Ultrapassámos a fase do ‘não fazer danos significativos’ (do no significant harm), o nome do jogo agora é outro: restaurar, recuperar, regenerar. E este jogo é bem menos perigoso do que aquele que insistimos em defender a qualquer custo. É chegada a altura de passar do ‘business as usual’ para o ‘business as Natural’, e quem o são os gestores, economistas e financeiros, que finalmente se juntam a ecólogos, cientistas e eco-empreendedores que reconhecem a necessidade de um novo modelo socioeconómico de progresso, equilíbrio e esperança
POR NUNO GASPAR DE OLIVEIRA

1915. A Grande Guerra. De Galipolli a Riga agitam-se bandeiras de forças ocupantes e ouvem-se os gritos de desespero dos ocupados. O mundo agita-se entre voos de zepelins, rajadas de metralhadoras e trincheiras intoxicadas por gás mostarda. Em Portugal, a Primeira República passava por complicadas dores de crescimento no meio da troca de tiros entre a Carbonária e uma espécie de ditador-da-segunda-divisão, foi Castro contra Castro. Ganhou o Castro e seguiu-se mais uma junta constitucional e castrava-se a jovem república que não passaria de 1926. Do outro lado do Atlântico as coisas estavam bem mais interessantes e fazia-se história que iria marcar o século XX: a fundação do Parque Nacional das Montanhas Rochosas torna-se um marco internacional da conservação da Natureza, é criada a National Advisory Committee for Aeronautics – NACA, que mais tarde se tornou a NASA, e o Presidente Wilson apontava ao Haiti e dava início a uma longa tradição americana de assassinar um presidente de outro país e instalar um governo mais ‘cool’.

No meio de tudo isto, Robert Frost, um semi-desconhecido professor-poeta ‘quarentão’ com uma dúzia de poemas publicados em revistas semi-conhecidas decidia sair da sufocante Boston para se tornar agricultor-poeta nas saias rurais de New Hampshire. Talvez tenha sido essa sua coragem, espírito de aventura ou simplesmente cansaço da humanidade que o levou a escrever um dos poemas mais icónicos do gótico-rural americano. Nos últimos 3 versos deste poema, Frost escreveu:

“Two roads diverged in a wood, and I—

I took the one less traveled by,

And that has made all the difference.”

Uma escolha curiosa, perante dois caminhos possíveis e desconhecidos, o poeta escolheu o menos usado e isso terá feito toda a diferença. E a pergunta que me coloco, derivada de uma qualquer crise existencialista de ‘quarentão’ que sou, por certo, porquê o caminho menos usado? Terá sido a vertigem pelo abismo, ou um episódio de arrogância de ser mortal ou pelo fascínio do que há para além do véu de folhas e ramos da floresta? Frost não deixou mais nada sobre esse caminho, simplesmente fez-se à estrada e seguiu rumo a outros poemas. Tivemos de esperar até aos anos 70 e viajar de volta ao velho mundo, para aparecer alguém que nos ajudasse a perceber esta peculiar, quiçá bizarra, escolha pelo caminho menos viajado.

Reginald Kenneth Dwight nasceu em 1947 com uma enorme queda para a música e depressa mostraria os seus talentos ao mundo, mas não com este nome que não inspira ninguém a levantar-se do sofá. Pelos 21 anos, optou por uma maioridade com um novo nome, nascia assim Elton John, que tomava o mundo de assalto com a ‘sua canção’ (Your Song), escrita pelo prolífico Bernie Taupin. E seria precisamente esta dupla que iria descodificar a escolha pouco ortodoxa de Robert Frost. Em outubro de 1973 John e Taupin lançariam aquela que muitos consideram a sua Opus Magna, o álbum “Goodbye Yellow Brick Road”, que incluía um tema com o mesmo nome. E nesse tema, podemos ouvir as seguintes linhas:

“So goodbye yellow brick road

Where the dogs of society howl

You can’t plant me in your penthouse

I’m going back to my plough

Back to the howling old owl in the woods

Hunting the horny back toad

Oh, I’ve finally decided my future lies

Beyond the yellow brick road”

Seguindo-se vários ahhhh ahh ahhhs e etc. Então era isso! Uma espécie de grito punk-rural de quem quer sair do carrossel de uma sociedade dourada e voltar à simplicidade da vida simples, com corujas, sapos e arados. O futuro não passa por uma estrada de ouro rumo a nenhures, mas sim de volta a um campo em lado nenhum. Estava resolvido o mistério. Ou não? Bem, se calhar ainda temos de caminhar mais um bocadinho. Então, venham dai comigo, o Bob e o John dar uma volta.

2023. A Grade Confusão. Seguimos diretos da pandemia e do lockdown global para mais uma guerra injustificável às portas da Europa, a inflação debilitante, as alterações climáticas que se agravam, a degradação das democracias liberais ocidentais com a ascensão do populismo e a destruição da Natureza como ferramenta de crescimento económico. Seria de esperar que pouca ou nenhuma esperança nos restasse e que o caminho fosse só um. Mas, se há coisa que nunca me deixou de surpreender foi a surpreendente capacidade de, algures neste mundo, alguém mostra que, para além da escuridão de um bosque cerrado há sempre uma nesga de luz que nos pode levar a outro caminho, bem menos viajado, mas muito mais aliciante.

Mas, o mais curioso, nem é o caminho, mas sim os caminhantes. Para além do Frost e do Elton, neste caminho encontrei pioneiros inesperados, ou pelo menos, para os menos atentos a estas deambulações. Seria de esperar que estivesse cheio de biólogos, agricultores e poetas, mas não só, está repleto de economistas, gestores e financeiros! São estes que tem puxado mais por uma agenda política e societal que valorize a Natureza, quer a biodiversidade como os serviços ecológicos que derivam do bom funcionamento dos ecossistemas, como a regulação de cheias e secas, adaptação climática, sequestro de carbono, salvaguarda das espécies raras e ameaçadas, polinização e controlo natural de pragas e fascinante património e paisagens naturais. Tudo isto, e muito mais, geram uma enorme riqueza para a sociedade atual e futura e é precisamente a essa riqueza que temos atribuído um valor financeiro zero ou negativo!

Como diria Edward Wilson, um dos mais proeminentes ecólogos da história contemporânea, destruir a floresta tropical para criar gado ou fazer papel é tão lógico como queimar um quadro renascentista na lareira para aquecer a sala. No entanto, existem referenciais aceites por toda a sociedade para determinar o valor da Mona Lisa de Da Vinci, mas continuamos sem referenciais estabelecidos para determinar o valor de uma floresta numa bacia hidrográfica a fixar solo, mitigar incêndios e a purificar água, ou da diversidade de centenas de espécies de abelhas e vespas silvestres que existem nos campos portugueses e que sustentam milhões de euros em produção agrícola, seja ela tradicional ou industrial.

E é aqui que as coisas podem mudar, um despertar de consciência de que, simplesmente causar poucos danos, destruir só um pouco, ou lançar menos toneladas de gases com efeito de estufa para a atmosfera já não chega – nem de perto, nem de longe – para seguirmos pelo caminho do progresso. É como se entrássemos numa casa ‘do avesso’, insalubre e com ar pesado e disséssemos “bem, agora é ver se não fazemos pior”. Até o mais conformista diria que “Epah, se calhar temos que dar uma arrumadela a isto, que assim não se consegue viver”.

Ultrapassámos a fase do ‘não fazer danos significativos’ (do no significant harm), o nome do jogo agora é outro: restaurar, recuperar, regenerar. E este jogo é bem menos perigoso do que aquele que insistimos em defender a qualquer custo, é chegada a altura de passar do ‘business as usual’ para o ‘business as Natural’, e quem o diz são os tais gestores, economistas e financeiros, que finalmente se juntam a ecólogos, cientistas e eco-empreendedores que reconhecem a necessidade de um novo modelo socioeconómico de progresso, equilíbrio e esperança. A este modelo chamamos de ‘caminho Nature Positive’. E não deixa de ser um modelo capitalista focado na retribuição aos acionistas, só que vai para além do capital financeiro e aposta na multiplicação do capital natural e social e define os ‘acionistas’ como todos aqueles, dentro e fora da empresa, assim como a sociedade que torna a empresa legítima e cria condições para esta exista e possa progredir.

Neste caminho, fica claro que há tanto ou mais dinheiro a ganhar no restauro da Natureza como na sua destruição. Mais do que nunca, a escolha dos estados, empresas e investidores é uma questão ética, e não financeira. Não é um caminho fácil, mas é o caminho fazível, como muitas empresas já o sabem, onde, de vez em quando se hesita, tropeça ou se procuram indicações. Mas é para isso que aqui estamos, para ajudar, passos a passo, pois como diziam os antigos da era clássica: “ad astra per aspera”, o caminho para as estrelas é duro, mas as recompensas são enormes. O tempo chegou. Não se limitem a ver passar os rodapés das notícias entre lamentos, levantem-se e caminhem connosco, pelos bosques e até às estrelas.

Imagem: © Qingbao Mengideasboom

Biólogo e CEO da NBI – Natural Business Intelligence