Ao contrário do que a maioria das pessoas acredita, a confiança não é uma qualidade ou uma virtude que se tem ou não; pelo contrário, a confiança é um activo pragmático, tangível e accionável, que se pode criar e desenvolver, e manter, como uma “cola”, uma organização unida. Com o turbilhão que afectou as empresas nos últimos dois anos, são muitas as que se esqueceram do valor sem preço da confiança. E está na altura de a reencontrar e/ou restaurar. Para bem de todos
POR HELENA OLIVEIRA
“Um bom líder inspira as pessoas a terem confiança no líder; um grande líder inspira as pessoas a terem confiança em si próprias”
Eleanor Roosevelt
É difícil quantificar exactamente quão importante é a confiança para uma empresa. Para os líderes, a falta de confiança poderá transformar-se no seu maior custo. E, como sabemos, podem ser necessários anos para um gestor ou um executivo gerarem confiança nos seus empregados, mas apenas momentos para a perder. Sem confiança, as transacções não podem ocorrer, a influência é destruída, os líderes podem perder trabalhadores ou equipas inteiras, os vendedores podem perder clientes, os trabalhadores podem abandonar as empresas em que trabalham… E a lista poderia continuar.
O problema é que este valor intrínseco a uma boa gestão nem sempre é devidamente cultivado, o mesmo acontecendo com as relações que são construídas no interior das empresas, as quais e muito mais do que o lucro, constituem a mais valiosa moeda de troca no mundo dos negócios. A confiança torna os relacionamentos existentes mais produtivos e eficientes, abre portas a novas afinidades e oportunidades, estimula a lealdade e o respeito, e fomenta a inovação e a colaboração. Em suma, mais do que qualquer outro activo, a confiança é a chave para o sucesso de qualquer empresa ou organização.
Por outro lado, a confiança é o resultado natural de milhares de pequenas acções, palavras, pensamentos e intenções. A confiança não acontece de uma só vez: ganhar confiança requer trabalho e dedicação. No entanto, e apesar da importância crescente da confiança no mundo empresarial de hoje, são poucos os líderes a darem-lhe a atenção que merece. Adicionalmente, e com o clima laboral a sofrer uma das maiores revoluções de sempre, a confiança traduz-se, neste momento, como a melhor “cola” para atrair e reter trabalhadores e deve ser continuamente trabalhada e alimentada.
Tem sido a este tema em particular que Stephen M. R. Covey [filho do aclamado autor do best-seller The 7 Habits of Highly Effective People: Powerful Lessons in Personal Change] tem dedicado a sua vida de trabalho numa tentativa de compreender a importância da confiança na liderança e nas organizações. A sua pesquisa foi já traduzida em dois livros recordistas de vendas – The Speed of Trust e Smart Trust e, mais recentemente conta com uma nova obra intitulada Trust and Inspire: How Truly Great Leaders Unleash Greatness in Others.
Como afirma o próprio autor, estamos a viver novamente uma crise de liderança, em particular devido ao facto de o nosso mundo ter-se alterado drasticamente, o mesmo não acontecendo, na maioria dos casos, com os estilos de liderança vigentes, os quais deveriam adaptar-se a esta mutabilidade constante e contínua. A maioria das organizações continua a operar a partir de um modelo de “comando e controlo”, centrado nas hierarquias e no cumprimento “cego” das ordens vindas “de cima” por parte dos trabalhadores. Mas devido exactamente a esta natureza mutável do mundo, da força laboral, do próprio trabalho e das escolhas que passámos a ter relativamente ao “onde e como” desejamos trabalhar e viver, esta forma de liderança está drasticamente ultrapassada.
Assim e no seu mais recente livro, Covey propõe uma mudança que, a seu ver, poderá servir como antídoto para mais uma crise, com contornos distintos das anteriores, que se vive no ambiente empresarial: passar deste modelo de “comando e controlo” [o qual, na verdade, há muito é contestado] p ara um estilo de liderança de “confiança e inspiração” na medida em que as pessoas não querem ser geridas, antes lideradas. Esta junção entre confiança e inspiração tem como base a ideia de que as pessoas são criativas, colaborativas e cheias de potencial e que, com este tipo de liderança, serão inspiradas a tornar-se a melhor versão de si próprias, aumentando por isso a satisfação pelo trabalho que fazem e, consequentemente, a produtividade.
Como comenta a professora da Harvard Business School, Amy Edmondson, Covey oferece a solução para o futuro do trabalho, onde a dispersão da força laboral será a norma e em que a confiança será determinante para gerir adequadamente novos modelos laborais, culturas distintas, personalidades diferentes, várias gerações a trabalhar conjuntamente, bem como a proliferação de uma panóplia de novas tecnologias. Amy Edmondson é igualmente autora do livro The Fearless Organization: Creating Psychological Safety in the Workplace for Learning, Innovation, and Growth, no qual defende que “as pessoas não devem ter medo de exprimir pensamentos inacabados, fazer perguntas ‘fora da caixa’ ou um brainstorming em voz alta”, sendo necessário criar-se uma cultura na qual pequenos erros ou lapsos momentâneos possam ser “confessados” e corrigidos sem existir receio de punições. E isso só é possível em ambientes em que a confiança impera e onde é possível tentar e falhar, elegendo-se em simultâneo a aprendizagem contínua, características essenciais para as empresas inovarem e adaptarem-se à mudança.
Apesar de não constituir uma novidade, a confiança torna-se cada vez mais importante no universo empresarial da actualidade, no qual a mudança e a disrupção são constantes e onde ninguém tem a resposta para tudo. Desta forma, os líderes precisam de confiar nos seus trabalhadores, mas também estes necessitam, e muito, de saber que podem confiar naqueles que os lideram.
Como escreve Covey no seu livro, “a fórmula com mais impacto para atrair talentos é através desta cultura de confiança e inspiração, na medida em que as pessoas são atraídas, como um íman, para ambientes que prezam a confiança e a liberdade (…) e inspiradas por um sentimento de propósito, significado e contribuição, e nos quais o seu potencial é reconhecido, comunicado, desenvolvido e ‘libertado’”.
Complementarmente, uma pesquisa realizada pelo Great Place to Work Institute valida a crença de Covey, em particular pelos Millennials, os quais afirmam ter 22 vezes mais de probabilidades de se manterem numa empresa que pratica os valores da confiança e da inspiração, comparativamente aos trabalhadores pertencentes à geração X (16 vezes) e aos Boomers (13 vezes). O mesmo acontece com os resultados de um estudo publicado pela Harvard Business Review que demonstrou que “comparativamente com empregados de empresas de ‘baixa confiança’, aqueles que trabalham em organizações de elevada confiança reportam menos 74% de stress, 106% a mais de energia no trabalho, uma produtividade 50% mais elevada, menos 13% de absentismo, 76% mais de envolvimento [com o trabalho], 29% a mais de satisfação com as suas vidas e 40% a menos de burnout.
Por outro lado, e à medida que mais e mais trabalhadores estão insatisfeitos com o ambiente laboral em que vivem e reflectem sobre as características que gostariam de encontrar no seu “próximo local de trabalho” – o que está a acontecer cada vez mais amiúde – a confiança está a transformar-se num requisito crucial para, e como já anteriormente afirmado, se atrair e reter os melhores talentos.
Igualmente de sublinhar e como comprovam a maioria dos estudos, é o facto de o trabalho híbrido se estar a impor como o modelo laboral preferencial. Ora, e se as empresas quiserem competir pelos melhores talentos, terão forçosamente de confiar que os seus trabalhadores estão a dar o seu melhor, mesmo que remotamente.
Assim e à medida que as organizações são obrigadas a adaptarem-se ao ambiente pós-Covid, a questão já não será se devem ter uma cultura de confiança – que sempre foi necessária – mas sim como (voltar a) desenvolver essa mesma cultura. E, não sendo fácil, não é de todo impossível, tal como defende Stephen M. R. Covey no seu livro mais recente.
As virtudes imperativas no local de trabalho
De acordo com Covey, a cultura “confiar e inspirar” é uma forma inovadora de exercer a liderança. Para além de maximizar as possibilidades de crescimento de toda a empresa, aproveita ao máximo os talentos das pessoas, confere-lhes um sentimento de propósito, mostra que os líderes/chefias se preocupam com os trabalhadores e melhora o relacionamento entre colegas.
Para Covey e para que esta “nova” cultura seja espelhada nas empresa, os líderes devem, em primeiro lugar, oferecer um modelo de ética e virtude para construir confiança e fornecer inspiração. Desta forma, apela aos líderes para demonstrarem virtudes que considera “imperativas” no local de trabalho – humildade, coragem, autenticidade, vulnerabilidade e empatia – para criar e manter um sentido de missão, propósito e resistência duradouros.
Assim, um bom líder deverá perseguir um modelo de “credibilidade e autoridade” e de “virtudes comportamentais”, citando para isso o grande médico e filósofo humanista Albert Schweizer, o qual afirmava que o exemplo é a melhor forma de influenciar os outros. Ou seja, o líder não se poderá esquecer nunca que as pessoas que lidera irão replicar o seu comportamento, seja este bom ou mau. Adicionalmente, liderar com confiança significa aplicar este mesmo sentimento aos trabalhadores, pois quando o líder demonstra às pessoas que lidera que confia nelas, delas receberá apenas reciprocidade. Ter “fé” num trabalhador encorajá-lo-á a desejar desafios laborais cada vez mais audazes para provar que a sua confiança e empenho são reconhecidos e merecidos. Igualmente importante é não se esquecer o reforço da ligação entre empregadores/empregados através de um propósito que ambos partilhem. Como declara o autor, “no mundo caótico da actualidade, a liderança inspiracional está rapidamente a transformar-se num ‘imperativo estratégico’”.
Covey sugere igualmente aos líderes que encontrem um modelo/exemplo que eles próprios admirem e que estimule as suas acções e comportamentos, aconselhando-os também a estudar os três padrões de liderança associados aos filósofos gregos clássicos: o ethos, o pathos e o logos.
De uma forma muito geral, o ethos diz respeito à sua credibilidade pessoal. Ou seja, mostrar às suas pessoas que elas podem verdadeiramente confiar em si e que fará exactamente o que diz que fará, assegurando que as suas declarações e acções públicas e privadas estão alinhadas. Já o pathos engloba as suas emoções e a forma como se relaciona com as outras pessoas. Desta forma, e enquanto líder, deverá asseverar que as suas emoções estão em sintonia com a forma como as pessoas à sua volta se sentem, sublinhando a importância crescente do apoio das necessidades emocionais dos trabalhadores, actualmente tão valiosas. Por último e como a própria palavra indica,o logos diz respeito à lógica, ou seja garantir que as suas acções são racionais e apropriadas às diversas circunstâncias e contextos imprevisíveis que agora todos nós sabemos que existem e que provocam disrupções tremendas.
No que respeita às “virtudes comportamentais” já previamente anunciadas, Covey elenca-as como “pares” de comportamentos que influenciam, equilibram e se apoiam mutuamente, a saber:
“Humildade e coragem – A muitas pessoas humildes falta coragem e a muitas pessoas corajosas falta humildade. A humildade é uma virtude essencial de base. A maioria das pessoas humildes compreende que os seus princípios fundamentais dominam tudo o que fazem. As pessoas corajosas não têm medo de fazer o que está certo, mesmo que isso prejudique a sua popularidade, estatuto ou bem-estar financeiro. Ou seja, há que trabalhar para se ser ao mesmo tempo humilde e corajoso.
Autenticidade e vulnerabilidade – Na era das redes sociais, quando cada pessoa está online e tem uma opinião e um megafone gigante, separar os factos da ficção e as boas ideias dos absurdos torna-se cada vez mais difícil. E nesta era onde imperam os “influenciadores”e as notícias falsas, é cada vez mais difícil saber diferenciar o autêntico do fraudulento. Desta forma, são vistos como líderes e confiança aqueles que são honestos e autênticos, que não têm medo de mostrar vulnerabilidades, estando abertos aos outros e demonstrando as suas emoções, medos, inseguranças e pontos fortes. A vulnerabilidade proporciona a porta de entrada para a autenticidade.
Empatia e desempenho – Estes dois traços funcionam independentemente um do outro e, no entanto, provam ser crucialmente interdependentes. Quando os líderes mostram empatia pelos membros da sua equipa, são inspirados a fazer o seu melhor trabalho. E quando moderam as disputas entre as suas equipas, ouvem com cuidado ambos os lados. Ao mostrarem empatia por ambas as posições, estão a gerar confiança, o que alimenta o desempenho.
Do “comando e controlo” à crença no potencial dos trabalhadores
É um dos aspectos mais sublinhados no livro de Covey: os líderes que querem ser dignos de confiança e inspiradores pensam e comportam-se de forma distinta comparativamente aos seus pares que continuam a insistir na tradicional dupla “comando-controlo”, acreditando ao invés no potencial e capacidades das suas pessoas.
De acordo com o autor, estes líderes vivem de acordo com um conjunto de convicções por excelência. Primeiro, acreditam que as pessoas com quem trabalham têm um enorme potencial e fazem o que podem que para este seja desenvolvido ao máximo. Por outro lado, procuram esta “grandeza” em todos eles, mesmo naqueles cujo potencial é difícil de discernir no início.
Em segundo lugar, estes líderes vêem os seus empregados como seres inteiros, em toda a sua plenitude. Na medida em que as pessoas têm muitas “camadas”, tratam-nas como seres multifacetados, ao contrário dos líderes apegados ao comando e controlo que, apesar de se preocuparem frequentemente com as necessidades físicas dos seus empregados, ignoram as suas necessidades emocionais e mentais. Como sabemos, e com o bem-estar a ocupar actualmente lugar destacado nas empresas, é cada vez mais crucial considerarem o “corpo, coração, mente e espírito” dos seus empregados.
Em terceiro lugar, os líderes adeptos da confiança e inspiração concentram-se em cuidar e não em competir, acreditando na partilha do crédito por um bom trabalho, a par das responsabilidades e das recompensas.
Covey sublinha ainda que o modelo “comando e controlo” gera cinco armadilhas emocionais: “competir, rivalizar, queixar, comparar e criticar”, as quais não têm lugar no mundo dos líderes que possuem uma “mentalidade de abundância” e que compreendem e demonstram que o que existe é suficiente para todos.
Adicionalmente, os líderes que praticam a confiança e a inspiração são aqueles que se dedicam ao serviço dos outros e não ao interesse próprio. Trabalham para a melhoria de si próprios, dos colegas, dos empregados, das suas organizações, das comunidades que os rodeiam, ou seja, do mundo em que vivem.
Por último, este tipo de líderes deve trabalhar para ter um impacto duradouro “de dentro para fora”. Ou seja, assegurar que a influência positiva que criam com a sua gestão não se dissipa se não estiverem por perto. E, para o conseguir, inspiram as suas pessoas a serem corajosas e automotivadas, ajudando-as a encontrarem dentro de si a força para fazer o seu melhor, mesmo que o seu “modelo” não esteja próximo.
Editora Executiva