogos tradicionais – São Tomé e Príncipe

Os Leigos para o Desenvolvimento traduzem os seus valores em princípios de natureza estratégica e metodológica que caracterizam a sua intervenção ao abrigo do conceito de desenvolvimento local e participativo.

. Abordagem de Base Territorial – a intervenção dos LD deve tomar em conta a especificidade do território e da comunidade numa abordagem de proximidade, valorizando aspectos como identidade comum, solidariedade na acção e coesão social.

. Perspectiva Integrada – os Leigos para o Desenvolvimento assumem a pessoa, os grupos e os territórios na sua complexidade, procurando relativizar a visão sectorial e valorizar a abordagem holística.

. Trabalho em Parceria – os Leigos para o Desenvolvimento devem privilegiar uma actuação de forma conjunta, partilhada e em rede, tendo por base estratégias colaborativas e de cooperação.

. Participação – para capacitar e promover autonomias, os Leigos para o Desenvolvimento comprometem-se a fomentar a participação como um exercício de cidadania e um processo de activação e interacção de capacidades e oportunidades.

. Mobilização de Capacidades e Recursos Endógenos – para quebrar ciclos de dependência, de baixa auto-estima e de impacto ambiental, os LD procuram valorizar a opção por recursos locais e fomentar a criatividade e a inovação.

. Sustentabilidade – os Leigos para o Desenvolvimento implementam projectos e respostas sociais/educativas procurando desde o início definir uma estratégia de viabilidade financeira, técnica, ambiental, procedimental e de coordenação.

. Abordagem de Longo Prazo – por se procurarem mudanças sociais, a intervenção dos Leigos para o Desenvolvimento deve ser equacionada com o tempo de intervenção necessário à capacitação dos actores locais, tentando ser independente dos ciclos irregulares de financiamento e do ritmo de rotação dos agentes de desenvolvimento.

. Cultura de Avaliação – para aferir resultados, impactos e a qualidade da intervenção, os Leigos para o Desenvolvimento consideram central a monitorização e avaliação on going, com recurso à auto-avaliação, avaliação interna e externa.

. Metodologia de Investigação/Acção – a forma de abordagem dos Leigos para o Desenvolvimento combina a acção e a reflexão crítica, procurando retirar aprendizagens a partir dos processos, dos sucessos e dos erros e sistematizando experiências com vista à produção e disseminação de conhecimento.

Jornalista