O fenómeno não é novo, mas está cada vez mais no centro de debate em muitos países do mundo, Portugal incluído: podem os telemóveis ser um instrumento pedagógico ou um factor de perturbação nas salas de aula? Com benefícios e desvantagens na balança, não se chega a consenso algum. Pais, professores, investigadores e uma parte significativa da sociedade continuam sem saber o que responder à pergunta
POR HELENA OLIVEIRA

Há já um tempo considerável que o tema tem feito correr muita tinta: a utilização excessiva dos jovens no que respeita à Internet e, em particular, às redes sociais e aos males já comprovados daí decorrentes. Especialistas de várias áreas apontam várias desvantagens potenciais, nomeadamente o impacto na saúde mental, na auto-estima, nas competências sociais e no desempenho académico:

  • A exposição constante a imagens idealizadas e com curadoria da vida dos outros pode levar a sentimentos de inadequação, ansiedade e depressão. O cyberbullying também é predominante, com muitos jovens a sofrerem assédio online;
  • As plataformas de redes sociais foram concebidas para serem viciantes, o que leva os jovens a passarem demasiado tempo nelas mergulhados, o que pode interferir com o sono, com as interacções na vida real e nas responsabilidades diárias;
  • A pressão para apresentar uma imagem online perfeita, bem como a comparação com os outros, pode resultar numa baixa auto-estima. Os “gostos” e os comentários servem muitas vezes de validação, o que pode afectar a forma como os jovens se valorizam;
  • Muitos jovens utilizadores não estão totalmente conscientes das definições de privacidade ou do impacto a longo prazo da partilha de informações pessoais online, o que pode levar à utilização indevida de dados, roubo de identidade ou exploração;
  • A dependência excessiva da tecnologia pode enfraquecer as competências sociais face a face, levando a dificuldades na formação de relações profundas e significativas.
  • A utilização excessiva das redes sociais pode levar à procrastinação e a distracções, afectando negativamente o desempenho académico, podendo também reduzir o tempo gasto em actividades produtivas, como a leitura ou o exercício físico.

Em princípio, todos nós reconhecemos estes perigos, mas o cenário em que olhamos para crianças e jovens em diferentes contextos totalmente absortos pelo que se passa nos seus telemóveis é cada vez mais frequente.

As plataformas de redes sociais, os jogos de vídeo e até as notificações por correio eletrónico podem criar ciclos de feedback movidos a dopamina. Quando os utilizadores recebem gostos, comentários ou qualquer forma de reforço positivo através destas plataformas, é desencadeada a libertação de dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer. Isto pode fazer com que os utilizadores consultem repetidamente estas plataformas para voltarem a sentir essa sensação de prazer, o que pode levar a comportamentos viciantes.

A juntar a todas estas preocupações está o tema da utilização dos telemóveis na escola que, apesar de não ser novo, é cada vez mais actual e tem levado a um conjunto de debates e opiniões na esfera pública.

Em Portugal, o movimento “Menos Ecrãs, Mais Vida” defendeu a proibição dos telemóveis nas escolas e o fim imediato dos manuais escolares digitais, e num alargado número de países como França, Noruega, Holanda, Grécia, Bélgica, Hungria, Eslováquia, muitos estados nos EUA, entre outros, aprovaram a lei que proíbe os dispositivos móveis em contexto escolar. Por cá e em inicio do ano escolar, e embora não seja uma medida vinculativa, o Governo aconselha igualmente a todos os estabelecimentos de ensino dos dois primeiros ciclos do básico que proíbam a utilização dos smartphones não só nas salas de aula, mas também nos recreios.

Todavia, o assunto é indubitavelmente fracturante. Por exemplo, um vasto relatório da UNESCO, publicado no ano passado, mostra o impacto negativo dos telemóveis no desempenho académico. Um outro estudo concluiu que os estudantes podem demorar cerca de 20 minutos a concentrarem-se depois de receberem uma notificação – sendo que um adolescente recebe, em média, cerca de 250 – uma a cada quatro minutos – por dia. Mas existem igualmente muitos defensores da sua manutenção nas mãos dos estudantes pois facilitam a aprendizagem através da tecnologia. Ou seja, as escolas devem ensinar a aprender com a tecnologia a seu favor e não contra ela. Como afirma Manos Antoninis, director da Monitorização Global da Educação da UNESCO, “temos de ensinar as crianças a viver com e sem tecnologia; a retirar o que precisam da abundância de informação, mas a ignorar o que não é necessário”. Fácil de dizer, mas muito difícil de pôr em prática.

Mas afinal os telemóveis podem ser um instrumento pedagógico ou um factor de perturbação nas salas de aula? E o que dizer da proibição em todo o circuito escolar para evitar a sua utilização quase generalizada nos intervalos, no refeitório, ou seja, em todos os tempos mortos, contribuindo para a não socialização face a face e outros problemas acima enunciados? E, para complicar ainda mais, a atitude inversa, ou seja, escolas que proibiam a utilização de telemóveis nas salas de aula e que estão agora a mudar de opinião. Não existe propriamente um certo ou um errado, mas uma crescente zona cinzenta difícil de definir.

Vejamos os prós e os contras do fenómeno.

As principais vantagens

Uma das principais vantagens da integração dos telemóveis é a melhoria da comunicação. Com os telemóveis, os alunos podem colaborar facilmente com os colegas e professores, quer seja através de aplicações de mensagens, chats de grupo ou plataformas de videoconferência. Isto abre um novo campo de possibilidades para debates, colaborações em projectos e experiências de sala de aula virtual.

Por outro lado, nas salas de aula tradicionais, os alunos podem hesitar em falar ou fazer perguntas em frente dos colegas. No entanto, com a utilização dos dispositivos móveis, os alunos podem agora fazer perguntas ou pedir esclarecimentos de forma anónima, reduzindo o receio de julgamento. Isto promove um ambiente de aprendizagem mais inclusivo e solidário, onde os alunos se sentem à vontade para expressar os seus pensamentos e ideias.

Outra vantagem da integração dos telemóveis nas escolas é o acesso a uma vasta gama de recursos educativos. Com os smartphones, os alunos podem aceder a bibliotecas online, a bases de dados de investigação e a aplicações educativas que proporcionam experiências de aprendizagem interactivas. Isto não só torna a aprendizagem mais cativante, como também permite que os alunos assumam o controlo do seu próprio percurso de aprendizagem.

Além disso, a integração do telemóvel permite que os alunos acedam a informações e actualizações em tempo real. Podem manter-se actualizados sobre os acontecimentos actuais, as descobertas científicas e as questões globais, promovendo uma compreensão mais profunda do mundo que os rodeia. Este acesso a informações do mundo real ajuda os alunos a relacionar a sua aprendizagem na sala de aula com aplicações práticas, tornando a educação mais relevante e significativa.

Um dos desafios que os educadores enfrentam é manter os alunos empenhados e motivados na sala de aula. A integração dos telemóveis pode ajudar a resolver este problema, incorporando a tecnologia no processo de aprendizagem. Tirando partido das caraterísticas e funcionalidades dos telemóveis, os educadores podem criar experiências de aprendizagem interactivas e envolventes que captem a atenção e o interesse dos alunos.

E é claro que, em caso de emergência, os telemóveis permitem aos alunos pedir ajuda imediatamente. Funcionam como uma linha direta para os pais e as autoridades, garantindo que possam comunicar o seu paradeiro e o seu estado de segurança.

As principais desvantagens

Talvez a desvantagem mais significativa seja a distração que os telemóveis podem causar. As redes sociais, os jogos e as mensagens podem desviar a atenção das actividades educativas, levando a uma diminuição da concentração e da produtividade.

Por outro lado, a utilização de smartphones durante longos períodos de tempo pode ter um impacto significativo no cérebro dos jovens. As investigações sugerem que a utilização excessiva do smartphone pode afetar a capacidade do cérebro para se concentrar. Os cérebros jovens precisam de um certo período de tempo para se concentrarem depois de estarem ocupados com um smartphone, o que pode ter consequências na sua capacidade de atenção e nas suas capacidades cognitivas.

O anonimato e o alcance dos telemóveis podem exacerbar o bullying. As mensagens e imagens ofensivas podem espalhar-se rapidamente, causando sofrimento emocional e afectando o ambiente escolar.

O cyberbullying envolve a utilização da tecnologia para assediar, intimidar ou espalhar rumores sobre os outros. Pode ocorrer através das redes sociais, mensagens de texto ou plataformas online. O impacto do cyberbullying pode ser devastador, levando a perturbações emocionais, baixa autoestima e até depressão. As escolas têm a responsabilidade de abordar e prevenir o cyberbullying, educando os alunos sobre as suas consequências e promovendo um ambiente online seguro e respeitoso.

Por outro lado, os telemóveis facilitam a batota dos alunos. O acesso à Internet durante os exames ou a possibilidade de partilhar respostas pode comprometer a integridade das avaliações académicas.

Com câmaras e capacidades de gravação, os telemóveis podem invadir a privacidade. Fotografias ou vídeos não autorizados de alunos e professores podem levar a situações incómodas e a potenciais problemas legais.

A utilização prolongada de telemóveis pode provocar problemas de saúde, como cansaço visual, má postura e perturbações do sono. A luz azul emitida pelos ecrãs pode perturbar os padrões de sono, afectando a atenção e o desempenho escolar dos alunos.

Em suma, para aproveitar os benefícios e atenuar malefícios, a maioria das escolas está a implementar políticas que regulam a utilização do telemóvel. Estas incluem horários e áreas designadas para a sua utilização, regras rigorosas contra a batota e o bullying e programas educativos sobre cidadania digital.

É verdade que a utilização dos telemóveis nas escolas representa uma espécie de enigma moderno, oferecendo tanto benefícios significativos como graves desvantagens. À medida que a educação continua a evoluir com a tecnologia, é fundamental que as escolas, os pais e os alunos percorram este terreno com ponderação, garantindo que os aspectos positivos superam os negativos na procura da excelência académica e do crescimento pessoal.

Imagem: © GEORGE PAGAN III/Unsplash.com

Editora Executiva

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