POR MÁRIA POMBO
Com o mundo a mudar e o conceito de empreendedorismo a ganhar terreno cada vez mais fértil um pouco por toda a parte, a Amway, em conjunto com a Universidade Técnica de Munique e o instituto GfK Research de Nuremberga, apresentou recentemente a quinta edição do Relatório Global de Empreendedorismo. Com resultados relativos ao ano de 2014, o estudo centra-se na questão da educação/formação dos empreendedores e na forma como a sociedade olha para os mesmos.
A análise contou com a participação de mais de 43 mil pessoas entre os 18 e os 64 anos, pertencentes a 38 países dos diversos continentes. Curiosamente, o estudo demonstra que, em 37 dos 38 países analisados, os entrevistados acreditam que o empreendedorismo pode ser ensinado e que todos os cidadãos podem tornar-se empreendedores, em oposição à opinião, muitas vezes vigente, de que empreender é uma “característica inata”.
Em Portugal, o estudo foi apresentado na Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), contando com um merecido espaço para debate. Algumas questões levantadas prendem-se com os níveis de satisfação das formações existentes e com a forma como a sociedade olha para os novos empreendedores e os acolhe ou incentiva.
Os dados sobre Portugal revelam-se positivos no que respeita à criação do próprio emprego: 41% dos entrevistados consideram a possibilidade de vir a ter o seu próprio negócio, e 65% apresentam uma atitude positiva para empreender, a qual é, ainda assim, inferior às médias europeia (73%) e global (75%), mas superior à apurada na edição anterior. Outra conclusão revela que metade dos portugueses inquiridos acredita que o empreendedorismo pode ser ensinado, contra 63% a nível europeu e global. Esta tendência verifica-se essencialmente entre os jovens, aproximando-se da média europeia, mas tornando-se menos acentuada quanto mais avançada for a idade.
São diversos os motivos que podem estar na base desta atitude positiva relativamente ao empreendedorismo. A independência face a uma entidade patronal é a principal causa e a grande motivação para muitas pessoas, quer em Portugal (47%), quer na maioria dos países analisados. Mais uma vez, o factor idade é relevante, uma vez que mais de metade dos jovens com menos de 35 anos escolheu este indicador para justificar a sua atitude empreendedora.
Na medida em que a crise fez aumentar o desemprego, o combate ao mesmo – que há alguns anos a esta parte começou a ganhar maior relevância e que constituiu o mote da edição de 2011 – é o segundo fundamento mais “votado” e está, sem surpresa, relacionado com as dificuldades dos respondentes em encontrar novas oportunidades: a criação de um negócio próprio surge como uma hipótese de regresso ao mercado de trabalho e é reconhecida como uma forma de os cidadãos voltarem a auferir de um rendimento mensal. A realização pessoal e a concretização das próprias ideias são os restantes motivos que justificam o empreendedorismo, sendo apontados por 36% e 35% dos inquiridos, respectivamente.
Sociedade ainda pouco receptiva a novas ideias
Apesar de a criação do próprio emprego ser uma hipótese promissora para um número crescente de pessoas, o estudo revela que a sociedade (a qual engloba o ambiente social, o sector político e os cidadãos em geral) é pouco receptiva aos novos empreendedores. A nível europeu, 48% dos inquiridos consideram que a sociedade é pouco favorável ao empreendedorismo, sendo essa percentagem de 49%, se a analisarmos de um ponto de vista global. Portugal foi o país onde se registou uma opinião mais negativa, por parte dos respondentes, sobre o acolhimento das comunidades aos novos trabalhadores por conta própria, com 75% dos respondentes a denunciarem a resistência da população a novos negócios.
Sobre este indicador, Rafael Alves Rocha, membro da ANJE, sublinhou que “é fundamental que a nossa sociedade deixe de encarar os empreendedores como aqueles que ficaram desempregados e que criaram qualquer coisa para fazer”, reforçando que “as comunidades têm obrigação de os motivar”. Adicionalmente, esta dificuldade de aceitação de novos empreendedores por parte da sociedade posiciona-se como um grande entrave ao sucesso de novos projectos, nomeadamente porque dela resultam também obstáculos à obtenção de crédito, em conjunto com barreiras várias à captação de clientes e investidores.
[pull_quote_left]A nível europeu, 48% dos inquiridos consideram que a sociedade é pouco favorável ao empreendedorismo[/pull_quote_left]
No evento de apresentação do estudo, Rui Baptista, professor catedrático em Empreendedorismo Internacional na Brunel Business School, em Londres, e membro do Departamento de Engenharia e Gestão do Instituto Superior Técnico, declarou que são os “jovens com graus académicos mais elevados aqueles que representam a maior esperança de mudança do tecido empresarial português”. Desta forma, é importante que a sociedade os valorize, tendo em conta que “esta esperança significa que querem investir nos seus projectos, mais do que simplesmente encontrar um emprego seguro”, concluiu.
Para além da valorização dos empreendedores por parte da sociedade, a educação foi outro dos temas abordados no estudo. “Pode o empreendedorismo ser ensinado?” foi a grande questão levantada pelos responsáveis do estudo, os quais quiseram ir mais longe ao debater também se são satisfatórias as formações existentes e que órgãos ou entidades devem ser responsáveis pela sua implementação.
Apesar de a formação ser uma componente útil na preparação dos empreendedores para a sua entrada no mercado, a mesma não ganhou unanimidade por parte dos inquiridos: apenas metade dos portugueses revelou acreditar que o empreendedorismo pode ser ensinado (valor que, comparativamente a outros indicadores, foi também inferior às médias europeia e global, as quais registaram 63% do total). Da parte dos jovens portugueses, o cenário é ligeiramente diferente: 60% acreditam que se pode aprender a ser empreendedor, aproximando-se da generalidade dos inquiridos dos restantes países analisados e, consequentemente, das médias global e europeia.
Jovens elegem criatividade, menos jovens as capacidades de gestão e liderança
Do ponto de vista da responsabilidade para educar os empreendedores, 49% dos inquiridos portugueses acreditam que a mesma deve pertencer ao Estado ou a entidades sem fins lucrativos mas, em termos globais e europeus, são apenas 33% os respondentes que têm a mesma opinião. Por outro lado, a nível nacional, a formação existente é considerada insatisfatória por 64% dos participantes, contra apenas 43% da média dos restantes países analisados. Nestes indicadores, a idade é irrelevante, uma vez que nenhum grupo sobressaiu face aos restantes.
A formação em “competências básicas de negócio” foi apontada como a mais importante para que um negócio possa emergir. Esta formação deverá conferir aos empreendedores noções de controlo financeiro, marketing e informática, e foi escolhida por 53% dos portugueses, contra 45% a nível europeu e 42% a nível global. As componentes de “inovação, criatividade e soluções para resolver problemas” e de “liderança e gestão” foram aquelas que surgiram imediatamente a seguir às competências básicas, com 37% e 36%, respectivamente, em Portugal. Curioso, mas não surpreendente, é o facto de a inovação e criatividade terem sido escolhidas essencialmente por jovens, e a liderança e a gestão ocuparem as preferências dos respondentes com mais de 35 anos.
[pull_quote_left]60% dos jovens portugueses acreditam que se pode aprender a ser empreendedor[/pull_quote_left]
Convicto de que é necessário tentar sempre e nunca desistir, mesmo quando algo corre mal, Rafael Alves Rocha faz um “apelo”, ao sublinhar que “Portugal tem investido cada vez mais na formação das pessoas, mas é importante que a sociedade acredite nos empreendedores”.
Quando comparados com os dados de anos anteriores, as conclusões desta edição comprovam que é crescente o número de pessoas dispostas a investir no seu próprio negócio, bem como o número de respondentes que acredita no empreendedorismo e encontra nele uma forma de contornar os efeitos devastadores da crise. No entanto, para que este seja realmente benéfico, a mesma tendência terá de ser verificada ao nível da sociedade: é urgente que as pessoas, em geral, se revelem favoráveis ao empreendedorismo e que demonstrem que há lugar para novas ideias e novos negócios.
Por fim, a insatisfação sentida por parte da maioria dos portugueses, relativamente à formação disponível em empreendedorismo, revela, por um lado, os passos que o nosso país ainda tem que dar para estar ao nível da média europeia e, por outro, a consciência que começa a ser sentida, por parte dos “nossos” empreendedores, de que o conhecimento, aliado à experiência, é uma boa ferramenta para o sucesso dos negócios.
Portugal: uma autêntica manta de retalhos
No nosso país, 74% dos lisboetas apresentam uma atitude positiva face ao empreendedorismo, contra os 63% registados no Norte e Algarve. No entanto, é na região algarvia que os habitantes assumem uma maior vontade de criar o seu próprio negócio (48%), em oposição ao Norte, que demonstrou ser a região menos propícia a esta hipótese, com apenas 36% dos inquiridos a revelarem vontade de o fazer.
Ao nível dos fundamentos que motivam o empreendedorismo, é mais uma vez o Algarve o grande “vencedor”, angariando 63% dos respondentes, enquanto Lisboa obteve 60% e a região norte não foi além dos 38%. A inovação e a criatividade são requisitos essenciais a um empreendedor para 46% dos lisboetas, mas para os nortenhos e algarvios não são assim tão relevantes, tendo sido escolhidos por apenas 35% e 27% dos participantes, respectivamente.
Os nortenhos revelam-se reticentes quanto ao facto de o empreendedorismo poder ser ensinado: 48% dos respondentes dessa região consideram que esta é uma característica inata e não ensinada. Posição contrária têm os habitantes do Algarve e de Lisboa: 61% dos algarvios e 53% dos lisboetas entendem que se aprende a empreender. A este respeito, 61% dos lisboetas consideram que a formação deveria ser ministrada por empresas sem fins lucrativos e apenas 21% por empresas privadas, enquanto o Algarve considera que as empresas privadas deveriam ter um papel mais activo na formação, com 45% do total.
O sentimento de insatisfação face à qualidade da formação disponível é sentido pela generalidade dos inquiridos, independentemente da região onde habitam: os lisboetas são os mais insatisfeitos, com 67%, seguindo-se a região norte com 64% e por fim o Algarve, que reúne 54% de descontentamento por parte dos inquiridos. O sentimento de que a sociedade é hostil ao empreendedorismo é igualmente partilhado pela maioria dos participantes portugueses no estudo: o Alentejo é a região que reúne a maior fatia, com 90%, seguido dos inquiridos na região norte, com 76%, e do Algarve, com 67%.
Jornalista